Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Estilingue quebrado

Todo mundo já atirou uma pedra na imprensa. Alguns com razão, outros sem saber o que faziam, mas a grande maioria, sem razão nenhuma. De tabela, quando atiram a pedra na imprensa, também procuram atirar uma pedra no governo. O estilingue irresponsável esteve em ação mais uma vez na semana que passou, desta vez na pena, quer dizer, no teclado de Milton Coelho da Graça.

Considero Milton Coelho da Graça um excelente jornalista, com experiência em grandes jornais e revistas, atualmente colunista do site Comunique-se. Na coluna desta semana, com o título ‘Mas que mancada, dona Imprensa!‘, Milton ataca a mídia nacional e, por tabela, o governo federal. A primeira, segundo o colunista, é culpada por não ter feito uma cobertura devida de um projeto de lei da Câmara (PLC). O segundo, por ter aprovado este projeto de lei.

Vamos aos fatos. O referido PLC é o 51/06 e prevê o fim da impenhorabilidade do imóvel considerado bem de família, caso seu valor seja superior a mil salários mínimos. Atualmente, um total de 350 mil reais. Com o reajuste do mínimo, esse patamar passaria para 375 mil reais.

O projeto também propõe a possibilidade de penhora de até 40% dos vencimentos mensais acima de 20 salários mínimos, atualmente 7 mil reais. Com o reajuste do mínimo, o valor passa para 7.500 reais. Deste valor devem ser excluídos o Imposto de Renda retido na fonte, contribuição previdenciária e demais descontos compulsórios. Enfim, a lei prevê que o devedor (podemos denominar alguns como caloteiros) que vive em alto padrão e se utiliza da lei para não cumprir suas obrigações agora tenha que rebolar para escapar dos devedores.

Suntuosidade

Medida justa, com certeza, ainda mais que garante ao devedor, no caso da penhora de seu imóvel, que fique com o valor referente a mil salários mínimos da quantia total alcançada com a penhora do seu bem. Em outras palavras, o devedor que tiver um imóvel no valor de 1 milhão de reais e com uma dívida de 800 mil reais, terá seu imóvel penhorado, mas ficará com 350 mil reais e o restante, 650 mil reais, será utilizado para quitar parte da dívida.

Sem problemas, a lei parece ser correta. O problema começa no lobby contra a lei. Primeiro o senador José Sarney vai à tribuna do Senado criticar a lei com o seguinte comentário: ‘Vejo que o Senado votou, não sei com que finalidade, a extinção desse princípio, que é basilar da justiça social’. Para Sarney, o devedor que mantém um alto padrão de vida deve manter esse padrão e, em palavras grotescas, danem-se os credores.

Ora, caro senador, imóvel acima de 350 mil reais não pode ser considerado bem de família, mas sim suntuosidade. A maioria da população brasileira vive em imóveis de valor abaixo de 100 mil reais e a quase totalidade em imóveis abaixo de 350 mil reais. Aliás, estes últimos são reservados apenas às classes mais abastadas, que recebem, vejam só, mais que 20 salários mínimos. Compreendo a posição do senador e defendo seu direito de pronunciar-se e não estou aqui para atacá-lo.

Confusão

O que eu não compreendo é a posição de Milton Coelho da Graça em sua coluna no site Comunique-se. O escrevinhador inicia com uma declaração entre aspas, atribuída ao senador José Sarney: ‘Como, no governo do presidente Lula, um homem que faz um programa social dessa natureza passa um dispositivo de lei como este aqui?’

Nas entrelinhas, o formador de opinião faz uma crítica indireta ao governo Lula ao citar a declaração do senador. E parece que o PLC é um atentado contra o programa social do governo, contra os objetivos de redistribuição de renda e de benefícios às classes menos favorecidas. Mas, como vimos, a proposta não ataca, aliás, não chega nem perto dos menos favorecidos.

A seguir, Milton mira na mídia. Como a imprensa deixou de noticiar tal fato? Como? Como? Aliás, a crítica de Milton começa a ficar confusa. Depois de criticar a mídia, ele mira o governo ao questionar como o ministro da Justiça propõe uma lei dessas sem distribuir release. Pior é que o próprio Milton utiliza Sarney como bucha de canhão, mas aponta que o mesmo senador que votou contra a iniciativa tinha aprovado a proposta quando presidente da República.

Escândalo

Depois disso, Milton parte com tudo para o ataque: ‘É simplesmente escandalosa a maneira como a proposta foi encaminhada e aprovada, porque mostra como o Executivo pode escamotear informações sobre uma proposta de lei, como senadores e deputados podem votar sem ter a menor idéia do que se trata, e como a imprensa pode ficar ‘por fora’ de assuntos extremamente relevantes para a população. A quem interessou essa operação ‘secreta’? Qual saco está sendo acariciado pelo Ministério da Justiça? Receita Federal? Ordem dos Advogados? Grandes escritórios de advocacia? Todos esperamos que a imprensa corra agora atrás das respostas a essas perguntas.’

Enfim, o colunista armou o estilingue, mas não percebeu que ele estava quebrado. Milton Coelho é excelente com as palavras e, pela forma como seu texto foi feito, temos a idéia de que todos os imóveis considerados bem de família podem ser penhorados. Esta não é a minha interpretação, mas dos participantes do fórum do site que abriga a coluna. Como exemplo, o leitor Euclides Faria comenta: ‘É confisco líquido e certo. Pobre não tem testa-de-ferro. Paga imposto e tem tudo no seu nome.’

Utilizo os termos do colunista para fazer as mesmas indagações: é simplesmente escandalosa a forma como se omitem informações sobre uma proposta de lei. Na coluna citada, o projeto não é explicado em seus detalhes. A quem interessa vetar a lei? Qual saco está sendo acariciado? Os caloteiros que freqüentam as altas rodas da sociedade brasileira? Enfim, concordo com Milton Coelho da Graça em que a mídia deve cobrir o assunto mais profundamente, mas não acho que os grandes jornalões farão isso, mostrando que a lei não vai atingir os pobres, mas apenas os ‘ricos de aparência’ e dívidas.

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Professor de Comunicação da Escola Superior de Ensino Empresarial e Informática (Eseei), ex-assessor de imprensa da Volvo do Brasil, Curitiba