Como a grande maioria dos escândalos envolvendo a mídia americana, o episódio dos documentos forjados no 60 Minutes também ganhou livro. A ex-produtora do programa da rede CBS, Mary Mapes, lançou esta semana Truth and Duty, onde escreve sobre a edição que lhe custou o emprego e despeja farpas para todos os lados, de Bush e Karl Rove até a imprensa tradicional, blogueiros, Les Moonves e todos os que ela culpa pelo declínio de sua carreira. Nem seu pai escapou do bombardeio.
Relembrando: Mapes era a produtora responsável pelo programa que acusava Bush de ter recebido tratamento privilegiado quando serviu na Guarda Nacional, na década de 70. As acusações eram feitas com base em documentos que, questionados posteriormente, nunca tiveram sua autenticidade comprovada. A polêmica em torno do episódio levou a emissora a abrir uma investigação independente, que concluiu que a equipe não teria agido com motivação política, mas teria cometido erros básicos de apuração jornalística. Além de Mary, foram demitidos o produtor-executivo Josh Howard, sua assistente Mary Murphy, e a vice-presidente sênior Betsy West, supervisora dos programas jornalísticos do horário nobre. O episódio também prejudicou o apresentador Dan Rather, que não perdeu o emprego, mas abandonou o cargo de âncora da emissora depois do escândalo.
O programa foi ao ar em setembro de 2004. O longo ano de silêncio sobre o caso é justificado por Mapes como um tempo para botar a cabeça no lugar. Ela diz que estava ‘extremamente detonada’ com o turbilhão de críticas que recebeu. A ex-produtora conta no livro que teve seu endereço publicado na internet e temia pela segurança de seu filho de sete anos.
Poucos elogios, muitas críticas
Sobre o programa, ela assume parte da culpa, mas enfatiza as pressões que sofria de seus chefes. ‘Eu não sabia dizer ‘não’. Tentava simplesmente agradá-los’. Para Dan Rather, que ela classifica como uma ‘pessoa tremendamente leal’, só elogios. ‘Dan foi traído por muita gente, e certamente pela companhia pela qual ele acordou e foi trabalhar durante 40 anos de sua vida’.
Para o presidente da emissora, que ordenou a investigação sobre o programa, sobram farpas. ‘[Les Moonves] não sabe diferenciar jornalismo de agricultura’. Sobre o casamento do presidente com a âncora Julie Chen, do Early Show, Mary escreve: ‘Eu costumava dizer que tudo o que Les sabe de jornalismo havia sido transmitido a ele sexualmente. Agora eu sei que nem com isso ele aprendeu’.
A revolta da ex-produtora recai ainda sobre o estrategista político e amigo de Bush Karl Rove, que afirma ser ‘o gênio por trás do ataque republicano à matéria’. Apesar de dizer que não tem nenhuma prova do envolvimento de Rove no caso, ela afirma que ele foi uma ‘figura inspiradora’ para os críticos.
Segundo artigo de Howard Kurtz para o Washington Post [9/11/05], a vice-presidente da CBS, Linda Mason, afirma que Mary foi demitida porque sua ‘apuração básica foi falha. Ela confiou em documentos que não puderam ser comprovados. Ela guiou outros que confiavam nela por um caminho errado’. A ex-produtora, por sua vez, diz acreditar que os polêmicos documentos sejam verdadeiros, mesmo depois que três especialistas em documentos atestaram não poder confirmar sua veracidade. ‘Você pode encontrar gente pra dizer sim ou não pra qualquer coisa’, diz ela.
Mary foi criticada publicamente até por seu pai, de quem está afastada há 15 anos. Ele a acusou de tentar promover radicalmente o feminismo. Ela ataca o pai, dizendo que ele era alcoólatra, e se defende. ‘Foi constrangedor. Fez-me sentir mal. Senti que eu não tinha mais privacidade’.
Mas a maior parte da fúria de Mary talvez seja dedicada ao blogueiros ‘cruéis’ que começaram a questionar a matéria do 60 Minutes poucas horas depois dela ter ido ao ar. A ex-produtora acredita que foram eles que guiaram o tom da cobertura de todos os grandes veículos de comunicação americanos sobre o caso. ‘Eu fui atacada, Dan foi atacado, a CBS foi atacada 24 horas por dia por pessoas que se escondem por trás de apelidos’, afirmou.
Sobre o futuro, Mary diz esperar continuar no jornalismo. ‘É no que sou boa’, afirma. ‘Gosto de fazer a diferença’.