Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Esporte ‘goma arábica’ cola Brasis

Quando era garoto, na década de 1970, as coisas eram mais simples. Não havia esta profusão de produtos parecidos nas prateleiras dos supermercados que nos confundem quando vamos às compras. Veja o caso da cola, por exemplo. Havia dois tipos de cola: tenaz e goma arábica. A segunda custava menos, mas também não era lá muita coisa. Se fizesse uma pipa com goma arábica, você corria o risco de ver a folha descolar da armação enquanto o mesmo estivesse em pleno vôo – algo que ocorreu comigo algumas vezes.

A cobertura ufanista do PAN demonstra claramente que o esporte pode se transformar na goma arábica que afundará o país. Explico.

No exato momento em que escrevo estas palavras, tenho em minhas mãos o excelente jornal local Visão Oeste, em cujo artigo ‘Os milionários e as favelas’ podemos ler o seguinte:

‘Duas notícias na semana recolocaram a questão da distribuição de renda na sociedade brasileira. A primeira falava dos 130 mil milionários brasileiros que, juntos, somam a maior fortuna da América Latina: cerca de US$ 573 bilhões, mais da metade do PIB nacional.’

Um pouco mais adiante o autor do texto informa que a outra notícia:

‘…refere-se à população brasileira nas favelas. Ela dobrou, passando de 6,3 milhões para 12,4 milhões de pessoas que vivem em condições precárias em 3,2 milhões de casas.’

Falsa coesão social

A única coisa em comum entre os milionários e os favelados referidos no texto é que todos são brasileiros. Sendo assim, todos deveriam alimentar o sentimento de brasilidade. Torcer pelas realizações esportivas brasileiras aproximaria os dois grupos? Parte da imprensa acredita que sim e tem se esgoelado bastante para dar vida a esse cimento social.

Marco Túlio Cícero, político e escritor romano, dizia que governar era uma tarefa relativamente simples, pois o povo precisava de pão e circo. A política brasileira está se afastando do cânone romano. Afinal, se o esporte é o circo onde está o pão?

Muito embora tenha exposto os dados, o autor do texto citado não fez a ilação necessária. Com esta proporção de miseráveis por milionários (95,38 x 1), não há estrutura social que se mantenha coesa por muito tempo. A França que o diga!

Sem o pão (que pode ser entendido como moradia, trabalho e renda), o esporte não vai desempenhar sua função de circo. Caso estivesse vivo, Cícero certamente concordaria com minhas palavras.

Se as coisas continuarem como estão e se algo não for feito, o esporte vai acabar se transformando na ‘goma arábica’ nacional. Como um produto de qualidade duvidosa, esta cola dará aos milionários a impressão de que existe coesão social, quando a mesma está prestes a se romper. E quando o tecido social rasgar de vez, eles não poderão nem pegar o avião tamanho o caos aéreo em que nos encontramos.

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Advogado, Osasco, SP