Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Elvira Lobato

‘O TCU (Tribunal de Contas da União) considerou que a participação do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no programa de capitalização da Net Serviços (ex-Globo Cabo), em 2002, foi, até o momento, um mau negócio para o banco estatal.

‘A participação do banco nesse negócio mostra-se deficitária e corre riscos de causar efetivos prejuízos ao erário’, diz o relatório do ministro Lincoln Magalhães da Rocha, aprovado pelo plenário do tribunal. O acórdão do TCU foi publicado, na semana passada, pelo ‘Diário Oficial’ da União.

Em 2002, quando a Net estava em grave situação financeira, o BNDES injetou R$ 281 milhões no capital da empresa. O banco trocou títulos de dívidas (debêntures) no valor de R$ 125 milhões por ações e subscreveu mais R$ 156 milhões em ações da empresa, virando seu segundo maior acionista. Atualmente, o BNDES tem 22,1% do capital total da Net. As Organizações Globo, acionista principal, possuem 46,1%.

Segundo o relatório do TCU, o BNDES participou do programa de capitalização baseado em premissas de desempenho e em compromissos assumidos pelos demais acionistas que não foram cumpridos.

O protocolo de capitalização, segundo o tribunal, condicionava a assistência do BNDES a uma série de providências preliminares, como a renegociação das dívidas com vencimento até 2003 e a substituição do endividamento em moeda estrangeira por débitos em moeda nacional.

‘Constata-se que o BNDES cumpriu sua parte no acordo sem observar que a Net não cumpriu o reequacionamento das dívidas e a substituição das dívidas em moeda estrangeira, tal como declarado em ata do Conselho de Administração ‘, diz o TCU.

O TCU determinou que o BNDES atue junto à Net e aos acionistas para sejam superados os obstáculos à renegociação das dívidas. O endividamento bruto da empresa é de R$ 1,34 bilhão, com vencimento concentrado no curto prazo, e está sendo renegociado desde que o pagamento aos credores foi suspenso, em 2002.

O BNDES, segundo o tribunal, deve atuar também para agilizar a substituição das dívidas externas (59% do endividamento total) por débitos em reais. Seguindo o TCU, a intervenção do banco para a solução dos problemas não pode resultar na concessão de novos recursos à empresa.

A partir de agora, as prestações de contas do BNDES enviadas ao TCU deverão incluir qualquer apoio financeiro ou renegociação de dívidas da Net e de empresas a ela ligadas, incluindo controladores, coligadas e controladas.

Outro lado

A Folha procurou ouvir o BNDES, a Net Serviços e a Globopar sobre as considerações do TCU, mas nenhum deles quis se manifestar.

O BNDES informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não tomou conhecimento oficialmente do relatório e que não iria se manifestar. A Net Serviços também não quis dar entrevistas, mas declarou, por meio de sua assessoria de imprensa, que considera que o plano de recapitalização obteve sucesso.

A assessoria de imprensa da Globopar informou que a empresa também não comentaria a análise do TCU.

Presidente do BNDES em 2002, quando foi aprovado o plano, Eleazar de Carvalho Filho não quis comentar o assunto. Disse só que foi ‘a melhor alternativa para o banco na ocasião’.’



Maurício Hashizume

‘Socorro à mídia, de R$ 4 bilhões, permitirá pagamento de dívidas’, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 24/03/04

‘O BNDES apresentará, dentro de um programa maior de incentivo ao setor que deve disponibilizar R$ 4 bilhões, linha de crédito especial para o pagamento das dívidas das grandes empresas de radiodifusão (televisões e rádios) e mídia impressa (jornais e revistas).

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apresentará, dentro de um programa maior de incentivo ao setor de comunicação social que deve disponibilizar R$ 4 bilhões, uma linha de crédito especial para o pagamento das dívidas – atualmente estimadas em R$ 10 bilhões – das grandes empresas de radiodifusão (televisões e rádios) e mídia impressa (jornais e revistas).

O anúncio foi feito pelo vice-presidente do banco, Darc Costa, em audiência pública realizada nesta quarta-feira (24) na Comissão de Educação do Senado Federal. ‘O programa que nós estamos imaginando é um programa que envolve investimentos, envolve capitais de giro e envolve reestruturação [de dívidas]’, confirmou Costa, que prometeu enviar o projeto em breve para ser debatido no Congresso.

De acordo com a prévia apresentação feita pelo vice-presidente do BNDES aos senadores, o banco efetivará a proposta de abertura de três frentes de financiamento: uma para investimentos (em estrutura e em equipamentos), outra para compra de papel e uma terceira exclusiva para a ‘reestruturação econômica’ das empresas do setor que, na prática, disponibilizará recursos públicos para o pagamento de dívidas privadas.

Pelo menos três das maiores redes de televisão do país – SBT, Record, Rede TV! – são contra a criação desta última linha de crédito. ‘Eles [Organizações Globo] vão absorver quase que completamente a disponibilidade de recursos do BNDES. Nós não podemos concordar com isso. O setor precisa de investimento, precisa de dinheiro, mas precisa de dinheiro para coisa nova, para geração de novos empregos e não para a quitação de débitos passados’, defende Dennis Munhoz, presidente da rádio e TV Record, que também fez parte da mesa da audiência.

‘Da maneira que o projeto foi originalmente formatado, o crédito iria somente para a mão de quem tem uma grande dívida. Aliás, o projeto inicial dizia que cada empresa poderia até ter 33% do total do dinheiro. De R$ 5 bilhões, nós estamos falando de R$ 1,5 bilhão na mão de uma só empresa. Isso é uma excrescência. Se o setor tem mais de 4.000 empresas, como é possível que uma parte substancial do financiamento fique com uma empresa? Então vamos colocar um milésimo, um quarto de milésimo para cada empresa. Aí é até razoável. Se for 33,3% para cada um é melhor escrever de uma vez: a empresa ‘A’ vai receber R$ 1,5 bilhão’, reclama Marcelo de Carvalho, vice-presidente da Rede TV!, outro dos convidados dos senadores. Carvalho se refere ao projeto encomendado pelas chamadas ‘três irmãs’ – Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert), ANJ (Associação Nacional dos Jornais) e Aner (Associação Nacional de Editoras de Revistas) – e encaminhado ao BNDES (veja também Futuro da mídia brasileira passa por decisão do BNDES e Promídia esquenta divergências no Conselho de Comunicação Social), segundo os representantes do SBT, Record e Rede TV!, sem o consentimento de todas empresas que fazem parte das entidades.

O setor de comunicação social, justifica Costa, já havia sido identificada pelo BNDES como ‘profundamente estratégico’, por ser de ‘interesse nacional’, ‘estruturar o imaginário coletivo’ e ‘formatar o pensamento de uma sociedade’. Em um mundo globalizado, adiciona, a imprensa é ‘peça fundamental para a construção de um projeto nacional’ e pode conduzir a população ‘da periferia para o centro’. ‘Preservando esse setor, estamos preservando a identidade e a cultura nacional’. O banco não pretende fazer nenhuma operação direta, mas espera ‘bons projetos’ das empresas para o pagamento de dívidas.

O discurso do BNDES vai ao encontro da campanha institucional da ‘televisão como patrimônio cultural’ que vem sendo promovida pelas Organizações Globo. Evandro Guimarães, vice-presidente de relações institucionais do conjunto de empresas da família Marinho, reforçou na audiência que, dentro do espectro das empresas de mídia, a Globo é diferenciada pela sua grandeza e pelas sua qualidade, bem como suas dívidas foram contraídas em função de grandes investimentos como as instalações do Projac, centro de produções televisivas da rede localizado no Rio de Janeiro. O projeto anunciado por Costa, na opinião de Guimarães, é uma ‘possibilidade para todos’. Também presente na audiência, João Carlos Saad, presidente da Rede Bandeirantes, assinou embaixo. Saad reivindica recursos para a sua empresa como os disponibilizados pelo BNDES ‘para qualquer outro setor’. O destino do dinheiro, afirmou, pode ser para ‘pagar dívida’, ‘investir’ ou até ‘comprar canarinho’. ‘Mas que paguem as suas contas.’

Garantia aos pequenos

Gerente executivo de telecomunicações do BNDES, Alan Fischer adiantou à Agência Carta Maior que o projeto de financiamento da mídia que o banco enviará ao Congresso deve contemplar, em módulos específicos, também as pequenas e médias empresas do ramo da comunicação social. Um dos principais problemas de empreendimentos desse porte, sublinha Fischer, é a dificuldade relacionada às garantias. Segundo ele, o banco poderá até entrar com fundos de aval equivalentes a 90% do valor total da garantia para o negócio.

Como Darc Costa justifica as linhas de crédito

Para investimentos na área de equipamentos e tecnologia:

‘É de nosso interesse que empresas se constituam no Brasil para fornecer os equipamentos dessa nova forma [tecnologia digital] de mídia.’

Para compra de papel:

‘É necessário nós criarmos condições para que os jornais e revistas tenham acesso ao papel, em especial ao papel nacional. Se nós constituímos uma indústria de celulose no Brasil, nada nos impede de ter uma indústria de papel que poderia atender a essas necessidades.’

Para pagamento de dívidas:

‘É necessário recompor não só o setor televisivo, mas também o setor da mídia impresssa, a situação econômica dos grandes grupos nacionais. Se nós quisermos ter uma sociedade estruturada, não podemos prescindir de ter meios de comunicação democráticos e articulados com essa sociedade.’’



Mônica Tavares

‘Congresso discute crédito para o setor de mídia’, copyright O Globo, 25/03/04

‘O Congresso Nacional começou a debater ontem a abertura de uma linha de crédito específica para o setor de comunicação, com recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em audiência pública realizada na Comissão de Educação do Senado, com a participação de dirigentes de emissoras de TV, o vice-presidente do banco, Darc Costa, disse que cada setor tem suas características e por isso as linhas de crédito precisam ser específicas.

Segundo Darc Costa, as linhas para investimento e para aquisição de papel jornal e de revista seguirão as condições normais de operação adotadas regularmente pelo BNDES. O executivo lembrou aos senadores que a dívida estimada do setor de comunicação é de R$ 10 bilhões, e o BNDES deverá dispor para o programa de investimento, capital de giro e reestruturação de dívida de cerca de R$ 4 bilhões.

– Quanto à (linha de crédito para) reestruturação, nós ainda estamos discutindo, mas terá um custo mais caro do que as operações de investimento – destacou o vice-presidente do BNDES.

Segundo Darc Costa, somente as empresas que apresentarem bons projetos serão beneficiadas pela linha de crédito, caso ela seja aprovada.

TVs ainda divergem quanto ao objetivo do apoio

Além de representantes do BNDES, participaram da reunião o vice-presidente de Relações Institucionais das Organizações Globo, Evandro Guimarães; o presidente do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), Luiz Sebastião Sandoval; o presidente da Rede Bandeirantes de Rádio e Televisão, João Carlos Saad; o presidente da Rádio e Televisão Record S.A., Dennis Munhoz, e o vice-presidente da Rede TV, Marcelo de Carvalho Fragali.

Durante os debates, representantes das redes Globo e Bandeirantes defenderam o financiamento para a reestruturação, enquanto os das redes Record, Rede TV e SBT se alinharam para que o crédito com recursos do BNDES seja aberto apenas para investimentos.

Durante a audiência, o presidente da Record, Dennis Munhoz, disse que ‘conceitualmente’ era contra o empréstimo do BNDES para o pagamento de dívidas. Esta é justamente uma das três linhas de crédito que serão oferecidas pelo banco, com o objetivo de tornar as empresas de comunicação mais sólidas. Munhoz disse que esse tipo de empréstimo seria ‘enterrar dinheiro público’.

‘Não pagar impostos é enterrar dinheiro público’

O senador Hélio Costa (PMDB-MG) destacou que o setor de comunicação emprega 500 mil pessoas. Para o parlamentar, se as empresas não forem salvas, nada poderá ser feito pelos trabalhadores. Segundo o senador, respondendo à intervenção do presidente da TV Record, ‘enterrar dinheiro público é não pagar os impostos devidos’. Costa conclamou as empresas a trabalharem unidas. Ele disse que cabe ao BNDES decidir se vai ou não emprestar recursos para determinada empresa.

– Há empresa de comunicação no Brasil que deve R$ 200 milhões ao INSS. Há empresas que fizeram reescalonamento de dívidas com o INSS em cem anos. Isto não é financiamento? Qual é a empresa de comunicação, qual a que se salva de não ter feito no passado, no presente ou estar para fazer um refinanciamento de suas dívidas sociais? Este sim é o dinheiro do trabalhador que está em jogo – disse o senador Hélio Costa.

O presidente da Comissão de Educação, senador Osmar Dias (PDT-PR) – que assinou o requerimento com o senador Roberto Saturnino Braga (PT-RJ), convocando a audiência para debater a disposição do governo de, por intermédio do BNDES, criar uma linha de financiamento para as empresas do setor de comunicação – citou acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que critica a operação realizada entre o BNDES e a Globocabo.

‘Crédito sem participação direta do BNDES’

Para o senador pedetista, as normas determinadas pelo TCU devem ser seguidas. Em resposta, Darc Costa garantiu que o BNDES não vai fazer nenhuma operação envolvendo participação nas empresas.

– O debate é importante para esclarecer a operação, que tem um valor alto – afirmou Dias. Ele pretende convidar também os dirigentes das empresas de jornais e revistas para discutir o financiamento do BNDES.

Segundo Darc Costa, o setor é estratégico para o governo. A indústria de comunicação no Brasil, disse ele, estava apresentando nos últimos anos um quadro crônico de crise financeira. Entre os fatores que contribuíram para o problema foram os investimentos realizados nas novas mídias, que não tiveram os resultados esperados. Ele destacou que estes financiamentos foram feitos em moeda estrangeira.

Cristovam lembra o compromisso com educação

O senador Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ) também se mostrou preocupado com a questão do emprego no setor de comunicação e apoiou a decisão do BNDES de financiar as empresas de comunicação. Para o senador Gerson Camata (PMDB-ES), este é o momento de as empresas de comunicação se comporem.

Já o senador Cristovam Buarque (PT-DF) propôs que as empresas de comunicação, para poderem ter acesso ao crédito do BNDES, deverão assumir compromissos com a educação e a cultura nacional.

O gerente do Departamento de Telecomunicações do BNDES, Alan Fischer, que também participou da audiência, disse que a revitalização do setor de mídia prevê também a revitalização do setor produtivo, que passaria a fabricar no Brasil vários tipos de equipamentos.

– O desejo é de fortalecimento do setor. Voltar a ter empresas saudáveis, capazes de investir na produção nacional, melhorar a qualidade do conteúdo, visando à exportação, inclusive – disse Fischer.’