Dois anos atrás, em 19 de setembro de 2004, O Liberal reservou três páginas de sua edição dominical para um anúncio que abria com um título involuntariamente profético: ‘Tá cheio de jornal por aí que também parece, mas não é’.
Ilustrando a primeira das três páginas, uma colagem com a foto de uma barraca de camelô, vendendo produtos de marcas suspeitas, e um exemplar de jornal pendurado pelo meio. O título do jornal não aparecia, mas o observador não precisava de muito esforço para verificar que se tratava do concorrente do jornal dos Maiorana, o Diário do Pará.
A mensagem subliminar era de que o Diário se parece com um jornal, mas não o é de fato. Por que não? A explicação vinha nas duas páginas seguintes do anúncio da casa: ‘Só quem é filiado ao IVC tem números confiáveis’. Somente O Liberal e o Amazônia Jornal podiam se proclamar ‘os dois jornais de maior tiragem da Região Amazônica’, por serem os únicos de Belém auditados pelo IVC (na Amazônia há mais dois, um em Manaus e outro em Porto Velho).
Prosseguia a peça na sua terceira página:
‘O IVC é o mais respeitado instituto de verificação de circulação do Brasil. Todas as publicações sérias são auditadas por ele. E segundo o próprio Instituto, O Liberal e o Amazônia Jornal têm a maior tiragem da Amazônia. Aliás, O Liberal é também o maior jornal do Norte/Nordeste e o 18º do país. Só quem tem números verdadeiros mostra a cara no IVC. Por isso, antes de escolher o seu veículo, cuidado. O que não falta é notícia falsa por aí’.
Posição falsa
No ano seguinte, o IVC constatou que seu cliente lhe estava passando notícia falsa sobre sua circulação. Ao auditar a informação jurada do editor de O Liberal e do Amazônia Jornal relativas ao primeiro semestre de 2005, constatou que os números estavam aumentados de 100% até 140%. Cobrou providências da empresa. Mas no segundo semestre a fraude foi mantida. Novamente não houve correção.
No mesmo dia em que o IVC enviou seus técnicos para verificar a circulação dos dois jornais da família Maiorana durante o primeiro trimestre deste ano, a empresa se desfiliou às pressas do que até então era, para ela, o ‘mais respeitado instituto de verificação de circulação do Brasil’ (que continua a ser até hoje, para todos). Nunca antes houvera episódio semelhante na história de meio século do IVC.
O que aconteceu depois desse episódio melancólico e grave? Simplesmente nada. O Liberal continua se anunciando como o maior jornal do Norte e Nordeste do Brasil, o que já não é (se é que o foi alguma vez). Ora, se antes tinha direito a esse título porque o IVC o avalizava, agora que não é mais cliente do instituto, não passou a merecer também o título que antes aplicava ao concorrente?
Mas como ninguém reage, deve continuar a cobrar, por essa falsa posição de prestígio, os preços mais altos do mercado. E as agências de publicidade devem continuar a recomendar aos seus clientes que paguem. E todos a fazer de conta que a má ficção é realidade.
Circulação em dobro
O grupo Liberal faz o que quer nesta terra porque as pessoas se submetem a todas as suas vontades e caprichos, conferindo-lhe um poder absoluto, o pior de todos porque corrompe absolutamente, conforme adverte a sabedoria popular (sem necessariamente tratar de dinheiro).
Na semana passada, por exemplo, o jornal deu uma alfinetada no Banco da Amazônia, na coluna ‘Repórter 70’. O Liberal disse que o balanço do banco foi maquiado para elevar seu lucro, eliminando um item oneroso no passivo, a dívida do fundo complementar dos seus funcionários, a Capaf, que é exigível. A crítica é procedente. Mas se o banco publicar o seu balanço completo, a mordida será apenas a primeira e última estocada? Se não, começará uma nova campanha, como há cinco anos, pelo mesmo motivo? Então, o balanço integral foi publicado nas páginas do jornal e o que era sólido desmanchou no ar.
Até fatos elementares são adulterados pelo jornal. Na edição de domingo (17/9), o marcador do jornal registrava a edição de número 31.520. O Liberal completará 60 anos em 15 de novembro. Se o jornal tivesse circulado todos os dias durante 60 anos e se cada ano tivesse sem falta 365 dias, a edição do 60º aniversário, em 15 de novembro, seria a 21.900ª. Ou seja: o jornal conta em dobro cada edição que coloca nas ruas, um atavismo que se estendeu à circulação, com os resultados que todos já sabem, mas todos esquecem. Daí o pregão da credibilidade.
Depois reclamam de ser explorados. Merecem.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal