Informar e ampliar o debate para que se reconheça que no mundo da globalização o papel da mídia é fundamental para a democracia de um país.
Pesquisa realizada pelo Lafis – Pesquisa e Investimento em Ações na América Latina – mostrava a tendência de que ‘quatro ou cinco grupos dominarão todas as formas de mídia concebíveis, da imprensa tradicional à internet, passando pelo cinema, rádio, televisão, video-games, não só nos Estados Unidos, como provavelmente em todo o mundo(…) Isso é a aceleração de um processo triste e bem familiar: a consolidação vertical e horizontal das diferentes formas de mídia, resultando em simbiose cada vez maior com o poder político e econômico, diluição de conteúdo e autocensura’ (CartaCapital, nº 116, 16/2/2000).
Pelo processo de monopolização, os países e suas corporações transnacionais disputam espaço público global. Os meios de comunicação de massa e, particularmente, os eletrônicos funcionam como parte de uma engrenagem de produção capitalista que impede uma visão externa crítica.
A luta por políticas democráticas de comunicação no Brasil começou com estudos e debates sobre a Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação, nas décadas de 70 e 80. São mais de três décadas de lutas importantes – a Assembléia Nacional Constituinte, 1988, o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação, 1990, e organizações como o Intercom, o Coletivo Intervozes, a ONG Tver – TV e responsabilidade social, a campanha contra a baixaria na TV – Ética na TV, Midiativa, entre outras.
Política e negócios
A comunicação deveria ser o componente fundamental na construção da cidadania. Mas, de uma maneira geral, a discussão não está levando em conta os desejos e os interesses da sociedade e dos movimentos sociais que vêm lutando para defender as reivindicações legítimas, mas não encontram espaço nem no governo nem na mídia.
A maioria (80%) da população brasileira tem na televisão sua única fonte de informação. O papel político da televisão no Brasil é único em todo o mundo. Uma força poderosa, potencializada pela falta de acesso a outras fontes de informação e entretenimento – jornais, livros, filmes, peças teatrais. Além disso, a população não sabe que a radiodifusão é operada como concessão pública. Que são contratos com prazo determinado, que deveriam especificar o tipo de serviço público de radiodifusão a ser prestado. Com deveres, direitos e sanções para quem não cumprisse o estabelecido, de forma clara e amplamente divulgados à sociedade.
O domínio da comunicação audiovisual – entretenimento, jornalismo, rádio, TV, revistas e internet – envolve política e negócios em todo o mundo. Na América Latina, o papel político dos meios de comunicação não é diferente. Na Colômbia, cinco dos presidentes que governaram o país nos últimos anos pertenciam a um dos seis grupos de famílias que dominam 75% da circulação dos jornais e revistas no país. Na Venezuela, segundo a senadora Lolita Aniyar de Castro, criminalista e estudiosa da legislação sobre a mídia, a maioria dos membros do Parlamento está vinculada a algum dos grupos que dominam a comunicação no país. No Chile, duas redes nacionais públicas têm maior audiência em relação às emissoras privadas, devido ao modelo implantado pelo regime militar, que permitiu ao Estado e às universidades o monopólio da exploração; só em 1989 se privatizou a primeira emissora naquele país.
Concessões de rádio e TV
No Brasil, os militares construíram uma infra-estrutura de estações, satélites e repetidoras para implantar redes nacionais, favorecendo a exploração privada e comercial, em detrimento de seu caráter público. Aproveitando-se de uma legislação ultrapassada (1962), alguns grupos familiares controlam a televisão de sinal aberto, entre eles: Marinho (Globo), Abravanel (SBT), Saad (Bandeirantes) e Sirostsky (RBS). Um mercado concentrado, onde a mídia não reflete a diversidade de vozes da população e o interesse público é substituído pelo interesse privado.
Outra tendência, a partir de 1990, passou a integrar os proprietários da televisão brasileira e fazer parte do controle da mídia televisiva: a Igreja Universal do Reino de Deus, que adquiriu, por 45 milhões de dólares, uma das mais tradicionais redes de televisão do Brasil – a Record. Em contrapartida, a Igreja Católica formou a Rede Vida, que soma hoje mais de três centenas de retransmissoras espalhadas pelo país.
Além disso, um levantamento realizado em 1995 pelo professor Venício Artur de Lima indicava que das 302 emissoras comerciais de TV existentes no país, 94 pertenciam a políticos ou ex-políticos. Dos 594 parlamentares, 130 tem uma concessão de rádio ou TV, ou uma combinação das duas. Dados mais recentes podem ser verificados no site da organização Transparência Brasil. No cinema, 90% das telas brasileiras são ocupadas pelo cinema americano. Com relação à internet, o acesso da população ainda não ultrapassa 20%.
‘Transformar a realidade é tarefa dos homens’
Na verdade, poucos são os mecanismos de que dispõe a sociedade para intervir na definição dos conteúdos programáticos dos meios de comunicação de massa ou assegurar o direito a uma informação democrática. Para o fortalecimento da democracia e da cidadania, além de lutar politicamente pela regulamentação da legislação de radiodifusão, pela Conferência Nacional de Comunicação e pelo Conselho Federal de Jornalismo, é necessário ampliar o debate. A sociedade precisa estar informada por outras formas, já que não existe interesse da própria mídia e dos detentores de concessões.
No Quinto Poder, Ignacio Ramonet adverte: ‘Diante dos gigantes da mídia, é necessário que a cidadania articule um poder capaz de fiscalizar democraticamente o seu super poder. E nesse ponto o papel do jornalista é estratégico. Sua reflexão teórica tem a rara oportunidade de se desdobrar em ações práticas. É necessária uma reflexão sobre a mídia, acompanhada de ação no âmbito político, para que ela não seja usada para desviar a atenção, enganar, distrair e nos isolar. Educar para a mídia é ampliar o debate para a mobilização. É bom para a democracia e para a própria mídia.’
Como disse o grande educador brasileiro Paulo Freire: ‘Se os homens são os produtores dessa realidade e se esta se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens.’ Uma situação desafiadora, que nos limita mas que não é intransponível e que tem que ser transformada por nós, através da prática da reflexão permanente e humanizadora em nossos sindicatos, escolas, grupos de estudos.
Informação e democracia
Por isso, propomos que a Fenaj se comprometa a articular com os Sindicatos de Jornalistas de todo o Brasil para:
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Trabalhar junto com instituições de ensino, sindicatos de outras categorias e organizações da sociedade civil na leitura crítica da mídia.**
Lutar por uma política pública nacional que inclua no currículo escolar do ensino fundamental e médio, disciplinas sobre a mídia, dentro de uma filosofia que resgate o caráter dialógico da comunicação, possibilitando leituras diversas.**
Sensibilizar os jornalistas brasileiros, assim como toda a sociedade, para a importância de Políticas Democráticas de Comunicação.**
Criar nos sindicatos, em parceria com o FNDC e outros observatórios, grupos de estudos sobre a mídia, a legislação sobre a mídia em outros países e o acompanhamento da tramitação das leis no Brasil.**
Discutir e divulgar matérias sobre a mídia em sites e jornais.**
Manter contato com organizações da sociedade civil e instituições para parcerias na leitura crítica da mídia, além da criação de grupos de estudos para debater a questão da mídia e divulgar através de palestras e seminários sobre o assunto.**
Buscar parceria no MEC, para estudos, pesquisas e identificação de problemas e construções da mídia.**
Divulgar denúncias, estudos e consultas, contribuindo para a reflexão.**
Elaborar cartilha sobre a Educação para a Mídia.**
Criar Conselhos Comunitários para a reflexão sobre mídia e comunicação. Informar e ampliar o debate para que se reconheça que no mundo da globalização o papel da mídia é fundamental para a democracia de um país.******
Jornalista, formada pela PUC-MG (1988), com pós-graduação em Memória e Cinema pela Escola de Belas Artes da UFMG