É impressionante a capacidade da grande imprensa diária de ser mesquinha e preconceituosa. Os jornais, principalmente os impressos, em diversas ocasiões tomam iniciativas totalmente avessas aos ‘manuais de redação’ que tanto dizem prezar e cumprir.
Exemplo marcante disto foram as ilustrações da Folha de S. Paulo com respeito ao caso do estudante sul-coreano e as mortes que provocou nos EUA. Na reconstituição do jornal, claramente havia sido desenhado a silhueta e os traços de um rapaz negro em vez de um branco de origens orientais. O fato não passou imperceptível por leitores do jornal, que escreveram ao ombudsman demonstrando o seu pesar e protesto.
Este foi apenas um dos vários casos em que a imprensa demonstrou sua falta de profissionalismo na cobertura jornalística. Afinal, quando os jornais não apelam pelo sensacionalismo imbecil, como foi o caso com a morte do menino João Hélio, noticiam apenas ‘o lado’ de acordo com a maré publica do senso comum: se nesta semana um menino de classe média é agredido por criminosos que moram em favela, e depois em uma ação contra a violência um policial morre, então a culpa de tudo é dos adolescentes das favelas. Começa-se a discutir a maioridade penal e blablablá… Agora, se na mesma semana um policial mata uma criança de 4 anos por espancamento, e depois, numa outra ação policial, morre um jovem da favela, então a maré muda e a culpa de tudo passa a ser da polícia. Discute-se a criação de uma CPI e blebleblé.
Os fatos acima mencionados, por serem de maior amplitude, podem ser comprovados mais facilmente e isto não diminui sua ocorrência, embora os jornais, e mesmo o Observatório da Imprensa, estejam abarrotados de textos e manifestações de denúncias dessas mesquinharias. A questão do simplismo e do preconceito é tão arraigada na imprensa diária que invade até as legendas, que sempre vêm acompanhadas de contextos que, indiretamente, condenam as pessoas presentes nas fotografias e das quais a matéria fala.
Comercialização e efemeridade
Quase sempre, as matérias que tratam da morte de adolescentes nas favelas do Brasil, vem acompanhadas das legendas ‘família diz que ele era estudante (etc.)’. A palavra ‘diz’, neste contexto, traz um aspecto ambíguo, colocando em questão a veracidade da informação fornecida pelo familiar em contraste com o fato ocorrido. Ou seja, cria, indiretamente, a situação: como ele poderia ser estudante (estereótipo de honestidade e boa índole), se foi morto em uma ação policial no combate ao crime organizado? Fazendo assim com que a ‘aura’ em torno da matéria seja a de que ou a fala da família é mentirosa ou a família não sabia das atitudes do falecido, pois a inserção da expressão ‘diz que’ não coloca em dúvida a possível falha da operação policial.
Sendo que a colocação de expressões como a citada acima serve apenas para criar uma visão totalmente preconceituosa e sugestiva quanto a conclusões sobre o caso – passa a exercer um papel subjetivo e não informativo e, portanto, não é jornalismo. O jornalista não tem a função e nem o poder (enquanto redator de matérias de interesse público) de julgar; tem que ser objetivo, e não escrever baseado em pré-conceitos. Em qualquer Manual de Redação mequetrefe estão delimitadas essas funções. Ao mesmo tempo, a expressão em si mesma é absurda, pois do ponto de vista jornalístico não é relevante, já que ser ou não estudante (trabalhador, etc.), neste caso, não contribui para sua morte e, portanto, se a família afirma a profissão do falecido –e até que haja questionamentos comprovados quanto a esta – a informação tem de ser considerada verdadeira.
Não há justificativa para a imprensa visto que ela não confere o mesmo tratamento em outros casos. Em nenhum momento a expressão, quando da morte de um policial ou oficial, ‘família diz que era um policial e não era corrupto’, foi utilizada. Da mesma forma que ‘mãe disse que era um político honesto’. Por que o tratamento diferenciado? Se a imprensa resolveu destituir julgamentos e induzir conclusões de acordo com o seu interesse, por que não fazê-lo com todas as editorias e matérias?
Corromper imagens e distorcer informações tem sido o que mais a imprensa diária tem feito na cobertura jornalística do país. Mostrando-se incapaz de discutir a situação sócio-político-econômica-cultural-geográfica e totalmente insuficiente em sua função de oferecer à população uma informação com credibilidade. Essa opção da imprensa de ser simplista coloca em questão tanto os limites da imprensa como sua função neste novo século cuja informação tornou-se objeto de comercialização e efemeridade.
Quem ‘atira a pedra e esconde a mão’ não pode afirmar que seja um ‘jornal a serviço do país’ ou mesmo ‘um jornal imparcial’. Mais de 100 anos de imprensa diária e ainda estamos no período cretáceo.
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Coordenador de Comunicação, Jundiaí, SP