A matéria ‘Entidade propõe parto anônimo’, publicada pelo Estado de S. Paulo (21/02/2008) vai, segundo o próprio jornal, criar muita polêmica. O tema é um anteprojeto de lei, proposto pela ONG Instituto Brasileiro de Direito Familiar (Ibdfam), para evitar que mulheres continuem jogando seus bebês fora depois do parto. Para isso, teriam assistência médica antes e durante o parto, na rede pública, sem precisar se identificar. Esclarecem os advogados do Ibdfam:
‘O hospital poderia pedir que a mãe fornecesse seu nome e informações sobre sua saúde, as origens da criança e as circunstâncias do seu nascimento. Esses dados só poderiam ser informados com autorização judicial. Mesmo assim’, dizem os advogados do Ibdfam, ‘o filho só teria acesso às informações genéticas e da saúde dos pais. O nome seria sempre mantido em segredo.’
Na defesa do projeto, os advogados relacionam países que já legalizaram esse tipo de procedimento e lembram que no Brasil essa prática já foi comum quando, no século 18, os Conventos e Santas Casas de Misericórdia tinham, do lado de fora, ‘a roda dos enjeitados’, onde eram deixados recém-nascidos indesejados.
Contra o argumento de que o parto anônimo facilitará o atendimento médico, tanto os integrantes do Ministério da Saúde como as representantes de organizações femininas declararam que o projeto não vai fazer diferença. E a secretária executiva da Rede Feminina, Télia Negrão, acrescenta: ‘Pelo sistema atual, crianças têm o direito de saber quem são seus pais biológicos. Seja por questão de saúde, ou emocional. Essa figura impede isso.’
Imprensa continua devendo
Dos entrevistados pelo jornal, houve apenas um a favor, o juiz Antonio Carlos Alves Braga Junior, da Vara da Infância em São Miguel Paulista:
‘A medida é benéfica para adolescentes que, por precisarem se identificar, se sentem intimidadas nos hospitais desde o pré-natal. Hoje, para não se identificarem e não carregarem o estigma de terem aberto mão do filho, elas deixam as crianças na rua.’
Como o jornal colocou a matéria sob o chapéu ‘Polêmica’, e como até o Fantástico tratou o tema – com o tom falsamente emotivo que tem por objetivo comover os espectadores – é possível que o assunto continue em pauta. Nesse caso, será preciso começar ouvindo a Igreja Católica. Será interessante saber se a Igreja – com sua posição contra o aborto e contra os métodos anticoncepcionais – considera seu método, a roda dos enjeitados, uma maneira mais eficiente de lidar com partos indesejados.
Seria interessante também uma boa matéria sobre o atendimento à mulher na rede de saúde pública, sobre a distribuição de anticoncepcionais e, principalmente, que nível de informação é acessível às jovens adolescentes que engravidam sem condições de criar um filho.
Seria muito importante discutir por que, no começo do século 21, práticas que eram a única solução em 1900 voltam a ser cogitadas como remédio para um problema tão sério como a gravidez indesejada e a rejeição de crianças de forma tão desumana.
E ouvir outras opiniões, outras sugestões. A imprensa continua devendo.
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Jornalista