Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Esse poder todo ainda vai nos assombrar

De estarrecer. No dia seguinte ao Fantástico, que mostrou a quem quisesse ver uma emissora de TV violando a privacidade cliente-advogado e divulgando uma conversa obviamente particular e protegida por lei, a OAB decide investigar… o quê? A ‘ética’ dos advogados de Suzane von Richthofen. É o que diz matéria da revista jurídica eletrônica Última Instância, que virou manchete do UOL na noite de ontem (10/4): ‘Após entrevistas, juiz decreta preventiva, e Suzane von Richthofen já está presa‘. Manchete alterada mais tarde para ‘‘Risco’ a irmão e entrevistas levam Suzane de volta à prisão’.


Vitória da virtude, dirão os justiceiros de serviço, defensores do Caveirão nas favelas cariocas, do ‘bandido bom é bandido morto’. Rezem muito para que jamais cometam um crime: seu direito a perfumarias como defesa e sigilo não vale um tostão furado! Pois se nem OAB, a revista supostamente ‘jurídica’ e a mídia online dedicam uma linha sequer a questionar a TV Globo por esta violação, que qualquer país democrático consideraria ultrajante! Em 1998, a Veja negou de forma vaga as denúncias de que repórter sua se fingira de advogada para entrar na cela do ‘Maníaco do Parque’, um motoboy serial killer descompensado e confuso de São Paulo, e muitos protestaram, especialmente este Observatório [remissão abaixo].


Em 2006 pode? Até um dos advogados de Suzane von Richthofen, em entrevista ao Globo Online – que foi colher prazerosamente as migalhinhas jogadas pela tia todo-poderosa –, deixa passar o acinte. Pateticamente, jura que a entrevista ‘não foi uma farsa’… O cidadão nem sequer alega que era direito da defesa orientar a cliente da maneira que julgasse melhor. Não é isso que, legalmente, mantém assassinos da classe alta anos a fio fora da cadeia? O caso do jornalista Pimenta Neves não está aí para confirmar, seis anos depois dos dois disparos que executaram Sonia Gomide?


Assustador


E não caberia à promotoria, não à televisão, desmascarar farsas de advogados? Não. Já estamos em novo patamar do sistema de justiça, a Linha direta, em que a mídia cumpre o papel de promotor e júri. Por estas novas regras, de reality show, o que deveria um advogado recomendar à cliente, segundo a Globo, a OAB, os justiceiros? ‘Mostre sua frieza, diga que matou mesmo porque queria o dinheiro e dane-se!’, é isso? Até Klaus Barbie, o ‘Açougueiro de Lyon’, e tantos outros exterminadores nazistas tiveram direito a defesa…


Não a parricida. A Globo já a condenou. Só falta alegar que Suzane von Richthofen sabia que estava com o microfone, e deixou gravar a conversa porque quis. Numa ação legal, a defesa (farsa?) ideal…


Deixando de lado, contudo, a sede de justiça e virtude da emissora – e desta ‘sociedade esquizóide’ em geral, como a retrata o leitor Paulo Hase em artigo aqui no OI sobre o documentário Falcão –, o fato é que o poder sem limites da Globo, que nem a outrora aguerrida OAB se atreve mais a afrontar, dá-lhe hoje em dia o direito de quebrar sigilos quaisquer – a caçulinha Época não divulgou a conta bancária do caseiro Francenildo Costa, violada pela Caixa a serviço de um ministro?


Que a Globo aja assim não surpreende. Afinal, foram muitos, seguidos anos de apoio à ditadura e a suas práticas fascistas, e não é fácil mudar hábitos arraigados. O que espanta, o que injuria mesmo é que a OAB não reaja. Que a imprensa não faça um escândalo. Que todo mundo ache normal. Isso é assombroso. Realmente assustador.