Choque. Não há palavra melhor. Eu, você, a titia, o titio, o papito, a vovó. Estamos todos em estado de choque. Ninguém acredita na crueldade com que foi morta a menina Eloá. Ninguém acredita em Lindemberg.
Acredite-se ou não, Eloá está morta e nós somos cúmplices de Lindemberg. O assassinato da menina de 15 anos revela nossas fraquezas, nosso instinto repórter mais assassino.
Em breve, muito em breve, Eloá será mais uma lembrança, um número morto nas estatísticas da polícia. Mas Eloá é mais que uma simples variável homicida. Eloá lembra, por sua morte, o lado mais torpe do nosso comportamento ao assistir televisão.
Britto Jr. trouxe um especialista em segurança. Lá estamos nós, jornalistas e telespectadores. Em frente ao cubo mágico, damos palpites de como deve agir a polícia. ‘Eloá devia simular uma volta para os braços de Lindembeg’, pensamos.
Datena grita, Boris Casoy diz que é uma vergonha. Sônia Abrão entrevista Lindemberg, faz o papel de polícia, despreparada, ao negociar com o seqüestrador. E lá estamos nós, afoitos para que o próximo plantão da Globo venha ao ar com uma nova notícia. O que acontecerá?, questionamos.
Agora, querem justiça
E lá se vão dois, três, quatro dias. Tempo suficiente para Lindemberg virar celebridade, ser entrevistado, cativar o público. O Ibope não pára de subir. São momentos de glória da TV brasileira. E ninguém reclama do modo espetaculoso com que as coisas são exibidas.
Atenção, música! Todos correm para a televisão. A polícia explode, invade o apartamento. Eu, você, a titia, o titio, o papito e a vovó nos excitamos ao pensar na possibilidade do resgate hollywoodiano à moda brasileira, numa CDHU, faces das desigualdades.
Contudo, o que vem é uma cena de terror. Eloá ensangüentada, configurando um tapa na cara de todos aqueles que esperaram horas pelo final feliz.
No dia seguinte, apreensão. Edição especial do SPTV. Público atento. Eloá está para morrer. A família autoriza que seus órgãos sejam doados. A menina tem morte cerebral. Os mais apressados culpam a polícia. Os mais raivosos pensam em matar Lindemberg.
Agora, todos querem justiça. Ninguém pensou em desligar a televisão? Quem sabe assim os holofotes saíssem de Santo André, voltassem para Brasília? Quem sabe? No mundo torto da televisão, os telespectadores são reféns e cúmplices de assassinatos. Todos conhecem Eloá, Nayara, Liana e João Hélio. Mal devem conhecer Daniel Dantas ou mesmo o vereador que elegeram.
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Estudante de Jornalismo da PUC-SP, Embu-Guaçu, SP