“Ninguém… Ninguém vai me acorrentar/ enquanto eu puder cantar” (Chico Buarque)
Favela. Tema recorrente na mídia desde o fim do século 19, aqui no Brasil. Surge de diferentes formas em diferentes localidades, sendo reconhecida desde o início deste século como fenômeno internacional (na Inglaterra, ficou conhecida como slum). Ganha essa identidade, no Rio de Janeiro, após Canudos, na Bahia, e o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha. Primeiro, no país, é observada pelos antepassados da área da comunicação, jornalistas e cronistas, membros da elite dominante da época.
Sob o olhar da I República e os novos significados da democracia militar no Brasil, é vista como resquício do rural no urbano e logo é alvo de vários atentados, para garantir a existência da civilização moderna, consolidando em linhas e outras diretrizes aquilo que Marx chama de luta de classes. Essa guerra se transformou no aniquilamento da imagem da favela perante a nova característica da sociedade, a expansão da informação. Em um momento movido por necessidades impostas pela Revolução Industrial e o progresso positivista.
A nova verdade não leva em consideração as moradias e a formação dos novos agrupamentos humanos, consolidando-se nas favelas, tão antigos quanto à própria cidade. Empurra barracos abaixo e destroça a existência de milhares de possibilidades no organismo das variáveis líquidas. Nesse meio tempo, a favela passa a ser vista por outros profissionais educados para a ordem do progresso neoliberal. O massacre ideológico mergulha a sociedade ante a esse fenômeno da modernidade nascente, com imagens cotidianas da violência e da animalidade.
Transmissão e preservação de conceitos simbólicos
O demos, o povo, a parte que não fala na democracia, pois deve dedicar seu tempo aos afazeres manuais, é posto de lado no relato escrito de sua história. Segregado dessa participação na construção do país, cria novas formas de auto-preservação. Passa a ser ícone da nação, na nova estética da globalização mundial, nesse momento já pautada pelo quarto poder e a ascensão dos espetáculos. Através de suas manifestações na arte, religião e interferência na organização dos espaços planejados, a história relatada nos veículos oficiais de transmissão da informação, e do conhecimento açulado, continuou tratando-a como a marca da besta sobre o país. O mal soberano que deve ser temido e combatido. Mesmo com o crescente olhar humanista, por parte da sociedade constituída no Direito Penal, escrito pelos detentores da ciência do discurso.
A sociedade em rede consolidou-se no macrocosmo da coerção social. Através da oralidade, da sonoridade e dos movimentos corporais, criaram-se formas para se resistir ao esquecimento completo, da memória da favela. O ato narrativo da vida desenvolveu-se e adaptou-se às técnicas apreendidas na nova mestiçagem brasileira. Junto à nova narrativa da história, a memória necessita de veias por onde fluir. A comunicação reside nos processos de transmissão e preservação dos conceitos simbólicos, assim, exerce através de seus atos de construção e desconstrução do real, um papel de difusor da memória coletiva.
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[Cristiano Pereira da Silva é pesquisador, Belo Horizonte, MG]