Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Entre orgulhecidos e melhor educados

No 3º Congresso Nacional do PSDB, em 23 de novembro, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso incorreu em erro formal de português ao afirmar que quer ‘brasileiros melhor educados, e não brasileiros liderados por gente que despreza a educação, a começar pela própria’. A Folha de S.Paulo registrou o deslize dois dias depois.


Thaís Nicoleti, a professora de português ouvida pelo jornal, destacou que ‘rigorosamente, deve-se usar’ mais bem ‘antes de particípio’. ‘Porém, essa construção [`melhor educado´] é considerada aceitável, ela está no limite entre a norma padrão e o desvio dela.’


Para Nicoleti, o maior problema seria de natureza política: ‘Todos sabem falar a sua própria língua. Não se pode usar a fragilidade da educação formal de uma pessoa para atacá-la. Como professora de português, nunca desmereço o discurso de alguém por sua forma de falar. Isso é politicamente incorreto ou no mínimo mesquinho’. Ou seja, o velho o preconceito de classe recorrente.


Um problema irrelevante e que já teria caído nas brumas do esquecimento não tivesse o ombudsman Mário Magalhães o ressuscitado na edição de domingo (16/12) da Folha. Para ele, como nenhum especialista bancou o erro de FHC, ‘errada, pois, está a Folha, que erra de novo ao não se corrigir’.


Condescendência com desvios


Não sei quais ‘especialistas’, além de Nicoleti e Pasquale Cipro Neto, a Folha terá consultado para que o ombudsman tenha concordado que ‘melhor educados’ estaria certo. Não sou ‘especialista’, mas fui escolarizado no tempo em que a gente aprendia português com rigor. Posso afirmar, com o apoio pretérito dos severos padres marianos, que isso está longe da correção.


Claro, quem se dispuser a procurar, há de achar casos de ‘melhor [seguido de particípio passado]’ em textos publicados. E daí? Também achará – às pamparras – casos do uso de ‘enquanto’ significando ‘na condição de’, ‘estadia’ como mera variação de ‘estada’ e ‘extrapolar’ por ‘exceder/exagerar’. Uma busca mais atenta garimpará ‘inclusive’ no lugar de ‘aliás’ e, mais freqüentemente, ‘desapercebido’ por ‘despercebido’.


Muitos desses ‘pequenos desvios’ já figuram em nossos dicionários, cada vez menos normativos e mais complacentes. Ou seja, escrever em letra de forma é o suficiente para validação… Nem por isso deixam de ser sandices.


Não estamos diante de ruptura deliberada e estilística da norma culta por quem a conhece. É erro mesmo de quem a ignora. O mais é condescendência com desvios gramaticais do ‘andar de cima’.


Erros e escorregões


Assim soa estranha a nota do ombudsman ‘Folha diz que FHC errou; o erro foi do jornal’. Se a Folha não cedeu aos insistentes apelos do ex-assessor especial da presidência da República, Eduardo Graeff, no ‘Painel dos Leitores’, e não ‘corrigiu’ a correta corrigenda, ainda que por via tortas, fez muito bem.


Antigamente, os jornais não precisariam consultar ‘especialistas’ em português. Para isso, havia na casa os copidesques e os revisores. Esse pessoal faz uma falta…


Vale lembrar o que disse o senador Arthur Virgilio à época: ‘Grave é falar em terceiro mandato’. Sem dúvida, mesmo quando não se sabe quem começou a falar no assunto. Mas é da lavra do parlamentar amazonense a seguinte pérola, proferida da tribuna do Senado em 27 de novembro: ‘Ao longo desse processo, percebi que o PSDB, além de um partido de quadros – é um partido invejavelmente de quadros neste país – tem uma combatividade que a todos nos orgulhece e orgulhece muito especificamente a mim (…)’.


Pois bem, é ‘orgulhecido’ que aprendo coisas importantes na leitura diária dos jornais. Quando o erro é de representantes da elite, temos que estar atentos para o fato de ser a língua dinâmica, viva. Quando o escorregão vem do outro de classe, a língua é ferina e preconceituosa. E não vem um ombudsmam em socorro.


Em tempo: aos leitores do Observatório, os votos de um Feliz Natal e um 2008 repleto de boas notícias.

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Professor titular de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), Rio de Janeiro, RJ