Lá vem mais um passaralho movimentando a Redação, boatos, cochicho, azia, cada dia mais tensão. O próximo será quem? Nunca se sabe ao certo. O critério é manter refém Aquele que é mais esperto. E vai o salário alto e o último prêmio Esso o que derrubou ministro o inconformado confesso. Um aproveita a deixa e já pede pra sair o outro relembra as queixas do sangue jorrado ali. Os que ficam fazem o triplo trabalho vira uma cruz transformam-se logo em suco – o último apaga a luz.
No meio do ano passado, acompanhei de perto a tensão que é um passaralho [demissão em massa]. Já tinha presenciado outros, mas nunca tão grandes como aquele. Foram mais de 30 pessoas dispensadas na Folha, algumas com décadas de casa. No mesmo período, houve cortes no Estadão, Band, iG e Diário do Grande ABC. Depois foram demitidos funcionários dos jornais O Dia e Meia Hora e foi fechado o esportivo Marca Brasil. Ao todo, segundo o site Comunique-se, mais de 1.200 jornalistas foram demitidos no ano passado.
Boatos diziam que novos passaralhos ocorreriam no final do ano. Demoraram um pouco mais, mas o processo voltou com força agora. Após o fim do histórico Jornal da Tarde, com demissões de parte de seus jornalistas, foi anunciado um enxugamento nos cadernos do Estadão e a demissão de 50 jornalistas, posteriormente suspensas pelo TRT (alguém sabe em que pé isso está hoje?). Depois, oValor Econômico demitiu 50; a Record demitiu 400 (!); Trip demitiu ao menos 14; Folha de Pernambuco demite nove. Vejam que irônico: a Caros Amigosdemitiu 11 por terem exercido o constitucional direito de greve. E há um boato (ah, os boatos! Tornam o passaralho muito mais doloroso) de que a Abril demitirá 1.000 (!) até setembro.
Fantasma que não abandona o Brasil
Como que para fechar o ciclo, volta a Folha a demitir. Desta vez, fala-se em outros 40 jornalistas cortados. Gente da melhor qualidade, até a repórter vencedora do Esso que derrubou o ministro Palocci. A Folha se justificou dizendo que “o fraco desemprenho da economia e seu reflexo na publicidade dos jornais” tornou necessários os “ajustes”. E também enxugou, fundiu ou limou cadernos inteiros…
Há tempos a academia se debruça sobre as mudanças no jornalismo, ainda em curso. Como toda revolução em curso, só dá para entender plenamente o que ela significa depois de alguns anos de seu fim. No meio do redemoinho é difícil ter uma percepção clara das coisas. O que os jornais impressos vão virar, com a concorrência da internet em multiplataformas? E, se todos estiverem buscando informação na internet, mas a publicidade não acompanha esse ritmo, quem vai sustentar as grandes apurações? Fazer reportagem é caro, e não é fácil. Será que veremos um declínio da qualidade do jornalismo, ou ele vai se reinventar, mais forte? O que me preocupa é que todo país de jornalismo fraco tem democracia também fraca, um fantasma que nunca abandona o Brasil.
Mas, bah, deixemos isso com os acadêmicos, que estão lá debruçados fazendo pesquisas a respeito. O que me preocupa, de imediato, é o que conheço bem: aquele clima de terror que ronda as demissões, as tristezas de quem deu a vida por uma empresa e virou suco e o acúmulo de tarefas que passam a ter aqueles que sobraram – a ponto de um jornalista ter cunhado o termo Ficaralho.
Pensando em tudo isso, ontem à noite eu estava agitada demais para dormir. Para me livrar de uma daquelas bravas insônias, acendi a luz e vomitei esses garranchos que abrem o post. Depois apaguei, efetivamente, a luz, e dormi uma noite cheia de sonhos.
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Cristina Moreno de Castro é jornalista e blogueira, Belo Horizonte, MG