Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Educação, ciência e… Deus

Um dos artigos que a revista IstoÉ publica esta semana (edição 2112, de 5/5/2010), intitulado ‘Deus chega às aulas de biologia’, assinado por Hélio Gomes, pretende ativar uma polêmica educacional, opondo ciência e religião. Talvez o título mais adequado fosse ‘Deus retorna à biologia’. De fato, o que se vê por parte de alguns movimentos religiosos estigmatizados como ‘fundamentalistas’ (nem sempre o são…) é a reivindicação de uma concepção de ciência aberta à crença em Deus.

Esta reivindicação não é nova. Pertence à mentalidade religiosa mais esclarecida e, em particular, ao pensamento católico no que tem de melhor, procurar congruências entre conhecimento racional e fé. A doutrina do evolucionismo encarada como busca de uma explicação para ‘a origem do corpo humano em matéria viva preexistente’, segundo palavras do papa Pio 12 na encíclica Humani generis (1950), não cancela, em princípio, a convicção de que matéria e almas são criadas por Deus (heresia insuportável do ponto de vista ateu).

Assim como a educação se desvirtua em mãos religiosas quando se torna instrumento de manipulação para fins escusos (pensemos nas escolas e universidades criadas pelo Opus Dei para capturar novos membros e influir nos meios de comunicação), a ciência também perde credibilidade quando se especializa em discurso combativo (e assustado) contra a religião.

Irresponsabilidade da mídia

No mesmo artigo da IstoÉ cita-se o biólogo inglês Richard Dawkins, militante ateu, que faz das suas convicções antirreligiosas a única conclusão possível de toda e qualquer pesquisa científica. Mas aí reside o perigo contrário ao da religião fechada às descobertas da ciência. Devemos estar atentos para não cair no fundamentalismo oposto, igualmente desumano e nocivo. Educação saudável repele fanatismos de todos os gêneros. Marcelo Gleiser, em artigo da Folha de S.Paulo (26/11/2006), fez o alerta oportuno:

‘Para ele [Dawkins], a ciência é um clube fechado, onde só entram aqueles que seguem os preceitos do seu ateísmo, tão radical e intolerante quanto qualquer extremismo religioso. Dawkins prega a intolerância completa no que diz respeito à fé, exatamente a mesma intolerância a que se opõe.’

Pedagogicamente falando, deve-se garantir que, no contexto da educação laica, saibamos refletir (não para destruir, mas para valorar e valorizar) sobre as ideias e práticas religiosas presentes na sociedade e, por consequência, em nossas salas de aula. Seria irresponsabilidade da mídia extremar desavenças entre religião e ciência.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br