Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Em busca de uma explicação

A imprensa fez, semana passada, um louvável esforço para explicar o quase linchamento da estudante Geisy Arruda, da Uniban. Depois de chegar atrasada no caso – só divulgou a história depois dela ter sido intensamente explorada na internet – a mídia, que acabou sendo acusada pelo reitor da Universidade de expor injustamente a escola, correu atrás do prejuízo e foi responsável pela reversão da expulsão da moça.

O futuro universitário de Geisy deixou de ser notícia. A última informação a esse respeito foi o cancelamento da expulsão. Mas ninguém informou se a moça acabou voltando à escola, e com que roupa. Fora uma ou outra notícia na internet – sobre a possibilidade de ela ser fotografada nua por uma revista masculina ou fazer campanha publicitária para uma marca de lingerie – nada mais se ouviu.

Os jornais, no último fim de semana, preferiram discutir o assunto sob outro enfoque. Na Folha de S.Paulo, por exemplo, o colunista Gilberto Dimenstein discutiu a mudança de perfil dos universitários:

‘Por trás da minissaia de Geisy Arruda existe o surgimento de um novo poder no país, com especial intensidade nas regiões metropolitanas. Talvez isso explique parte da repercussão do escândalo: as classes C e D serão, muito em breve, maioria nas universidades. A estudante apareceu no noticiário cotada para posar na revista Playboy, participar de um anúncio de lingerie e ser a estrela principal de um filme erótico. Os debates envolvem os mais variados temas: violência, machismo, intolerância, indicadores universitários, pedagogia. E, claro, moda: inspirou um curso de história da moda na sofisticada Casa do Saber. Mas o que me chama atenção é o contexto em que surge Geisy: o do crescimento veloz das matrículas dos mais pobres no ensino superior. É mais veloz do que se imagina.’ (Folha, 15/11/2009)

Celebridade instantânea

No jornal O Estado de S.Paulo, o tema foi entregue ao professor José de Souza Martins, da USP, autor do artigo ‘Os carolas do ABC’, onde escreveu:

‘A prática do linchamento tem sido em todas as partes forma violenta de ação conservadora, no sentido de enquadrar e até cancelar a presença dos diferentes e dos inovadores, como a moça da Uniban, para restaurar a ordem conformista, supostamente por eles ameaçadas. A região que mais lincha e ameaça linchamentos no Brasil é justamente a região metropolitana de São Paulo, a do subúrbio e dos bairros operários. A motivação tem sido a punição para restabelecimento ou imposição da ordem onde surgem indícios de ruptura ou de violação dos valores do autoritário conservadorismo popular, como no caso dessa saia curta. Um conservadorismo autodefensivo, é bom que se diga, em face dos efeitos desagregadores da modernização e da transformação social.’ (Estadão, 15/11/2009)

A revista Veja dedicou duas páginas ao assunto. Na dupla – ilustrada com o famoso vestido rosa, nem tão curto assim – a revista diz:

‘Ela se sente poderosa, no sentido sexual da expressão, mas ainda não conhecia o poder de incendiar a massa’. O cientista político Alberto Carlos Almeida tenta explicar o quase linchamento:’ Os alunos da instituição são, em geral, a primeira geração de sua família a fazer um curso universitário. Geisy tem o mesmo perfil. O episódio ressaltou um valor essencial para essa faixa da população: o conservadorismo sexual’. A revista continua: ‘Para além do aspecto de classe, a atitude dos manifestantes da Uniban encontra explicação no mecanismo que aglutina e transforma indivíduos independentes em uma massa sem controle’. (Veja nº 2139, data de capa 18/11/2009)

Depois de uma série de perguntas (‘Qual teria sido a fagulha que incendiou a massa da Uniban? O fato de alguns rapazes terem começado a chamá-la de `gostosa´ logo na sua chegada à faculdade? O fato de as amigas de Geisy terem colado no vidro da porta da sala de aula, de brincadeira, o cartaz: `Fotos da Loirão: 10 reais´? Ou estaria a estudante de turismo, que adotou o dourado artificial nos cabelos aos 13 anos de idade, mais ousada do que de costume naquela noite?’), a revista diz que as roupas de Geisy ‘não destoam do figurino de outras moças da Uniban de São Bernardo, onde são comuns os decotes profundos e o pouco pano das saias’.

Se Veja queria condenar a intolerância e defender a moça, poderia ter terminado a matéria por aí, evitando o último parágrafo:

‘Pode ser mesmo que Geisy tenha ido um pouco além do limite que separa a sensualidade da vulgaridade e, desse modo, tenha despertado a selvageria injustificável da turba. Ela não faz nenhuma questão de desestimular as cantadas que recebe, inclusive na rua. `Sou linda e gostosa, sim. Se eu fosse feia, talvez nada disso tivesse acontecido´, diz Geisy, 1,71 metro, peso não declarado, pelos das pernas descoloridos e novíssimos apliques no cabelo. Como não poderia deixar de ser nestas latitudes, a moça procura tirar alguma vantagem da condição de celebridade instantânea: já analisa a possibilidade de posar nua e de fazer um comercial para uma marca de lingerie. A massa que aguarde.’

Pauta sensual

A reprodução dos textos publicados nos jornais e na Veja mostra que a imprensa acertou em cheio ao procurar explicações além do fato, ao denunciar o conservadorismo das classes C e D e ao mostrar que essas classes sociais são o poder emergente. O importante é que esse debate não fique só nisso e que o tema continue ocupando espaço na mídia.

Agora que o assunto esfriou, e que a imprensa encontrou explicações sociológicas para o tumulto, podemos esperar o desdobramento típico dos casos em que uma mulher vira celebridade por seus dotes físicos: noticiário sobre as fotos com pouca roupa, notícia sobre um eventual caso amoroso e fotos – muitas fotos – dela desfilando no Carnaval carioca, caso se confirme o convite anunciado (também na internet) por um presidente de escola de samba.

E Geisy, que mobilizou estudantes, feministas e até a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres em sua defesa, vai virar mais uma mulher que só é notícia porque é sensual e explora a sensualidade para aparecer. A menos que a imprensa cumpra mesmo seu papel e continue analisando fenômenos sociais que levam a casos como o de Geisy.

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Jornalista