No dia 08/05/2018, o Jornal da Cultura, principal jornalístico da TV Cultura, canal de televisão administrado pela Fundação Padre Anchieta, publicou em sua conta no twitter enquete com a seguinte questão: “Você seria a favor de um golpe militar para frear uma escala de criminalidade?”
Mais cedo, o jornal mostrou numa reportagem pesquisa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação na qual 53,2% dos entrevistados disseram-se favoráveis a um golpe militar se o país estivesse tomado pela criminalidade.
Ou seja, a enquete era a continuidade do assunto pesquisado pelo instituto e divulgado pela atração. A polêmica, por óbvio, acendeu as redes sociais. De um lado, os que achavam por demais um canal que teve Vladimir Herzog como diretor fazer uma pergunta dessas. Do outro, os defensores da intervenção militar que não suportaram o termo “golpe”.
A TV Cultura não agradou nem gregos, nem troianos. Saiu queimada com ambos. O tweet acabou excluído e uma nota de esclarecimento publicada.
Mas, pensemos: qual o problema da enquete da Cultura? Realmente, qual o grande problema de se perguntar a opinião de um público específico sobre um assunto? Me parece que nenhum.
A democracia é, ou ao menos deveria ser, um ambiente que propicia o debate de ideias, a contraposição de opiniões, a apresentação de contraditórios e a colocação em pauta dos assuntos que doem na carne.
Ora, se São Tomé fosse defenestrado por querem tocar na chaga de Jesus Cristo, como teria se convencido da ressurreição de Cristo?
Claro, a comparação pode soar absurda para alguns, mas seu fundamento é válido. A proibição de que se debata certos assuntos afugenta a ampliação de horizontes e a mudança de crenças, dogmas. O espaço público, e tem grande papel nele a imprensa, precisa se abrir para que os assuntos difíceis sejam levados à mesa de discussão. Não só a mesa, mas as redes.
Os gregos tinham como marco maior de sua polis, e seu maior orgulho, a famigerada Ágora. Quase que um ringue aberto da sapiência e da oratória, a Ágora fazia sentido por propiciar a liberdade de se defender do senso comum até a minoritária da minoritária opinião. O sistema funcionava em torno disso.
Mas o nosso, que bebe (ou ao menos diz que) de Roma e Athenas, se afasta ininterruptamente dos clássicos para se encontrar com o baixo medievo. Inclusive, foi o baixo medievo que precedeu o grupo artístico do pintor da Incredulidade de São Tomé, quiça a mais famosa das representações da passagem bíblica.
O italiano Caravaggio retratava personagens bíblicos de uma nova forma, com forte realismo, foco da imagem no rosto dos personagens, sem correções, sem iluminação especial. A contraposição de sombra e luz foi um marco transformador da arte medieval para a barroca, que abriu as portas para a moderna e para o Iluminismo.
Quem sabe beber da fonte Caravaggiana, ao invés de nos esbaldarmos da medieva, não faça bem para a nossa visão de democracia. Ou ao menos ajude a entender que debater não é necessariamente concordar. E que democracia se faz com conversa, não com exclusão.
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Bruno Henrique de Moura é jornalista, estudante de direito e liberal. Foi repórter de política e direito econômico no JOTA e coordenador de comunicação do DCE-UnB.