Depois de um amistoso papo com amigos jornalistas, regado a um bom vinho, em celebração aos 25 anos de uma admirável repórter, ouvi muito bem a frase: ‘Eu odeio matéria recomendada’. Escutei esta frase de forma unânime.
Passado o efeito alcoólico, cheguei à seguinte conclusão: ‘Sorria, pois o patrão está te pagando’. Mas isso me pareceu tão óbvio, uma vez que eu absorvi uma idéia empregada pela minha irmã (que também é da área de comunicação), de que os jornais se tornaram grandes assessorias de imprensa.
Impressionante, não? Por conta de uma conclusão tão palpável gostaria de dizer aos meus colegas de profissão que eles precisam, a partir de agora, se enxergar como assessores de imprensa. Só para exemplificar: seu patrão precisa aparecer bem na foto, digo, na mídia.
Se os jornalistas – que são repórteres, editores, chefes de reportagem, diretores/coordenadores de redação, assessores de imprensa (falar destes já seria um outro bom assunto) etc. – olharem suas atividades diárias na produção de notícias por esta ótica (de que o patrão está pagando) será mais fácil o trabalho. Pelo menos, depois desta minha conclusão, o jornalista já não vai mais dizer que odeia fazer matéria recomendada. Pelo que me parece, os assessores de imprensa não sofrem tantos dissabores no desempenho de suas atividades, uma vez que já conhecem muito bem o patrão. Aos demais companheiros dos jornais, acredito que seus neurônios entrem em curto-circuito, uma vez que o patrão precisa representar, além dos seus interesses próprios, os de seus inúmeros clientes.
Os desejos do gerente
Os jornalistas precisam acabar com a utópica idéia de que os jornais servem para defender o interesse público. O ponto que deve ser claro quanto a isso é que o famoso ‘interesse público’, que norteia os princípios da produção jornalística, deve ser visto de outro ângulo. De fato, os jornais continuam a defender os interesses, só que são os interesses ‘do público’. Antes mesmo de falar da diferença entre interesses é bom que se ressalte uma coisa: interesse público é uma noção que o jornalista tem, mas não é uma característica sua, até porque ele não é Deus, vidente, ou qualquer coisa parecida. Portanto, o jornalista precisa entender que interesse público é um critério de noticiabilidade.
Mas onde estaria a diferença entre ‘interesse público’ e ‘interesse do público’? A diferença pode ser observada da seguinte maneira: no primeiro caso não há a contração da preposição de mais o artigo o, levando a crer que não há determinantes para tais interesses. Já no segundo caso, a preposição do (de+o) é fator determinante para a classificação de certo público. Vamos exemplificar: um diretor de redação determina que sua reportagem faça uma matéria recomendada, para tratar da inauguração de uma loja de motos. Durante o evento, não há absolutamente nada que norteie os princípios do jornalismo em informar e prestar contas de assuntos que, via de regra, são de interesse público (como vagas em escolas, denúncias de maus tratos em hospitais e assim por diante).
Na verdade, o jornal está apenas defendendo o interesse do público, especificamente atendendo aos desejos do gerente da nova loja e conferindo importância aos clientes e amigos do mais novo empresário do ramo de motos.
Para não perder o hábito
Raciocinando bem, isso não é idêntico ao papel de um assessor de imprensa? Ter que sempre falar bem do patrão? O que os jornalistas precisam perceber é que, embora não caiam em suas mãos nem as migalhas do que o setor comercial do jornal fatura com o contrato de um novo cliente, o patrão está pagando por esta notícia.
Deixe-se claro que sou contrária a este posicionamento dos jornais em atender aos interesses do público, mas hoje em dia fazer uma alegria ao público (defendendo seus interesses e com ênfase nos sempre menos favorecidos), tornou-se jornalisticamente algo muito romântico. Tornou-se um romantismo porque os jornais são empresas e, como tal, visam sempre o lucro. Os jornais, sob este prisma, vendem seus produtos, entre eles, as matérias recomendas, também conhecidas sob o título de ‘informe publicitário’, ou seja, a conhecida matéria paga.
Talvez, os jornais ainda façam vez ou outra por atender ao interesse público, somente por uma questão de não perder o hábito da prática do jornalismo. Por isso, não existe matéria recomendada. Sei que não se paga tão bem por horas incansáveis na apuração das pautas e na conclusão das reportagens em frente aos computadores, nem tampouco por horas extras, mas nesta nova visão de que todo jornalista é assessor de imprensa, volto a dizer: ‘Sorria, o patrão está te pagando’.
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Formada em Comunicação Social, habilitação Jornalismo, pela Universidade Federal do Maranhão