Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Educação e bananas

‘É o Estado que está fazendo porcaria, não o mercado. O que não quer dizer que não haja mercadistas nessa história, que ganhariam dinheiro vendendo educação ou bananas. Não tenho nada contra, uma vez que há quem queira comprar bananas e há quem queira comprar educação. Mas o Estado não pode subsidiar uma banana ruim. Assim como não pode subsidiar uma educação ruim. Aliás, o Estado não tem de subsidiar nem banana boa!’ (Reinaldo Azevedo em seu blog, 14/11/2009).

Com esta análise mercadológico-educacional, Reinaldo Azevedo comenta em seu blog questões sobre ensino. A bola foi levantada por uma aluna de uma universidade que enviou em e-mail para o jornalista criticando a mídia por desqualificar estudantes de instituições particulares de ensino superior.

Reinaldo responde à aluna, dizendo que com seu texto ‘levaria pau’ quando ele era professor de português. Mas ele não é mais professor de português e agora dedica-se a ensinar a classe média e a comentar sobre a realidade brasileira sob uma ótica ultra-direitista e radical, mostrando um certo preconceito de classe. Ele continua sua ‘análise educacional’, evidentemente com seu jeito, digamos, ‘aguerrido’. Critica o governo atual, pautado, segundo ele, por um ‘petismo vagabundo’ que estaria desvirtuando o ensino superior distribuindo bolsas do ProUni a ‘garçons, taxistas e manicures’. Continua seus arroubos dizendo que ‘está se oferecendo uma universidade que não oferece vida universitária’, diz que ‘em vez de se abrir um novo horizonte a pessoas vindas de ambientes um tanto acanhados intelectualmente (parece-me que aqui ele está se referindo aos leitores incondicionais de Veja) há instituições por aí que estão apenas referendando esse acanhamento. E a esquerda aplaude – ou parte dela ao menos’.

‘Vestais do pensamento nacional’

Por fim, Tio Rei, como é conhecido entre seu fiel público, fecha esse ‘tratado educacional’ com o seguinte impropério:

‘O dinheiro que sustenta essa farra não estaria sendo aplicado com mais eficiência num ensino técnico de qualidade, por exemplo? Posso apostar que sim. Nem quero aqui ficar fazendo aquela oposição clássica – ou que já virou um clichê – entre quantidade e qualidade. Já nem se trata mais disso (…).’

Fiquemos por aqui. Parece que após Otávio Frias Filho endossar em seu periódico, a Folha, a afirmação que no Brasil houve uma ditadura branda (ou ditabranda), Reinaldo volta ao passado nebuloso dos anos de chumbo, espalhando pelos quatro cantos do Brasil uma mentalidade, uma ideologia educacional obtusa e segregacionista que diz o seguinte: ‘Ensino superior apenas para a elite, para o proletariado cursos técnicos para uma rápida inserção no mercado de trabalho.’ Afinal, para que a ralé precisa de conhecimento – digo conhecimento no sentido estrito do termo, conhecimento transformador da realidade, embasado em ideais humanistas – se, com apenas um curso técnico, ou então, com muita boa vontade, um curso superior tecnólogo no Cefet ou na Fatec paulista, os filhos ‘do povo’ estarão bem qualificados e ganhando bem no mercado de trabalho cada vez mais competitivo?

Para que ter um ensino crítico (notório que existem cursos superiores ruins que devem ser fiscalizados por estarem oferecendo um ensino sofrível), se temos formadores de opinião tão qualificados, intelectuais tão notórios como Demétrio Magnoli (A escravidão no Brasil foi democrática), como Jô Soares (A vaca sagrada da classe média brasileira) ou então jornalistas como Ali Kamel (Não somos racistas), Mainardi e o próprio Reinaldo Azevedo que, com sua ‘perspicácia’ e ‘análises lúcidas’, formam o time de ‘vestais do pensamento nacional’ do qual não temos do que nos envergonhar? Eles bastam para que estejamos bem equipados em questões reflexivas e despendam um pouco de tempo e raciocínio.

O desaparecimento cronológico dos analfabetos

O utilitarismo educacional de Reinaldo Azevedo é pautado na ideologia educacional reinante na época da ditadura militar. Ali, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) nº 5692/71 foi embasada na crença de que ‘os meios, planejados, controlados adequadamente, são suficientes para resultados eficientes’. Essa LDB sugeria um ensino taylorista, direcionado com vistas à ‘otimização e eficiência’ (termos tão recorrentes ultimamente e associados ao meio corporativo). É um ensino reprodutor do establishment, bancário (conceito de Paulo Freire, educador desprezado por Veja), que incentiva a verticalização social, onde apenas os que conseguissem vencer ‘pelos méritos próprios’ teriam direito ao ensino de qualidade, fosse técnico ou superior. A LDB 5692/71 foi substituída pela LDB nº 9394/96, já na era democrática, regida por ideais democráticos.

Reinaldo Azevedo e parte da direita, raivosa com os avanços sociais alcançados nos últimos anos, descontente com a melhor distribuição de renda, indignada com o crescimento do país liderado pelo ‘presidente inculto’, parecem estar desesperados ao evocar, mesmo que de forma indireta, a ideologia que formatou a LDB dos tempos militares. Isso mostra o quanto a mentalidade de nossa elite pode criar quando está perdendo o jogo. Para o ilustre jornalista, nem bananas (deixo a critério da imaginação dos leitores para decifrar o termo) devem ser servidas pelo Estado ao cidadão.

Qual o próximo passo? Editoriais clamando pela expansão de vagas no Cefet, na Fatec ou da USP-Leste, com seus cursos ‘para pobres’, para que o proletariado fique satisfeito com empregos técnicos bem remunerados em multinacionais e pare de exigir o direito ao ensino público de qualidade? Ou, quem sabe, talvez reproduzir em Veja o pensamento educacional de José Goldenberg, ex-ministro da Educação que refutava o EJA (Ensino de Jovens e Adultos) por considerar que ensino para adultos referia-se a ‘analfabetos’ e que pessoas nessa condição (‘analfabetos’) já tinham construído um bom lugar na sociedade, sendo de pouca valia investir neles para reverter a situação de penúria educacional. Traduzindo, para Goldenberg o analfabetismo seria eliminado com investimento na educação dos filhos dos analfabetos e com a eliminação natural do analfabetismo no Brasil, a saber, com o desaparecimento cronológico dos analfabetos… Se um ministro pode ter tal concepção distorcida de ensino, por que, então, nos espantarmos com o pensamento retrógrado de um jornalista a serviço da direita que parece ter perdido o foco?

******

Professor de línguas portuguesa e inglesa, Taboão da Serra, SP