Passamos a semana na expectativa da CPI dos Correios. Resolvido o impasse, com gritos e até lágrimas dos nobres políticos (atitude, aliás, que antigamente seria ‘coisa de mulher’), entramos agora na fase da CPI propriamente dita. Mas, para quem lê jornal procurando pela participação feminina na história do país, uma triste conclusão: quando o assunto é realmente importante e mobiliza a mídia (e a população), as mulheres simplesmente não existem. Como se não houvesse uma deputada que merecesse ser ouvida sobre o assunto. E, entre as senadoras, só a Heloísa Helena (P-SOL-AL), já caracterizada pelo seu estilo próprio, justificasse uma foto ou entrevista.
Embora o número de mulheres no Congresso tenha aumentado nas eleições de 2002, elas nem chegam a constituir uma bancada significativa: são menos de 10% do total dos parlamentares. São 42 deputadas (em 1998 foram eleitas 29) e 8 senadoras (que somadas às duas em continuação de mandato, totalizam 10 senadoras). Um número pequeno para quem representa 51% da população e do eleitorado, 40% da população economicamente ativa e 26% dos chefes de família do país: as mulheres. As quais, por lei, deveriam ocupar pelo menos 30% das vagas dentro dos partidos políticos ( Lei 9.504, de 30/9/1996).
Os partidos reservam as vagas, fazem propaganda disso, celebram o fato de as bancadas terem mulheres mas, na hora da verdade, deixam suas deputadas e senadoras em posição de inferioridade. Tanto é verdade que não há uma mulher nas mesas diretoras da Câmara e do Senado. Para elas ficam reservadas apenas as comissões que discutem assuntos óbvia e diretamente relacionados com mulheres (como a CPI da Exploração Sexual, presidida pela senadora Patrícia Gomes), dos quais pouco se fala. Mas elas deveriam estar em todas as comissões, aquelas que debatem assuntos, digamos, ‘universais’. Num acordo silencioso, partidos e mídia se dão por satisfeitos em mostrar com destaque apenas a senadora Heloísa Helena, que, por seus discursos inflamados e suas lágrimas, já é quase folclore nacional.
E fica parecendo, para leitores e eleitores, que não há por que votar em mulheres. Se elas só aparecem quando radicalizam, vamos deixar esses assuntos sérios com quem é do ramo, ou seja, os homens. A eles fica reservado o direito de fazer CPIs e moralizar o país. E as mulheres, que papel têm nessa história?
A julgar pelo noticiário da semana, as mulheres merecem destaque quando o assunto é irrelevante, como a eleição da miss universo, explorada exaustivamente na internet e que chegou até a merecer destaque nas páginas da Veja (29/5).
E, como se não bastasse, até gente séria como o articulista Gilberto de Mello Kujawski (Estado de S.Paulo, 26/5) fala de mulheres como se elas vivessem num universo à parte, onde não há lugar para assuntos sérios como sobrevivência, salário e direitos. No momento em que se discute a moral do governo, o desvio de verbas federais e até o futuro das próximas eleições, O Estado de S.Paulo abre espaço para tentar responder ‘O que a mulher espera de um homem?’
O que realmente interessa
O artigo foi motivado por uma pergunta feita a Arnaldo Jabor no programa Roda Viva. Jabor resolveu o impasse com um sincero ‘não sei’. Já o articulista Gilberto de Mello Kujawski perdeu excelente oportunidade de manter a seriedade que caracteriza a página 2 do Estadão. Ele tenta responder a pergunta feita ao Jabor.
Gastou três preciosas colunas de texto do jornal para dizer que ‘ela espera, implora, exige, que o homem eleito a revele em toda a sua verdade e em toda a sua intimidade, ocultas na comédia da vida social que a falsifica em cada gesto, em cada palavra, em suas preferências (as de ‘todo mundo’), até em seu corpo e rosto padronizados. A mulher espera do homem que a descubra, que revele à luz da evidência aquela pessoa secreta, que é ela mesma, oculta debaixo das convenções sociais. E o homem, por sua vez, não espera outra coisa, quer que também ele seja descoberto pela mulher, pela mulher amada’.
Estaria o articulista sugerindo aquele óbvio já cansativamente discutido, de que o homem deve despertar o erotismo da mulher reprimida pelas convenções sociais? Ou estaria querendo apenas dizer que o amor é resposta tanto para as mulheres como para os homens? Seja qual for a intenção, errou o articulista ao escolher o veículo.
O que as mulheres e os homens esperam do outro, no relacionamento afetivo, eles podem resolver na intimidade. E, para discutir isso, existem consultórios de psicólogos e revistas femininas. Mas o que esperamos de um jornal sério é que discuta, no mesmo espaço, os problemas que dizem respeito ao lugar da mulher na sociedade: a situação no mercado de trabalho, os salários desiguais, o apoio às mães na educação dos filhos e os direitos que deveriam ter como cidadãs que pagam impostos e cumprem uma jornada de trabalho igual à dos homens.
Será que as mulheres não prefeririam ver, tanto na Veja como no Estadão, o espaço gasto com futilidades sendo usado para discutir o que realmente interessa, como por que as mulheres, embora sejam metade da população, ainda não têm representação política significativa no Congresso?
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Jornalista