Um ex-policial de 38 anos morreu por overdose de cocaína. Estava em companhia da namorada, de 24 anos. O inquérito policial confirma a morte por overdose e o caso está encerrado. Até aí, nada que merecesse duas linhas da imprensa.
Por que, então, a morte de uma vítima de overdose vira notícia de jornal e até capa da revista semanal mais importante do país?
Porque o falecido era ninguém menos do que o ex-marido de uma atriz da Globo – boa atriz, por sinal – que pouco tempo atrás tinha virado notícia por expulsá-lo de casa ao ser informada (pela própria namorada) que ele estava tendo um caso extraconjugal.
Para a imprensa, ávida por fofocas envolvendo celebridades, não poderia haver assunto mais suculento: o ex-marido (casado de papel passado e tudo), 29 anos mais jovem, trai a mulher (rica e famosa) com mulher jovem e bonita, mas acaba morrendo vítima de consumo excessivo de drogas. Imagine só o frisson na redação, na hora de escolher a capa da semana (como se não houvesse nenhum outro fato relevante para a sociedade): poderiam optar entre esse dramalhão barato, a chegada da musa pop, a volta do ‘Fenômeno’…
Delírios e insinuações
Com a escolha entre três celebridades, venceu a de maior ibope. E a opção foi fazer de conta que o público não poderia viver sem as ‘informações’ que rechearam as páginas da edição 2091 da revista Veja (17/12/2008):
‘Aos 66 anos, tem uma característica rara: continua a ser protagonista de novelas. Se não ganha o papel principal desde o início, em algum momento ela o devora. É por isso que o público a ama… E é por isso que não existe mulher no Brasil que não tenha acompanhado suas aventuras na TV e suas desventuras na vida real, que culminaram com a morte do ex-marido Marcelo Vieira da Silva, que por duas vezes a traiu e humilhou em público.’
(…)
‘Num processo incomum, ela foi ganhando mais destaque com o tempo, que sempre pareceu desmentir com a aparência jovial (ajudada pelas plásticas de costume) e o temperamento desafiador. O segundo marido e o primeiro mais novo foi Carson Gardeazabal. Casou-se com ele em 1986, enfrentou uma temporada de escândalos quando ele foi acusado de duplo homicídio e se separou em 2003. A diferença de dezesseis anos saltou para 28 em 2006, quando ela conheceu Marcelo Silva, um típico bonitão da Baixada, de olhos verdes, corpo sarado e um incontornável fraco por mulheres.’
Na tentativa de se diferenciar das revistas que são assumidamente de ‘fofoca’, Veja encaixa no texto entrevistas com especialistas: o médico explica o que acontece no organismo quando a pessoa ingere uma dose excessiva de cocaína e a psicóloga analisa o comportamento do viciado.
Mas o que interessava mesmo era contar a morte do ex – com a descrição detalhada dos delírios – e aproveitar para destacar o fato de Suzana Vieira ter uma especial predileção por homens mais jovens. De quebra, ainda sobrou para uma apresentadora de TV que se indignou com a traição sofrida pela atriz:
‘Como Susana, Ana Maria é uma mulher famosa e poderosa que vem se casando sucessivamente com homens alguns anos mais jovens e muitos milhões menos ricos‘.
Preguiça ou falta de seriedade
A revista – no melhor estilo das publicações de fofoca – não tentou (se tentou, tinha que dizer) falar com a grande personagem da matéria. Talvez porque isso não combina com textos do tipo:
‘É impossível que uma mulher como Susana não soubesse das trocas presentes nesse tipo de relação, mesmo se sentindo desejada e amada de verdade, como testemunham amigos que acompanharam o envolvimento. E é impossível que ele não se deslumbrasse com a nova vida, de súbita notoriedade e múltiplas benesses.’
A revista poderia, ao menos, ter publicado – como fez o jornal O Estado de S.Paulo (12/12/2008) – a nota oficial da atriz, junto com o noticiário sobre a morte do ex-marido. Na nota, ela diz: ‘Estou muito triste e chocada. Que ele descanse em paz’.
É claro que cantores, atores, jogadores de futebol – os ídolos populares, enfim – interessam ao público. Mas os detalhes do vício de um ator bonito ou das traições de que foi vítima uma mulher mais velha que ousou casar (não uma, mas duas vezes) com homens mais jovens parecem assuntos mais adequados à pauta de revistas de fofoca ou programas da tarde na televisão. Uma revista semanal de informação, de circulação nacional, que se propõe a discutir e até influir nos destinos do país, poderia usar melhor suas páginas.
Está na hora de discutir se o público exige esse tipo de noticiário sensacionalista ou se a mídia é que – por preguiça, incapacidade de debater assuntos importantes ou pura e simples falta de seriedade – preferiu seguir a rota do jornalismo de fofocas (ou celebridades, como se diz hoje em dia) como forma de ganhar da TV e da internet com suas informações instantâneas.
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Jornalista