Quase todos os canais de TV privados bloqueados no mês passado no Paquistão pelo presidente Pervez Musharraf, através de um decreto emergencial, estão novamente no ar. O governo determinou, no início de novembro, que jornalistas de TV podem pegar até três anos de prisão por transmitirem ‘algo que difame ou ridicularize o chefe de Estado’.
Por motivos financeiros – as emissoras tiveram milhões de dólares de prejuízo na receita publicitária durante o bloqueio -, quase todos os proprietários de canais de TV, com apenas uma exceção, aceitaram assinar o ‘código de conduta’ imposto pelo presidente. Eles concordaram ainda em parar de transmitir os populares talk shows políticos, que incomodavam enormemente o governo.
Ilegal e arbitrário
Mir Shakil-ur-Rahman, executivo-chefe do Jang Group, um dos maiores grupos de mídia do Paquistão, estima ter perdido de US$ 17 a US$ 18 milhões em lucros publicitários. Ainda assim, foi o único a rejeitar os pedidos governamentais para demitir dois apresentadores de talk shows da rede Geo e três repórteres investigativos do jornal The News. Por ter se recusado a assinar o ‘código de conduta’, a Geo ainda não voltou ao ar. ‘Não aceitamos os principais pedidos de demitir algumas pessoas’, afirmou ele, acrescentando que considerou o código algo totalmente ‘ilegal e arbitrário’. Alguns jornalistas da rede estão recorrendo à internet para divulgar notícias.
Nisan Menon, atual ministro da Informação do Paquistão, confirmou que a Geo não voltou a ser transmitida porque ainda não assinou o código de conduta. Segundo ele, a única restrição que o governo mantém é a não exibição de imagens de homens-bomba, que podem reduzir a moral pública e fazer com que terroristas pareçam heróis.
Autocensura
A lei imposta por Musharraf deverá valer até o encerramento do estado de emergência no país, prometido para o próximo sábado (15/12). De acordo com analistas políticos, o presidente conseguiu silenciar emissoras de rádio e TV que prosperavam desde que ele chegou ao poder, em 1999, através de um golpe militar. ‘O nível de autocensura está muito alto. Todos estão acatando as ordens’, afirmou um diplomata ocidental que pediu para não ser identificado.
Em 2002, a relação de Musharraf com a mídia era relativamente boa. Naquele ano, o presidente chegou até a permitir a abertura de canais independentes, que se tornaram extremamente populares ao debater temas como política, relacionamentos e cultura – algo impensável nas TVs estatais.
Esta relação começou a desandar no início deste ano. A tensão entre governo e mídia aumentou quando Musharraf foi duramente criticado por tentar demitir o juiz Iftikhar Mohammed Chaudhry por alegações vagas de abuso de autoridade. A cobertura extensiva sobre o caso irritou o governo, que acusou a mídia independente de ser porta-voz da oposição, de ser sensacionalista e de insultar o Exército paquistanês. No mês passado, às vésperas de Chaudhry declarar que Musharraf estaria inelegível para um terceiro mandato, o presidente declarou estado de emergência no país, suspendendo a constituição, demitindo a Suprema Corte e bloqueando a mídia.
Críticas
A União Federal de Jornalistas do Paquistão condenou a atitude de Musharraf. Uma declaração classificou a ação como ‘um atentado para silenciar a mídia independente’. Uma carta da Autoridade Regulatória de Mídia Eletrônica do Paquistão, endereçada a todos os ‘canais de TV por satélite’, advertia que alguns ainda estavam ‘transmitindo ao vivo e recebendo telefonemas ao vivo do público com afirmações contra a nação, o que incitava as pessoas à violência’. ‘Estes programas e os talk shows devem parar de ser transmitidos imediatamente’, alertava a carta.
O Comitê para Proteção dos Jornalistas pediu ao governo de Musharraf que pare com a intimidação à mídia e permita a cobertura independente da situação política no Paquistão. Desde que o estado de emergência teve início, no dia 3/11, jornalistas, ativistas e defensores dos direitos humanos vêm realizando protestos no país. Com a proximidade das eleições presidenciais, marcadas para o início de janeiro, eles temem que a censura continue mesmo quando o estado de emergência chegar ao fim. Informações de Salman Masood e David Rohde [The New York Times, 11/12/07] e de Matthew Pennington [Associated Press, 13/12/07].