Você gostaria de saber por que tão poucas brasileiras querem entrar para a política? As respostas estão na revista Claudia deste mês. A matéria é um excelente exemplo do que deve ser o jornalismo nas revistas para mulheres e – o que é melhor – uma prova de que, quando querem, as revistas femininas podem fazer bom jornalismo.
Claudia fez o que se espera das revistas femininas: abriu espaço para as mulheres de destaque no mundo político e provocou declarações que dificilmente elas fariam – ou seriam veiculadas – a jornais ou revistas semanais. A matéria discute basicamente cinco itens e três deles chamam a atenção, pela declaração das candidatas.
1.
O machismo nos partidos‘De direita ou de esquerda, todos os partidos são muito machistas’ – Luiza Erundina, a ex-prefeita de São Paulo.
‘A mulher ajuda a criar o partido, distribui panfletos, consegue filiados, mas, na hora em que decide ser candidata majoritária, recebe chumbo grosso. Os companheiros apregoam que os homens disputam com base em idéias e programas, enquanto as mulheres brigam por um cargo porque elas são vaidosas e personalistas’ – Benedita da Silva, ex-deputada e ex-ministra.
2.
Os métodos sujos‘Em público prefiro usar as regras e as armas dos homens’ – Heloísa Helena, candidata a presidente da República.
‘Nos moldes da máfia, os políticos criam intrigas, tentam cooptar o candidato, compram quem estiver no entorno e, se ele não recua, podem exterminá-lo’ – Denise Frossard, candidata ao governo do Rio de Janeiro.
3.
Recursos para campanha‘Mulher não tem a desenvoltura masculina para pedir doações a empresários’ – Rita Camata, deputada federal pelo Espírito Santo.
‘Campanhas são caras e os financiadores se comprometem antes com os homens’ – Denise Frossard.
Além desses fatores, há dois itens que tornam difícil a participação feminina na política, segundo a matéria de Claudia: a cultura arcaica e a vida pessoal (‘Ainda não criamos uma geração de meninas que queiram ser políticas. No imaginário feminino a política é assunto só para guerreiros…. A mulher tem medo de ver a intimidade devassada’).
A matéria de Claudia, além de dar um excelente serviço às leitoras, serviu também como contraponto à Veja desta semana (edição nº 1970, de 23/8/2006), que discute o tratamento de beleza do presidente Lula de forma delicada. A revista só tem coragem de fazer maldade explícita com as mulheres. Primeiro ao definir o botox como ‘tradicional aliado das mulheres em seu repto pelo prolongamento da juventude’ e, depois, ao dizer:
‘Entusiasta dos modernos métodos de embelezamento, Marisa precedeu o marido no uso do botox. Fez sua primeira aplicação no fim de 2003, depois de aprovar os resultados obtidos pela também petista e adepta da toxina Marta Suplicy. A primeira-dama gostou tanto do resultado que convenceu o presidente a colocar também’.
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Como se o inocente presidente fosse um marido obediente que faz tudo que sua esposa determina. Se dona Marisa aderiu de vez à futilidade (primeiro nas roupas, depois no culto do corpo), é bom que isso seja informado. O que não é justo é poupar o presidente, como se fosse a coisa mais normal do mundo um chefe de Estado se preocupar mais com a aparência do que com questões graves como corrupção, segurança e tantas outras mazelas que preocupam a população. E, felizmente, as mulheres que resolveram fazer política.
Se Veja queria denunciar os absurdos presidenciais, deveria ter tido a coragem de fazer isso com todas as letras. A simples ironia – dar o preço da consulta, o custo do tratamento –> não basta. E, o que é pior, pode ter um efeito contrário ao desejado.
Ao ver as fotos do antes e depois do presidente-candidato (ou candidato-presidente), e o milagroso efeito conseguido com botox e peeling, os leitores (e até as leitoras) vão descobrir que eles também podem ficar com aquela expressão leve e luminosa da maior autoridade do Brasil. E quem ganha com isso é a dermatologista, beneficiada com um anúncio gratuito na revista semanal de maior circulação do país.
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Jornalista