João Luiz Woerdenbag Filho, mais conhecido como Lobão, é uma espécie de Friedrich Nietzsche da MPB. Assim como o filósofo alemão, que em seus textos criticava os nomes mais influentes do pensamento ocidental, o cantor e compositor carioca não se intimida em disparar sua “metralhadora verbal” contra os principais ícones da música popular brasileira. De Carmem Miranda a Elis Regina, passando por João Gilberto e Chico Buarque, poucos escapam da mira do “Lobo Mau”.
Concordemos ou não com as opiniões de Lobão, é fato que o músico, ao longo de sua carreira, nunca se esquivou de um bom debate e, por outro lado, sempre fez questão de apresentar o seu ponto de vista sobre os mais variados temas. Nos anos 80, quando o radicalismo imperava no mundo do rock, ele gravou com a bateria da Estação Primeira de Mangueira. Décadas mais tarde, quando a grande maioria dos artistas brasileiros se calou diante dos preços abusivos dos CD’s, Lobão foi uma voz solitária contra as grandes gravadoras.
Entretanto, o mesmo músico que era conhecido pelas ideias libertárias, têm se destacado nos últimos anos por posições extremamente reacionárias. Devido ao lançamento do seu livro Manifesto do Nada na Terra do Nunca, Lobão tem sido presença constante nos meios de comunicação. “Lobão volta à cena editorial definitivamente ‘neocon’ [neoconservador]. Bem, na realidade isso também se sabia, afinal, não é de hoje que ele é chamado de ‘direitista hidrófobo’ na internet. Alguém disse, em outros tempos, que o movimento estudantil seria a banda de música da revolução socialista. Lobão, então, com seu flamejante opúsculo, parece querer assumir o papel de banda de rock da contrarrevolução”, escreveu Marcos Augusto Gonçalves, para a Folha de S.Paulo.
A causa da ditadura foram os comunistas
Em uma polêmica entrevista concedida a Lucas Nobile, também da publicação da família Frias, Lobão, como bom representante do pensamento conservador, despejou todo o seu ódio contra alguns nomes da esquerda. Para ele, Che Guevara é um “um dos maiores e inquestionáveis assassinos do século 20”, a presidenta Dilma Rousseff é “terrorista”, “os Racionais MC’s são o “braço armado do governo, os anseios dos intelectuais petistas” e a esquerda brasileira é composta por “gente rancorosa e invejosa”. Não obstante, Lobão afirmou que Gonzaguinha, compositor conhecido por suas ideias progressistas, é uma das figuras mais detestáveis da MPB. “Músicas politicamente engajadas, uma certa alteridade sexual e alguns sambões maníaco-depressivos. Música para se ouvir comendo linguiça com cachaça”, asseverou a autor de “Me Chama” sobre a obra do filho de Luiz Gonzaga.
Já no programa Agora é Tarde, apresentado pelo também neoconservador Danilo Gentili, ao comentar sobre ser chamado de reacionário, Lobão disse se sentir agradecido pela alcunha, pois “é o mesmo epíteto que deram ao Nelson Rodrigues, que é meu herói”. Por sua vez, Augusto Nunes, da revista Veja, destacou que o livro recém-lançado de Lobão vai ganhando posições em todas as listas dos mais vendidos. Segundo Nunes, o livro do compositor carioca “anda assombrando o rebanho lulopetista”. Em uma entrevista para a Terra TV, Lobão afirmou que Joaquim Barbosa, o novo paladino da mídia hegemônica brasileira, está “arrebentando”. “Ele é uma figura histórica, está surpreendendo. Todos nós, brasileiros, estávamos muito céticos [em relação ao andamento do julgamento do ‘mensalão’], que ia ‘acabar em pizza’, como estamos acostumados.”
No entanto, o que mais tem chamado atenção na atual fase reacionária de Lobão é a sua defesa da ditadura militar. “A gente tinha que repensar a ditadura militar. Essa Comissão da Verdade que tem agora. Por que que é isso? Que loucura que é isso? Aí tem que ter anistia pros caras de esquerda que sequestraram o embaixador e pros caras que torturavam, arrancavam umas unhazinhas, não? As pessoas [opositores do regime militar] não estavam lutando por uma democracia, as pessoas estavam lutando por uma ditadura de proletariado. As pessoas queriam botar um Cuba no Brasil, ia ser uma merda pra gente. Enquanto os militares foram lá e defenderam nossa soberania”, afirmou o cantor durante palestra realizada em uma feira literária. Ainda de acordo com o polêmico músico carioca, “o estopim, a causa da ditadura militar foram eles [os comunistas]. Desde 1935, desde a coluna Prestes, começaram a dar golpes de Estado. Em 1961, começaram a luta armada. Era bomba estourando, eu estava lá. Minha mãe falava: você vai ser roubado da gente, o comunismo não tem família”.
“Quem te viu, quem te vê”
Segundo o blogueiro Eduardo Guimarães, os dramas familiares (suicídios dos pais, por exemplo) explicam o aparente problema mental de Lobão e a entrevista concedida pelo músico à Folha de S. Paulo foi uma maneira de o jornal paulista atacar indiretamente seus inimigos políticos. Motivações à parte, é extremamente lastimável ver alguém que foi símbolo de rebeldia (no melhor sentido do termo) ser completamente absorvido pelo status quo. Ademais, Lobão possui uma excelente obra musical, não precisa dessa mise en scène anódina para estar na mídia.
Bons tempos em que o contestador João Luiz, no longínquo ano de 1989, desafiava a poderosa Rede Globo ao fazer propaganda eleitoral contra a candidatura à presidência de Fernando Collor (apoiado pela família Marinho), em pleno Domingão do Faustão, no dia do segundo turno das eleições presidenciais. Como diria Chico Buarque, clássico desafeto de Lobão, “quem te viu, quem te vê”.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG