Tuesday, 24 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Estupro, uma história mal contada

Entre sexta-feira e domingo (10-12/10), Observatório da Imprensa recebeu mensagens de leitores indignados com um texto do cineasta Henrique Goldman publicado na edição de setembro da revista Trip. Em ‘Carta aberta para Luisa’, o autor pedia ‘desculpas públicas’ a uma antiga empregada da família por tê-la estuprado quando adolescente – ou, como dito no subtítulo, transado ‘sem a vontade dela’.


O artigo levou à fúria leitores que lotaram o espaço de comentários do site da Trip. No artigo, Goldman conta da tarde em que, junto a um amigo de escola, convenceu a empregada, Luisa, a transar com os dois. ‘Era um tesão incontrolável, aflito, desesperado e covarde’, escreve. ‘Lembro de poucos detalhes. Você não queria, mas por força da nossa insistência acabou cedendo. Sinto ódio do Brasil quando penso que você provavelmente tivesse medo de perder o emprego’, continua, para, no fim, dizer que espera que Luisa esteja bem. ‘Espero que para você a memória daquela tarde não seja tão ruim e que você hoje possa rir do que aconteceu’, finaliza.


Ademais, Trip colocou um pé biográfico no mínimo revoltante – e, diante da polêmica, removido da internet. Era algo como ‘Henrique Goldman, 46, cineasta paulistano radicado em Londres, aprendeu a ser mais jeitosinho com as mulheres ao longo do anos’. Jeitosinho? Estupro agora virou falta de jeito?


Esclarecimentos


O texto de Goldman gerou tantos comentários enfurecidos – mais de 660, até 17h de quinta-feira (17/10) – que a revista teve de publicar um esclarecimento ao público. ‘Trip esclarece o que deveria ter ficado claro já na publicação da coluna `Mundo Livre´ da edição de setembro: trata-se de um texto de ficção, um recurso usado com freqüência pelo colunista Henrique Goldman’, diz a nota, que ainda pede desculpas ‘por não ter apontado o caráter ficcional do texto `Carta Aberta para uma Luisa´. E, ainda, pelo desastrado pé biográfico (já corrigido). As duas atitudes conferiram, involuntariamente, um tom leviano a um assunto que não pode nem deve ser tratado levianamente – seja como ficção ou como realidade’.


O site traz também nota de Goldman. ‘Antes de mais de nada, preciso esclarecer algo: nunca estuprei ninguém na minha vida’, afirma. ‘Meu único `crime´ foi ter feito um texto ficcional sem deixar isso claro. Estou muito abalado com tantas mensagens agressivas que recebi. Me arrependo muito de ter criado este mal-entendido num mundo já tão cheio de merda e incompreensão’.


Trip completa sua nota de esclarecimento ressaltando que há muitas Luisas pelo mundo. ‘Assédio e violência sexual são crimes freqüentes no Brasil. Como tais, devem ser repelidos, denunciados, combatidos e debatidos’. Debatidos de maneira responsável, vale lembrar. O que fez a revista com o texto de Henrique Goldman – embora louve-se o reconhecimento do erro e o pedido de desculpas – é irresponsável. Ao esquecer a regra básica da contextualização, Trip ajudou a criar mais um ‘mal-entendido’ em um mundo ‘já tão cheio de merda e incompreensão’.


A coluna de Henrique Goldman e as notas de esclarecimento da Trip e do autor podem ser lidas aqui.

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Jornalista