Em 1977, nascia em uma funerária um dos maiores impérios do mundo moderno. Era o embrião de um projeto de evangelização que com o tempo se transformaria em uma grandiosa instituição religiosa presente em mais de 170 países: a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo.
A instituição baseou seu crescimento pelo país através da propagação da Teologia da Prosperidade. Segundo essa doutrina, surgida nas primeiras décadas do século 20 nos Estados Unidos, ‘aqueles que são verdadeiramente fiéis a Deus devem desfrutar de uma excelente situação na área financeira, na saúde etc.’.
A IURD passou a utilizar-se dos meios de comunicação para difundir a Sua Palavra (ou a de Deus, como queiram), através de jornais e da compra de pequenas emissoras de rádios AM e comunitárias pelo Brasil. Com o sucesso do empreendimento, a Igreja do pastor Edir Macedo passou a investir também na área televisiva, adquirindo a quase falida TV Record e diversas retransmissoras. Inicialmente, o projeto era utilizar uma emissora nacional para divulgar os seus programas evangelizadores e os ‘produtos’ da igreja: Manto sagrado do Senhor, Banho do descarrego, Trono da prosperidade e até Terra do Monte Sinai eram comercializados abertamente nos horários mais diversos da emissora. Até que uma retransmissora da Record de Salvador, a TV Itapoan, chamou a atenção do bispo-empresário. Homem de visão, Macedo levou para a Record nacional o diretor da TV baiana para assumir a presidência da Rede Record. Golpe de mestre.
Formação de quadrilha e lavagem de dinheiro
Alexandre Raposo, homem de confiança do bispo, assume a Rede Record e em pouco tempo as mudanças começam a dar frutos. Enfrentou ‘medalhões’ como Adriane Galisteu e Claudete Troiano, afastou-os da Record, contra a vontade de muitos, e deu certo. Mudou o jornalismo, passou a copiar a líder de audiência, a Globo, em quase tudo e tirou de quase toda a grade da programação os programas evangélico-varejistas que dominavam a emissora. Assim, a emissora do bispo passou a ser vista como uma opção comercial e com programas de nível semelhante aos de sua grande concorrente. Contratou muitos profissionais da Globo e do SBT, criou cópia de programas da líder e finalmente tornou-se uma opção aos refugiados do plim-plim.
A grande Rede Globo só sentiu o peso da crescente concorrente muito tarde. Passou a criar programas onde tentava desmoralizar os evangélicos, como a minissérie Decadência, de 1995. Exibiu no Jornal Nacional imagens de Edir Macedo e seus pares falando abertamente sobre extorsão do dinheiro dos fiéis e esbanjando os dízimos em passeios de lanchas. Quando da prisão do oponente, passou a fazer verdadeira campanha de degradação da imagem do pastor, imagem essa que sempre foi abalada, é verdade. Polemizou os chutes do pastor Sérgio Von Helder a uma estátua de gesso de Nossa Senhora de Aparecida em pleno Jornal Nacional e muito mais.
Recentemente, a pedido do Ministério Público de São Paulo, a Justiça abriu ação criminal contra Edir Macedo e outros nove integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus sob a acusação de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. O caso foi amplamente difundido em todos os jornais da emissora global. Aí começou o pecado da católica Rede Globo de Televisão.
‘Inocência’ da justiça
Pela primeira vez desde 1964, ano de fundação da Globo (e, coincidentemente, ano do golpe militar no Brasil) a toda poderosa líder de audiência pode sair enfraquecida de uma batalha. O Repórter Record, apresentado pelo ex-global Celso Freitas, preparou uma excelente resposta aos ataques da concorrente. Expôs várias acusações à ‘toda poderosa’, escrutinou os caminhos mais obscuros traçados por ela e desafiou de forma explícita a rival. Apresentou denúncias concretas de ‘apropriamento indevido’ de áreas públicas, ilicitudes no ato de compra da emissora por parte do sr. Roberto Marinho, documentos fraudados de formas grotescas, além de exibir trechos do polêmico (e proibido) documentário da BBC Behind Citizen Kane (Muito além do Cidadão Kane).
Nem a vida particular do promotor que abriu o inquérito contra a Record foi poupada. Afinal, coincidentemente, a juíza que receberia o caso, licenciou-se do trabalho para não recebê-lo por ter sido namorada do citado promotor.
Porém, podemos analisar os fatos por outro ângulo. Alguém, em sã consciência, tem dúvidas que a compra da Rede Record foi feita através do investimento dos dízimos dos fiéis da IURD? Se isso realmente ocorreu, não seria uma ‘inocência’ da justiça brasileira, tratar instituições religiosas como ‘filantrópicas’ e, assim sendo, isentá-las da cobrança de impostos? E, citando o próprio Edir Macedo, como um problema que envolve a Rede Record e a IURD, ambas em âmbito nacional, pode ser representado em um fórum estadual?
Na Terra-do-Nunca chamada Brasil
As respostas são simples. Vivemos num país de ‘faz-de-conta’. Fazemos de conta que a Globo não tem interesses em derrubar o avanço da Rede Record no Ibope. Fazemos de conta que a Record é uma nova TV e não uma cópia cada vez mais parecida com a Globo. Fazemos de conta que as igrejas, de todas as vertentes, não utilizam os dízimos para outros fins senão a ‘propagação da obra de Deus na Terra’. Acreditamos em uma possível prisão de Edir Macedo, que foi preso e solto anteriormente e usou isso para vender milhões de livros e ganhar ainda mais dinheiro para a ‘Opus Dei’ dele. Temos plena confiança na intenção de informar de forma imparcial do jornalismo das duas grandes emissoras do nosso país. E cremos na honestidade do presidente do Senado e do Papai Noel, os dois bons velhinhos que farão sucesso nesse final de ano.
Nessa Terra-do-Nunca chamada Brasil, parece que preferimos não crescer mesmo. Somos pastoreados por pastores evangélicos, padres, pais e mães de santo, jornalistas (com ou sem diploma), ministros do Superior Tribunal e promotores vendidos à grande mídia. A verdade sofre o peso da falta de pauta para si e a ‘roupa suja’ vem sendo lavada em público para alcançar picos de audiência, como no Balanço Geral da Record. Enquanto isso, o Esporte Espetacular (Globo) briga com o Esporte Fantástico (Record) e o Fantástico (Globo), com o Domingo Espetacular (Record). Mas não se preocupem: qualquer semelhança é mera coincidência.
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Analista de mercado, Salvador, BA