‘Se uma guerra rebentar entre os homens e as bestas selvagens, estou do lado dos ursos’ (John Muir)
Semana passada os meios de comunicação no Brasil debateram um episódio do seriado americano Lei & Ordem no qual era apresentada a comissão olímpica carioca de forma corrupta. Essa personagem não é nova. Agora, o que não passou despercebido foi a localização dessa apresentação, em pleno período de escolha da cidade-sede, agravando ainda mais a situação por conta de uma cidade americana estar na disputa, mesmo que em desvantagem.
Não dá para aceitar como desculpa a licença poética, nem muito menos um desconhecimento geográfico/político da região (estereótipo americano). É preciso entender o que isso significa e quais as razões para discutir essa ação. Ninguém é contra os seriados, novelas, filmes ou propaganda, mas é preciso dar condições à sociedade para decifrar seus códigos, significantes e significados.
Para Thoreau, em A desobediência civil, o melhor governo é o que absolutamente não governa e que assim será quando os homens estiverem preparados para ele. Será que estamos preparados para tomar nossas próprias decisões? Será que nesse modelo de sociedade dominado pela mídia somos preparados para ter o controle da informação, ou para sermos controlados por ela?
Como os espaços foram ocupados
No filme Tiros em Columbine, de Michael Moore, o cantor Marylin Manson – acusado pela imprensa americana de ter influenciado os estudantes a puxarem os gatilhos matando dezenas de pessoas – faz uma leitura do entretenimento que raramente a maioria faz. Ele aponta o medo e o consumo como pontos estruturantes de um círculo que se move a cada clique do controle remoto, ou a cada curso a uma sala de cinema. Tudo passa a ser, segundo ele, ação e reação. Ação – estudantes atiram e matam outros estudantes; reação – alguém é culpado. Quem? O presidente americano que estava bombardeando um país qualquer naquele mesmo dia, ou o rock star que vende milhares de discos? O que trás mais audiência e menos dor de cabeça? Essa manipulação faz parte de um organismo dominador que, para Perseu Abramo, é evocado como padrão. Nesse caso, padrão de ocultação em que há um deliberado silêncio militante sobre os fatos da realidade.
Como distinguir ficção e realidade? Não é fácil. Imagine se o seu bairro fosse tão violento como a maioria dos que estão no Jornal Nacional. Se o seu vizinho fosse criminoso como os que povoam aquele espaço? Se todo político fosse ladrão e não estivesse nem aí para a opinião pública? É essa ação imaginária que comove e refaz o real subjetivo de cada um. Uma força que atrai e repulsa o real. Para Nietzsche, em O anticristo, ser cristão ajuda nesse exercício: ‘No cristianismo, nem a moral nem a religião têm qualquer ponto de contato com a realidade. São oferecidas causas puramente imaginárias (Deus, Alma, Eu, Espírito, Livre Arbítrio – ou mesmo o Não-Livre) e efeitos puramente imaginários (Pecado, Salvação, Graça, Punição, Remissão dos Pecados).’
O idealismo midiático tem como condição o sacrifício da lógica, da razão humana, a renúncia à ciência. Recentemente, a Venezuela adotou nova postura educacional chocando de frente com esse idealismo. O estudo crítico da mídia estará nas salas de aula de todo o país e os venezuelanos poderão entender melhor aquilo que consomem como informação, notícia e entretenimento. Aqui, no Brasil, isso é praticamente impossível de acontecer. O governo não é o primeiro poder. A imprensa ocupa esse lugar, não de forma constante, mas inconstante, num movimento semelhante ao de um elevador que ora está no primeiro, ora no quarto andar. Fazer o povo se questionar sobre o que estão tomando como verdade não é a vontade dos nossos líderes. Na Venezuela, como aqui e em quase todo o mundo, a mídia já ocupou as salas de aula. Só que a diferença entre o país de Chávez para o restante é que lá será possível se dar conta de como esses e outros espaços foram ocupados.
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Jornalista, blogueiro e apresentador de TV, Fortaleza, CE