Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eles não querem saber de curiosos

‘A sensação que fica é a de que Kassab, repetindo a fórmula de 99% dos políticos, procura não contrariar nenhum interesse em ano eleitoral. Não se exige do prefeito que trabalhe contra sua própria candidatura, mas a educação paulistana ganharia bastante se a administração tivesse a coragem de defender as suas próprias idéias.’

Este é o trecho final do editorial publicado na última quinta-feira (11/3) no diário Folha de S.Paulo. Como de costume, a educação pública é analisada a partir de um ponto de vista vesgo e míope, sem uso de lentes corretivas.

O jornal tem a audácia de criticar o aumento dado aos profissionais em educação do município. Considera que o prefeito de São Paulo aceitou negociar em tais bases com o principal sindicato da categoria na cidade por puro interesse eleitoral.

A Folha está, provavelmente, correta: o acordo é tão conveniente para a administração, que vê seu titular disputando a continuidade na cadeira de prefeito, quanto para o sindicato, que tem no seu presidente (o mesmo já por duas décadas) um ex-vereador que pretende eleger-se novamente para a Câmara municipal.

Para além das estatísticas

Mas seria curioso imaginar qual repórter da Folha – nem vou falar dos integrantes do Conselho Editorial e seus colunistas – aceitaria trabalhar recebendo 1,5 salário-mínimo por mês – que é o salário de quem ingressa na carreira do magistério municipal em São Paulo – possuindo curso de nível superior e descontadas as gratificações, também estabelecidas em virtude dos objetivos eleitorais, em 2006.

E é curioso que a Folha não critique, por exemplo, outros motes publicitários do prefeito da cidade e seu partido – o DEM – na televisão: duas professoras em sala de aula na primeira série (sem atenuantes, pura mentira); duzentas ‘novas escolas’ (considerando que transformar uma estrutura precária em estruturas com as mínimas condições necessárias, sem ampliar o atendimento da demanda, é uma ‘nova escola’); seis horas de aulas por dia (outra mentira, pois o batizado ‘horário pedagógico’ nas escolas que funcionam com dois turnos diurnos não consegue eficiência, como de praxe em todo horário regular, na esmagadora maioria das quase 500 escolas de ensino fundamental do município).

É curioso que se queira tratar a educação pública, que não pode ter pretensões à ‘lucratividade’ para ninguém, como uma empresa privada. Embora muita gente, como um colunista eminente do jornal, tenha lá seu ‘filãozinho’ a ganhar através da educação pública, através de ONGs e consultorias estapafúrdias que não servem para nada além de desperdiçar recursos. Educação pública não é uma empresa, não é uma S.A. e os palpiteiros incoerentes parece que jamais irão esclarecer que os objetivos do setor devem ir para muito além das estatísticas.

Equacionar e solucionar

É curioso que a Folha e a mídia em geral não tenha o menor interesse em ir ao cerne da questão; é impressionante que, ao menos, não se especule quais medidas, em outro âmbito, podem colaborar efetivamente para a melhoria do ensino público. É impressionante que o desconhecimento não permita aos jornalistas que ousam abordar a educação pública entender que os professores, hoje, são reféns de um sistema eminentemente falido e destruído desde sua base comum, que é a legislação educacional do país. E é por isso que se torna ainda mais ridículo vincular os vencimentos dos profissionais da educação pública aos ‘resultados’ de avaliações globais, pois não bastasse a relação dicotômica entre as práticas cobradas e os métodos de aferição, até a contratação dos processos (as chamadas ‘Prova S. Paulo’, ou o ‘SARESP’, ou a ‘Prova Brasil’) passam por meios, mesmo que lícitos, pouco éticos – em minha visão, na minha opinião – por parte dos administradores públicos.

Mas, no editorial citado, a Folha aproximou-se da verdade em pelo menos dois momentos: quando diz que o prefeito perdeu a oportunidade de fazer a educação avançar – algo que ocorre desde quando ele se tornou titular do cargo – e quando sugere que a educação pública vem sendo usada com objetivo eleitoral, praxe de todos (ou quase) administradores públicos do país.

Parece evidente que alguns setores da sociedade brasileira, todos com importantes canais de expressão na mídia, vêm fazendo um trabalho de sapa para demonizar a educação em seu caráter público, certamente para estimular uma ampla privatização da administração (com recursos públicos) que lhes garantiriam ‘burras cheias’ com os milhões de alunos potenciais do país.

Como venho repetindo incessantemente em todos os espaços que me oportunizam, não há saída alguma para a educação pública no país sem que os profissionais comecem a ser ouvidos para que os problemas efetivos sejam, primeiro, equacionados e, depois, solucionados.

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Professor da rede municipal de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP