Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quando a resposta a uma crise é um desastre

O que uma autoridade deveria fazer quando jornalistas revelam existir uma gravação em vídeo com imagens do denunciado cheirando crack? Só há duas saídas: desmentir com veemência, repudiar a acusação, mostrando que não é verdade. Ou renunciar, dependendo das circunstâncias em que o fato foi gravado. Foi isso que aconteceu com o prefeito da quarta maior cidade da América do Norte. Três jornalistas revelaram que viram um vídeo inédito em que o prefeito de Toronto, no Canadá, Rob Ford, apareceria consumindo crack. Segundo Brad Phillips, do site PR Daily, “a acusação não é para qualquer prefeito, mas para o muito conhecido e falastrão Rob Ford, que não tem medo de responder”.

Mas, admite Phillips, o prefeito, neste caso, sentiu a pancada e cometeu vários erros ao tentar se explicar sobre a acusação. De cara, incorreu num dos mais elementares equívocos quando se administra uma crise que tem tudo para ser grave: demorou vários dias para responder. Já está consagrado na teoria de gestão de crises que a opinião pública sobre uma crise – pessoal ou corporativa – se forma nas primeiras horas, após a divulgação do fato.

A falta de um pronunciamento do prefeito não passou despercebida pela mídia e pela população de Toronto, porque, segundo o analista de PR, Brad Phillips, era incompatível com suas ações anteriores. Resultado: a opinião pública já passou a admitir que ele deve ser culpado de pelo menos alguma coisa. O site PR Daily considerou o desempenho de Ford, após as acusações, o pior desastre de mídia do mês de maio.

A história

Em 16 de maio, jornalistas do site americano Gawker e o jornal Toronto Star afirmaram que tiveram acesso a imagens de um vídeo “secreto” onde Rob Ford aparece se preparando para usar um cachimbo da droga com um grupo de supostos traficantes. O vídeo não foi divulgado. Segundo os jornalistas, o vídeo foi oferecido a eles por um grupo de traficantes somalis. As imagens não deixam dúvidas de que é o prefeito de Toronto, disseram. Como os traficantes pediram RS$ 2 milhões pelo vídeo, os jornalistas se negaram a pagar.

Diante de tão grave acusação, principalmente por se tratar de pessoa conhecida e uma autoridade pública, o que deve fazer o acusado? No dia seguinte, num tumultuado encontro com jornalistas – não dá para chamar esse encontro de entrevista, tantas foram as gafes e os erros –, o prefeito falou de forma improvisada. Estava flagrantemente despreparado. Falou de pé, no meio de uma sala repleta de repórteres e assessores e apenas negou, dizendo: “Eu não uso crack. Nem sou viciado em crack…”(veja o vídeo). No artigo postado no site PR Daily, Brad Phillips diz: “Se você fosse falsamente acusado de fumar crack, você não iria emitir uma declaração negativa mais forte?” Nos primeiros dias, a resposta ficou naquela frase lacônica e enigmática, que não serviu para dissipar as dúvidas sobre a acusação.

Oito dias depois, em 24 de maio, o prefeito finalmente falou à imprensa de forma mais organizada. De novo para emitir outra negação. O que falou pela segunda vez não clareou o cenário; ajudou a colocar mais nuvem sobre o enigmático statement apresentado pelo prefeito. “Existe uma séria acusação do Toronto Star de que eu usaria crack. Mas eu não sou usuário ou viciado”, disse o prefeito em uma entrevista coletiva. “Sobre o vídeo, não posso comentar imagens que nunca vi ou não existem.”

O estrago está feito

Ele não respondeu às perguntas de jornalistas durante a entrevista. Um dia antes da entrevista, o jornal Toronto Sun, de direita e simpático ao mandato de Ford, publicou um editorial exigindo que o prefeito negue com firmeza as acusações ou se demita do cargo para procurar ajuda médica.

Brad Phillips chama a atenção para que se “observe, especificamente, o que ele disse no início da declaração: “Eu não uso crack. Também não sou um viciado de crack.” Ele usou o presente do indicativo (“eu não uso…”) em vez de o verbo no pretérito passado (“Eu nunca usei…”), uma construção verbal à la Bill Clinton e, do ponto de vista jurídico, usada frequentemente por pessoas culpadas para dissimular uma resposta mais objetiva.

Veja a segunda entrevista do prefeito de Toronto.

Segundo Jeff Bridges, o vácuo causado pela falta de uma resposta sólida levou a outras acusações, incluindo uma possível conexão com assassinato. Quando uma autoridade está vulnerável diante de uma acusação, na falta de resposta consistente, incisiva e definitiva, começam a sair esqueletos dos armários. A mídia sente quando a autoridade está fraca, vulnerável. Aquilo que ninguém tinha descoberto pode vir à tona. No entendimento do articulista do PR Daily, “a denúncia é mais um problema para o prefeito porque sua administração é uma bagunça”. Ao perceber que o navio começou a fazer água, os tripulantes começaram a pular fora. Chefe de gabinete, secretário de imprensa e vice-secretário de imprensa do prefeito, todos se demitiram.

Para Brad Phillips, “o que a imprensa americana e canadense está especulando é se o prefeito pode sobreviver a este episódio e, em caso afirmativo, se ele poderá fazer alguma coisa, depois desse tiroteio. Como admite a imprensa, o truculento prefeito gosta de desafios e, por enquanto, não há sinais de que tenha desistido de buscar um segundo mandato”. Qualquer que seja o desenlace dessa denúncia, apareça ou não o vídeo, o estrago está feito.

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João José Forni é formado em Letras e Jornalismo, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e tem o curso MBA em Gestão Estratégica pela Universidade de São Paulo