Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Escondido entre aspas

Lembra daquela reportagem investigativa superempolgante e abarrotada de denúncias que você leu recentemente? Aposto que tinha uma ou duas fontes secretas para apimentar o drama. Mas tais fontes não estão só em grandes reportagens. Jornais estampam diariamente o que ‘fontes da diretoria revelam’, ‘um representante da comissão disse’, ‘uma autoridade próxima do deputado afirmou’. Declarações em off denunciam tragédias, localizam assassinos, derrubam e elegem governantes. Mas caso a falsidade de uma das afirmações seja comprovada, restam ao jornalista duas saídas: jurar que a fonte desmentiu o que disse, ou assumir que o recheio das aspas é maquinação sua.

O off the record (em português, fora dos registros) é fruto do acordo entre a fonte e o repórter e, portanto, editor nenhum pode meter o bico. Esse recurso existe unicamente para preservar a fonte quando estiver em jogo a sua própria segurança, a seriedade da informação ou o interesse da sociedade. Tudo começa no calor da entrevista, quando o indivíduo insiste: ‘Mas, por favor, não coloque meu nome no texto!’, ou algo mais sutil como ‘por que não deixamos isso em off?’

Lei de Imprensa

No entanto, o anonimato pode trazer conseqüências desagradáveis. É comum ouvir casos em que fontes inescrupulosas usaram do sigilo para espalhar difamações e calúnias. O resultado é conhecido como acusação em off e defesa em on, intriga na qual a vítima das declarações observa sua integridade à sorte de abutres. O delator? Escondido entre aspas. Que o diga o vice-presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Enquanto advogado-geral da União, afirmou à agência Globo: ‘Considero um absurdo ter de responder a declarações de ministros do STF dadas em off‘.

Se estivesse fora do Brasil, o jornalista envolvido no caso acima provavelmente estaria preso. A maioria dos países condena à prisão repórteres que se recusam a identificar uma fonte confidencial. O norte-americano David Kidwell, do Miami Herald, foi condenado a 70 dias de prisão em 1994, apenas porque se negou a testemunhar no tribunal sobre a confissão de uma fonte anônima. Por sorte, ele teve apoio da Sociedade dos Jornalistas Profissionais (SJP): ‘Forçar um repórter a revelar outros aspectos das entrevistas feitas sugere que ele é investigador da polícia. Por que alguém conversaria com um repórter se soubesse que seus comentários iriam parar em casos da promotoria ou de defesa de um advogado?’, protestou o presidente da SJP, Steve Geimann.

Em latitudes tropicais, a pele do jornalista está garantida. A Constituição brasileira, bem como a Lei de Imprensa, garantem que o jornalista não pode sofrer punição alguma caso se negue a revelar a identidade de sua fonte. O artigo 5º, no item XIV da Constituição, diz: ‘É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional’. E a Lei de Imprensa, no artigo 71: ‘Nenhum jornalista ou radialista, ou, em geral, as pessoas referidas no art. 28, poderão ser compelidos ou coagidos a indicar o nome de seu informante ou fonte de suas informações, não podendo seu silêncio, a respeito, sofrer qualquer sanção, direta ou indireta, nem qualquer espécie de penalidade.’

Repórteres sabichões

Em junho de 2007, a Folha de S.Paulo publicou uma série de notícias exclusivas sobre o indiciamento de Vavá, irmão do presidente Lula, durante a Operação Xeque-Mate da Polícia Federal. Os supostos furos de reportagem eram sustentados em uma fonte secreta. Após divulgar o indiciamento, o jornal anunciou que o presidente se irritou com a notícia da operação e reclamou por não te sido avisado. No dia seguinte, a versão era outra: Lula estaria irritado por não saber do indiciamento, em vez da operação, como haviam publicado. Sem se dar conta do erro, no mesmo dia a Folha divulgou que o ministro Tarso Genro alertou Lula sobre a operação duas horas antes da busca e apreensão. Que confusão! O off pode até originar grandes furos, mas não consegue remediar tais deslizes.

Falando em deslizes, não se pode deixar de traçar o perfil de uma casta de repórteres sabichões que transcrevem suas idéias e as atribuem a fontes confidenciais. Entendem ser esta a forma mais fácil de opinar sobre o que bem entender, sem se responsabilizar diretamente por eventuais danos. Deveriam consultar Jayson Blair antes de prosseguir em sua trajetória genial.

Nomes fictícios

Recorrer ao nome fictício ou apenas dizer que a fonte não quis se identificar são as formas mais comuns de esconder os informantes secretos. Esses recursos podem ser facilmente encontrados em veículos de curta periodicidade, já que o tempo para a apuração de notícia é limitado. O problema está no exagero. No G1, somente em 2007, é assustador o número de aparições do ‘não quis se identificar’. As origens são as mais variadas: síndica de prédio, executivo do Google, ouvidora de um hospital israelense, casal de milionários que teve o cão seqüestrado e até um oficial do Bope.

Exagero maior é constatar mais de um anônimo na mesma notícia. O portal Terra, em 21 de junho, divulgava a crise no tráfego aéreo baseado na denúncia de um controlador que preferiu não se identificar. No decorrer do texto: ‘Outro controlador, que também não quis se identificar, com medo de novas represálias…’, e aparecia sua declaração aspeada. Por outro lado, o recurso de nomes fictícios é mais divertido, e exige criatividade. Apenas neste semestre, a Folha Online retratou a socióloga ‘Renata’, a garota de programa ‘Cláudia’ e a distribuidora de panfleto ‘Maria’, entre outras invenções bem-sucedidas.

Resguardar interesses

Em casos onde o off é necessário, o certo é explicar detalhadamente o motivo do anonimato. Na redação do New York Times vigora um memorando desde 2005 que obriga os jornalistas a explicar as razões de não divulgarem suas fontes secretas. O ombudsman Byron Calame esclareceu em sua coluna que os motivos devem ser explicados mesmo que pareçam óbvios, pois se a condição de sigilo foi aceita, significa que a informação é mais do que necessária. ‘Esta é provavelmente uma das razões porque algumas explicações passadas para o anonimato sejam tão absurdas’, escreveu Calame.

Toda a informação off the record, apesar de seu caráter confidencial, deve indicar fatos e acusações comprováveis. E se os motivos do sigilo não são convincentes, nem deve ser aspeada. Afinal, o maior prejudicado em todos esses trâmites é o cidadão. Felizmente, este ainda pode decidir se deseja ou não consumir o off. Se deseja ou não receber determinadas informações, para resguardar seus interesses. Examine os recheios das próximas aspas que ler, questione as fontes em que confia. O off não existe para temperar drama policial, seu poder é muito maior.

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Estudante do 4º semestre de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), Engenheiro Coelho, SP