Eis que, após mais um dia de trabalho, chego em casa e, com a TV ligada no Jornal Nacional, ouço que, em razão dos preparativos para que o Brasil receba a Copa do Mundo de futebol de 2014, serão gastos R$ 800 milhões para a reforma de um estádio: o Governador Magalhães Pinto – o Mineirão, em Belo Horizonte . Ainda de acordo com o noticiário daquela noite, o governo do estado de São Paulo planeja investir R$ 20 bilhões (!) em infraestrutura para o Mundial.
Os valores se tornam ainda mais exorbitantes ao se imaginar que, apesar da grandiosidade necessária a uma ocasião como a Copa, grande parte das despesas poderá ser bancada pelo poder público. Neste momento, a crise financeira internacional tem feito empresários reverem suas prioridades.
Empresas de capital privado, para as quais um acontecimento esportivo desse porte representaria a difusão de sua imagem para o mundo inteiro e que não devem satisfações ao público quanto ao uso de suas reservas, estão preocupadas com o que fazer com suas economias.
Orçamentos subdimensionados
Então, por que alguns governos, cujo acionista majoritário é a população, parecem não dar bola (sem trocadilho) para o dinheiro que nos pertence? Não faltará nada a fazer para a solução das permanentes desigualdades econômicas e sociais que desfiguram o país e contra as quais não há Copa que dê jeito?
As duas perguntas têm uma resposta: falta apelo midiático às mazelas da sociedade. E elas não geram receita publicitária. Trata-se de um espetáculo cujos atores não estão no grupo de pessoas, coisas e situações que, para a mídia, são notícia ou que devem ser consumidas.
Comenta-se que, com a Copa no Brasil, a nação sairá ganhando: mais turistas, mais divisas, mais impostos. Mas, a título de comparação, e quanto aos Jogos Pan-Americanos de 2007? Incríveis estruturas foram erguidas. Gastou-se dinheiro da população. Algo deixou de ser feito para o custeio de tantos preparativos.
Que fim levaram as megaconstruções? Os jogos ajudaram a incrementar o turismo nacional nos anos seguintes? Estamos salvos?
Também há o crônico problema dos orçamentos subdimensionados, quando se trata de estimativas feitas por União, estados e municípios. De novo, o Pan: a expectativa inicial de gastos era de R$ 800 milhões (mesmo valor previsto só para se modernizar o Mineirão para a Copa). No fim, os dispêndios governamentais foram mais de quatro vezes maiores, em torno de R$ 3,5 bilhões.
A imagem que não temos de nós mesmos
Pode parecer fixação, mas os tais R$ 800 milhões não me saem da cabeça. Há um motivo: desde o início deste mês, cubro as férias de um colega na sucursal que o jornal mantém em Cubatão (SP). A cidade abriga o maior pólo industrial da América Latina. O orçamento anual do município está em torno de R$ 800 milhões – 53% dele, oriundo da receita com Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) gerada, sobretudo, pelas indústrias.
Cubatão, entretanto, é uma cidade de gente pobre. Metade dos 122 mil habitantes vive em favelas ou moradias irregulares, próximo a regiões de manguezal ou nas encostas da Serra do Mar. Estima-se que entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão seriam necessários para dar fim aos barracos. Na menor das projeções, 5% do que o Estado, por exemplo, pretende gastar com a Copa do Mundo.
Ao se imaginar que há regiões do país que também precisam de ajuda, em maior ou menor escala, conclui-se que não precisamos de uma Copa do Mundo para nos promovermos. Obras geradoras de emprego, renda e dignidade poderiam ser tocadas com o dinheiro que gastaremos para ver jogos de futebol em estádios mais bonitos e mostrarmos ao mundo uma bela imagem que não temos de nós mesmos.
A política do pão e circo
Difícil, porém, será a imprensa, esse poder teoricamente fiscalizador e cuja força deveria ser lembrada, levantar a voz contra a oportunidade (?) de que o Brasil seja sede da maior maravilha do futebol mundial. Os donos da mídia respiram a expectativa de bons ganhos. Governantes anseiam ser vistos como desenvolvimentistas e lembrados assim nas eleições posteriores.
Há dois pré-candidatos à Presidência da República à frente de estados que abrigarão jogos da Copa de 2014 (Aécio Neves e José Serra, governadores de Minas Gerais e São Paulo, respectivamente) e um presidente que deseja fazer a sucessora (Luiz Inácio Lula da Silva, cabo eleitoral número um da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff).
Se o povo, dono do dinheiro, não se fizer ouvir por outros meios, ficará sem ter o que precisa. O problema é que, no Brasil, ele não costuma reclamar. Desse modo, caminha-se para mais um episódio bem-sucedido da política do pão e circo. Enquanto fazemos obras mirabolantes, outros países agem pelo que realmente interessa. E aparecem.
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Repórter de A Tribuna, Santos, SP