Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Entre jornalistas e a verdade

No último 1º de abril, entrou em cartaz mais um filme sobre Chico Xavier. Desta vez, com o foco principal sobre mães que perderam prematuramente seus filhos. O filme é ocasionado pelas comemorações do centenário do famoso médium brasileiro. No bojo dessas comemorações também estão Chico Xavier – o filme, de Daniel Filho, assistido por 3,4 milhões de espectadores e também exibido na Rede Globo como minissérie, e Nosso lar, de Wagner de Assis. No que tange às novelas, a Rede Globo reprisou em 2010 Alma Gêmea e produziu Escrito nas Estrelas. Um personagem de As mães de Chico Xavier nos chamou atenção em especial.

Na trama, o jornalista Karl, Caio Blat, é designado por seu chefe Mário, Herson Capri, para realizar uma reportagem sobre o afamado médium Chico Xavier. Ambos sabem de Chico apenas o que ouviram falar de seus feitos, porém são céticos. Mário informa que o homem lá de cima (o dono da emissora?) está interessado em Chico e Karl pergunta algo do tipo: que resultado tem que ter essa pauta? (ou, poderíamos dizer, como Chico deve ser visto). Mário responde a verdade. Uma resposta que causa surpresa no jovem jornalista: é tão difícil buscar a verdade nessa profissão! Karl encontra abertura por parte de Chico, mesmo com as experiências negativas que esse parece ter tido.

Em Chico Xavier – o filme, dois jornalistas também se aproximam de Chico: Ângelo Antônio, com o intuito de escrever uma história. Alegam serem estrangeiros e conseguem ludibriar o médium, com sucesso. Este é alertado por seu guia que atribui à vaidade de Chico que tenha acreditado em histórias da carochinha. Ainda assim, a imagem do médium mineiro não é construída como a de um larápio ou charlatão (intenção inicial dos jornalistas), pairando um clima de dúvida e indefinição na forma como foi escrita a reportagem. Episódios dessa natureza podem ter vacinado o médium e aqueles que estavam em seu entorno a respeito de jornalistas.

A ficção, a realidade e a verdade

No caso de Karl, apesar do seu ceticismo, é um jornalista com uma postura diferente da dos mencionados acima. Tinha uma impressão inicial, mas não se aferrou a essa como convicção para mostrar a história que queria. Sondou as pessoas locais, pediu permissão ao próprio Chico para filmar suas sessões e também pediu uma entrevista – que a princípio não é concedida. Recebe a sugestão do médium e a permissão de seu chefe para colher o depoimento das mães que recebem as cartas nas sessões. O resultado é que suas reportagens vão ao ar.

No filme As mães de Chico Xavier, a verdade que Karl transmite – e que considera ser algo com o que um jornalista raramente trabalha – é a de um médium com um trabalho importante e comovente. Um trabalho que comove inclusive seu chefe. Em Chico Xavier – o filme, a verdade a que os jornalistas queriam chegar é a do charlatão que enganava a população simples, porém não chegaram a essa, pois esse filme também é generoso com a imagem de Chico. Mas uma questão paira no ar: o que é essa verdade com a qual um jornalista raramente trabalha, de acordo com o personagem interpretado por Caio Blat?

Já mencionamos em outra ocasião, em artigo neste Observatório, uma entrevista com o historiador José Carlos Reis em que este afirma que verdade é um conceito que se encontra em crise. Para alguns, ela pode estar muito próxima de algo como uma ficção e para outros, de fato, pode ser atingida. O que é verdade para Karl, não o é para os jornalistas de Chico Xavier – o filme. Vivemos num momento em que a verdade é relativizada.

Ambos os filmes que comentamos tratam de um personagem que de fato existiu. O cinema trata da ficção e também trata da realidade – mesmo quando sua intenção não é fazer ficção está repleto de elementos fictícios. Pode reproduzir a realidade e na medida em que a reproduz também a reconstrói. Eis a importância de notarmos que, em As mães de Chico Xavier, os jornalistas raramente têm a oportunidade de trabalhar com a verdade, ou ao menos com o que está mais próximo dela.

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Professor de História, Ponta Grossa, PR