Friday, 01 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Esther Hamburger

‘Em sintonia com os tempos de favorecimento das quotas, a quarta edição do ‘Big Brother Brasil’ terminou com a vitória de Cida -a babá que entrou por sorteio, sem preparação prévia, depois do início do programa.

Contrariando os prognósticos, a versão tupiniquim do jogo que, a partir de sua origem holandesa, escandalizou a TV mundial, manteve bons índices de audiência.

Sua persistência vem da fórmula relativamente discreta -sem cenas escatológicas ou de sexo explícito- que o formato assumiu.

O ‘BBB’ pode ser definido como uma gincana onde jovens alunos, bonitos, saudáveis e aplicados -selecionados entre milhares de candidatos e julgados por milhares de telespectadores- aprendem com mestre Bial a se comportar diante das câmeras.

No caso do ‘BBB 4’ o apelo dessa espécie peculiar de ritual de passagem veio em larga medida da ativa interferência da edição de Fernanda Scalzo, que conferiu um ritmo ágil, com auxílio de recursos gráficos e eletrônicos.

Dessa vez a participação do público ficou restrita, deixando transparecer um tom oficial. Como sempre, os familiares uniformizados apareceram. O pessoal de Mangaratiba e São Gonçalo, cidades dos finalistas, mostrou sua solidariedade em praça pública.

Mas não sabemos exatamente quantos votaram em quem. Não seguimos a progressão dos números, nem ouvimos a voz de espectadores. A atração está na conciliação que o programa promoveu.

O suspense veio do drama, alinhavado em tom de novela, sobre os recortes de classe que dividem a sociedade brasileira.

Houve algum barraco. Ouvimos erros gramaticais, convencionais no dia-a-dia, mas que os microfones costumam ignorar. Mas o conflito foi contido.

Vimos Juliana ser surpreendentemente eliminada no domingo, com um discurso que salientou sua transformação ao longo da história, em prol da cidadania.

Presenciamos afinal um constrangedor arremedo de compensação simbólica dos subalternos, no tom pedagógico corrente. É possível pensar gincanas mais contundentes.’



Beatriz Coelho Silva

‘Cida dispensa carreira no show biz: ‘É preciso talento’’, copyright O Estado de S. Paulo, 8/04/04

‘A babá Gecilda da Silva dos Santos, a Cida, não sabe como gastará os R$ 500 mil que ganhou por vencer a quarta edição do Big Brother Brasil, com 69% dos 11 milhões de votos computados na decisão. Nos primeiros minutos de ontem, ao sair do confinamento, contou que vai comprar uma casa em Mangaratiba, balneário onde mora, no sul fluminense. ‘Ainda não decidi, mas não penso em voltar a ser babá’, disse. Cida também não quer arriscar uma carreira na televisão ou no show biz, como quase todos os participantes da competição. ‘Para isso é preciso talento e acho que eu não tenho’.

Cida, a primeira mulher a ganhar o reality show da Globo, era azarão assim como o auxiliar administrativo Thiago Lira dos Santos, finalista junto com ela. Ambos foram escolhidos por sorteio do cupom que saiu na revista do programa, no fim do ano passado, e vendeu mais de 10 milhões de exemplares.

Os prêmios que receberam não faziam parte nem de seus projetos mais ousados.

Cida, que disse ganhar R$ 240,00 por mês como babá, precisaria trabalhar 173 anos para acumular os R$ 500 mil e Thiago, que ganhou R$ 50 mil e um Fiat Stylo (Cida e Juliana também saíram da casa motorizados), pretende usar o dinheiro para terminar a casa de sua família e vender o carro. ‘Não tenho condições de mantê-lo e quero abrir um negócio com um amigo’, adiantou Thiago.

Ao contrário de Cida, calma durante todo o programa, Thiago chorou muito, de emoção, especialmente durante a entrevista coletiva que se seguiu ao anúncio dos vencedores, quando lhe perguntaram se ele estava disposto a fazer um teste de DNA para determinar se é ou não filho de um morador de São Gonçalo (sua cidade), que diz ser seu pai. ‘Se ele não apareceu antes, quando eu era criança e minha mãe cuidava de mim sozinho, não precisa mais…’, foi o que conseguiu falar. E também diferentemente dela, Thiago pensa em carreira na televisão e mesmo em posar nu. ‘Tudo depende da proposta.’

Mas o clima da noite era de festa e camaradagem. O programa alcançou 56 pontos de média (prévia para a Grande São Paulo, onde cada ponto equivale a 49,5 mil domicílios). Entre os televisores ligados, a Globo conseguiu 76% do bolo no horário (share), consolidando esta 4.ª edição como a mais vista de todas. No horário do BBB4, o SBT registrou 8 pontinhos.

Cida e Thiago deram declarações explícitas de amizade, mas negaram qualquer envolvimento maior. ‘Thiago é só amizade, foi muito bom o apoio dele aqui dentro’, completou Cida.

Embora a Globo não adiante oficialmente se haverá uma quinta edição do BBB em 2005, o diretor Boninho já tem planos para o próximo programa, cotado para ir ao ar também em janeiro.

O fato de dois finalistas terem sido escolhidos por sorteio também deve influenciar a próxima produção, pois Cida e Thiago funcionaram e tiveram muito mais carisma com o público que os outros candidatos escolhidos pelos olheiros da Rede Globo.’



Cláudia Croitor

‘Final do BBB mais visto fica com a 2ª maior audiência’, copyright Folha de S. Paulo, 7/04/04

‘Com 56 pontos de audiência, segundo dados preliminares do Ibope, a quarta edição do Big Brother Brasil, da TV Globo, terminou ontem tendo Cida como vencedora. Foi a segunda maior audiência entre as finais do BBB.

O episódio final da primeira edição alcançou 59 pontos de média, e as duas edições seguintes registraram, respectivamente, 45 e 55 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 47,5 mil domicílios na Grande São Paulo). Segundo a Globo, os dois finalistas receberam 11 milhões de votos de espectadores, por internet, telefone e mensagens de celular.

A quarta edição foi a de maior audiência do Big Brother, com 48 pontos de média.

Confinada na casa do Big Brother desde 13 de janeiro, a vencedora dos R$ 500 mil, Gecilda da Silva dos Santos, 21, ganhava um salário mínimo -R$ 240- por mês, trabalhando como babá, profissão que exercia desde os 12 anos em Mangaratiba (RJ). Cida, como era chamada no programa, recebeu 69% dos votos do público. É a primeira mulher a vencer o programa no Brasil.

O segundo colocado, Thiago dos Santos, 21, que recebia um salário de R$ 600 mensais como auxiliar administrativo em São Gonçalo (RJ), levou R$ 50 mil de prêmio. Além disso, cada um deles já havia ganho um carro.

Diferentemente dos outros 12 participantes, os dois finalistas não foram escolhidos pela produção do Big Brother. Eles entraram no programa depois de comprarem uma revista por R$ 2, preecherem um cupom e terem sidos sorteados.

O programa final teve a participação da banda Jota Quest, que tocou ao vivo, e dos outros 12 integrantes, que foram eliminados semanalmente.

O último capítulo mostrou os momentos que tiveram maior audiência no decorrer dos quase três meses de confinamento, como os romances e as brigas entre os integrantes da casa.’



Elisa Martins

‘Superpoderosa Cida’, copyright Época, 12/04/04

‘Há três meses, quando soube que havia sido sorteada para participar do Big Brother Brasil 4, a babá Cida telefonou do emprego para as irmãs. ‘Vou virar celebridade!’, brincou. Na terça-feira, Gecilda da Silva dos Santos, de 21 anos, não só ficou famosa, como entrou para a história da televisão como a primeira mulher a embolsar o prêmio de R$ 500 mil (Bárbara Paz ganhou R$ 300 mil na Casa dos Artistas). Por 69% dos votos dos telespectadores, ela foi a vencedora do reality show como um time que sai invicto de um campeonato. Não passou por nenhuma seleção prévia para entrar no BBB e enfrentou apenas um paredão. Comprou cinco revistas com a promoção ‘Quero ser um Big Brother’, da Editora Globo, e foi uma das duas pessoas sorteadas, junto com o auxiliar administrativo Thiago, com quem disputou a finalíssima.

Cida não sabe explicar sua vitória – cantada desde o início do programa por pesquisas e enquetes que a apontavam como grande favorita. Mas quem torcia por ela, justificava: sua condição social a fazia merecedora. Desde as primeiras semanas, esse BBB foi marcado por uma luta de classes doméstica. Rapidamente, com a ajuda dos telespectadores ansiosos por justiça social, o grupo dos ‘super-riquinhos’ foi sendo dizimado. Unidos, os ‘superpobrinhos’ – em especial Cida, Thiago e a frentista Solange, que saiu na penúltima semana – foram se encaminhando para a grande final. ‘As pessoas votam em quem tem poucas chances de reconhecimento social, numa tentativa de alçar os menos favorecidos à glória’, explica o comunicólogo Muniz Sodré.

A vida dura da babá ficou evidente logo no começo do programa. Sofrendo de dor de dente, teve atendimento de um dentista chamado pela produção. Depois explicou que não conseguia tratamento, apesar de já ter enfrentado fila em hospitais públicos três vezes. Também não escondia sua falta de conhecimento. Perguntou uma vez se Nova York e Paris eram a mesma coisa. Cida não se sentia à vontade em meio à maioria dos participantes. No dia de entrar na casa, quase desistiu. Foi convencida pela produção. No começo, passava boa parte do dia dormindo no sofá. Numa das festas do reality show, ficou deprimida, sendo socorrida por Thiago, mais seguro, que então começou a tomar conta da amiga. Aos poucos se soltou. Tanto que protagonizou beijos e cenas de edredom com Thiago, por quem chegou a dizer que estava apaixonada.

A antropóloga Mirian Goldenberg acredita que Cida e Thiago também ganharam o carinho do público porque não tiveram postura competitiva, nem tempo para elaborar personagens, transformar o visual ou pensar estratégias de guerra. Num dia foram sorteados, no outro já entravam, atônitos, na casa onde estavam os olhos de todo o país. ‘O fato de serem pessoas visivelmente comuns gerou no público um fator de identificação. Todos os outros, malhados, tatuados, siliconados, pareciam fabricados’, diz. Como uma Cinderela moderna, que derrota o príncipe no jogo, dispensa sapatinhos de cristal e ainda abusa do prosecco, a agora milionária ex-babá deixa o Brasil com a sensação de que Deus realmente ajuda quem cedo madruga.

Gecilda da Silva dos Santos, de 21 anos, parou os estudos na 5ª série do ensino fundamental e, como babá, sua profissão desde os 12 anos, ganhava apenas R$ 240 por mês. Acordava todos os dias às 5 horas e seguia para o serviço. Com muito esforço, conseguiu comprar uma geladeira em 12 prestações para a casa que dividia com o lavador de carros Sebastião Amorim, o Fifa, em Mangaratiba, município a 100 quilômetros do Rio. As duas irmãs, Cláudia e Ana Paula, e o pai, Nicola, moram perto da babá. A mãe, Cleonice, morreu em um acidente de carro quando Cida tinha 10 anos.

Agora que ganhou os R$ 500 mil, a babá decidiu que vai comprar uma casa e morar sozinha. Não quer saber do namorado, que andou declarando em revistas que estava sentindo falta de seu frango com macarrão e da faxina que ela fazia em casa. A grande vencedora do BBB quer voltar a estudar e ajudar o pai e as irmãs a melhorar de vida. Não descarta ajudar o amigo Thiago. ‘É só pedir’, disse, logo depois da vitória. Já anunciou que vai doar parte do dinheiro a uma instituição de caridade. Pensa também numa lipoaspiração. Diferentemente de tantos brothers, Cida ainda não pensa em carreira artística. ‘Não tenho talento para isso’, opina. Mas, voltar a ser babá, nunca mais.’