As últimas notícias, os ‘escândalos’, as ‘denúncias’ e a grande mídia posicionando-se no Brasil como ‘partido de oposição’, expressão da presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), levam a crer que o grande perdedor nestas eleições é o modelo de comunicação social adotado no país atualmente. Essa grande mídia, criada e alimentada sob o regime totalitário dos ditadores militares do golpe 1964, assume três aspectos da mitologia grega: Pathos, Tântalo e as Daneides.
Às vésperas das eleições gerais de 2010 é uma tragédia grega que instiga nossa erudição, forçando-nos a buscar nos mitos as respostas para os episódios grotescos da comunicação nesse país. Lembremos da figura de Pathos, a paixão, essa entidade sentimental que Platão, ao investigar a alma humana, comparou a um carro desgovernado que nos leva aos abismos da perdição irracional. Uma poderosa força oposta à luz da razão, irrompendo a autodestruição e que ignora energicamente os limites do bom senso, da arte, da técnica e da lucidez.
Ademais, lembremo-nos do mito do desgraçado Tântalo, que, condenado pelos deuses do Monte Olimpo, foi mergulhado até o pescoço num lago de águas límpidas e cristalinas. Todavia, quando abaixava a cabeça para saciar a própria sede, as águas desapareciam e se tornavam um deserto. Sobre a cabeça de Tântalo estava pendurado um lindo ramo de frutas, mas quando ele ia com a mão, tentando pegar os alimentos e saciar a fome, vinha um redemoinho e carregava a comida para longe.
Referendado e apoiado pela população
A sabedoria mítica retrata a condição da nossa grande mídia hoje. Apaixonada, faminta pelo poder, como um ‘partido de oposição’ sem projeto, rompe todos os limites, inclusive do bom senso, qualidade técnica e padrões jornalísticos. Corre desvairada dialogando consigo mesmo, esquizofrenismo midiático, onde confunde as verdades, duvida do outro e pensa está absolutamente certa, arrogando uma ‘onisciência’ zombeteira. Pois parece zombar dos interlocutores. Quem são os interlocutores desse povo?
Como Tântalo, a grande mídia pensa em saciar sua sede com o apoio da população, mas logo que se abaixa vê-se em um deserto escaldante. Só vê resposta em si mesma. Essa mídia carece do respaldo popular, falta-lhes ser geradora de opinião e respostas para a população brasileira. Como explicar a popularidade de oito anos do governo Lula sob ações cruéis, orquestradas, pautadas e divulgadas por oposicionistas? Como explicar as pesquisas de intenção de voto que dão uma vitória no primeiro turno a Dilma diante de tantas ‘denúncias’ e ‘escândalos’ com um forte viés acusatório e preconceituoso? Ora, só com a lenda de Tântalo para compreender. A grande mídia tenta alcançar os frutos da credibilidade, do conhecimento, tenta alcançar o respaldo da informação que se encaixa em fatos, influenciando e gerando opinião pública; mas o que recebe? O vácuo. Essa mídia que arroga para si o quarto poder, parece assumir posições de golpe, cria causos, malabarismos textuais e fórmulas lógicas que deixariam o Círculo de Viena sob suspeita.
Além do mais, este ‘partido de oposição’ parece ignorar que esse governo é referendado e apoiado pela população, não aceitará golpes como outrora (1964 e o apoio da mídia aos golpistas e ditadores militares). Essa mesma população aponta em pesquisas que irá legitimar a continuidade do modelo governamental atual à revelia da grande mídia (apaixonada, oposicionista, que parece que mais uma vez perderá).
Enchendo um tonel sem fundo
E há mais, os episódios dos ‘escândalos’ divulgados na mídia ordinária cria uma perplexidade em quem está na oposição junto com ela, pois é com este grupo que a grande mídia dialoga. Não precisa ser bacharel em comunicação social ou mesmo comunicólogo para ver as dissonâncias entre fatos e retóricas, perceber os interesses e propagandas da política travestida de opinião pública, isenção e neutralidade dos noticiários, colunas e artigos. Ora, se as ciências humanas já sabiam que não há neutralidade no discurso, muito menos nos pensamentos, a grande mídia do Brasil concretiza empiricamente a expressão do filólogo Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975), não há palavra sem ideologia, ‘toda palavra é ideológica’ e assim tem sido nos últimos oito anos no Brasil.
Assim, nessas eleições, a grande parte dos jornais, revistas, canais de televisão, radio e sites da internet assumiram sua posição, a oposição ao atual governo. Jornalisticamente, a grande mídia se retroalimenta com notícias, cozinha fatos antigos em um refogado servido como inédito, esquece e silencia a seu bel-prazer, duvidando de seus interlocutores, duvidando das análises de outrem. Ela tem preconceito de classe, seus funcionários se sentem superiores, preparados, transparentes, iludidos como únicos a saber acerca da realidade.
A grande mídia ignora o tempo, ou melhor, parece ser dona do tempo e da memória, esquece a diversidade das fontes de informação hoje (as da internet, por exemplo) e repete os erros de outrora (1989, 2002 e 2006), quando ela mesma, especificamente a TV, fora condicionante para modificar e alterar as condições eleitorais no Brasil.
As condições sociais mudaram, a política, a economia e a cultura são outras. Daí as condições de produção do discurso político mudaram, mas o modelo de comunicação não, ainda continua à moda dos ‘anos de chumbo’, onde a grande mídia tenha possibilidade de transmissão de seu discurso de uma maneira tão leviana. Diferente, as possibilidades de acesso às informações são diversas, principalmente na internet: as redes sociais, a blogosfera (weblogs), mas a grande mídia continua obstinada. Hoje é muito mais fácil questionar as posições políticas, acessam-se os diversos pontos de vista, questionam-se, dialogam-se e ironizam-se.
Esta eleição de 2010 parece apontar mudanças que sabemos necessárias. Basta dessa palhaçada camuflada de informação promovida pela grande mídia, para tanto é necessário uma nova pauta das políticas de comunicação: a) regulamentação da comunicação social no Brasil; b) equidade da radiodifusão; c) oportunidade além da internet de poder dialogar com o povo através de propostas surgidas da Conferência Nacional de Comunicação.
E assim o mito, pedagogo da humanidade, possa ensinar o caminho da cura para a comunicação social no Brasil. Se a mídia, ‘partido de oposição’, perdeu nas últimas eleições, perderá mais ainda, pois parece seguir o mesmo destino das viúvas Daneides, megeras condenadas por assassinato: ‘Algemadas, foram conduzidas até a beira de um imenso lago. Cada uma, carregando um pesado jarro de metal, forçadas a enchê-lo de água até as bordas e levá-lo até a beira de um gigantesco tonel, onde depositava o líquido. E assim deveriam repetir a tarefa para todo sempre, até encher o imenso tonel – que não tem fundo.’
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Jornalista, Itapetinga, BA