Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Fidel na boca do outro

Este é um caso tão caricato como um inimigo de James Bond. Para ganhar só mesmo a capa da Época com o título ‘Caloteiros da fé’, onde a manchete substituiu a documentação… Atualmente sobre a batuta de Carlos Henrique Schroder, diretor da Central Globo de Jornalismo, e tendo Erick Brêtas como editor-chefe, há anos que o último jornal da noite da Globo nos presenteia, com o nome de ‘informação’ e sua impermeável editorialização não assumida, sua visão conservadora, fechada em seu mundo teórico ‘liberal’ (?) e surda à realidade mais ampla.


Cada edição começa com o inigualável ‘editorial’, sendo os casos mais notórios aquele em que ironizaram a oferta da Argentina ao FMI – e tiveram que ficar com o sorriso ultra-amarelo quando o órgão aceitou no dia seguinte – e a narrativa melodramática do caso Aracruz, na manifestação das trabalhadoras rurais, que não apresentava absolutamente nenhuma tentativa de explicação, mesmo sendo o caso do eucalipto um dos maiores desastres ecológicos do estado.


‘Palavras incompreensíveis’


Tem mais. A mais que hilária foi a crônica do colunista Carlos Alberto Sardenberg sobre Thomas Friedman, ‘pai da globalização’: ‘Já foi perdoado?’, ‘Claro! Já foi perdoado…’. Ah, e tem o pornô-mal-informado-tão-esquerda-que-é-direita do Jabor… bizarro! Aliás, o Jornal da Globo conseguiu demitir Franklin Martins, esse oásis de independência no jornalismo brasileiro, porque alguém que faz ‘ficção política’ e nunca dá a fonte para poder inventar sem ser cobrado, e que enfrenta processo movido pelo próprio Sindicato dos Jornalistas, lançou um blefe contra ele… Em terra de opinião, prova não é nada…


Isso todo mundo sabe. Mas na terça-feira (30/1) o Jornal da Globo subiu um ponto mais na ‘ocupação’ da notícia pela política: Fidel Castro foi vítima de uma deprimente ridicularização, doente como estava. Enquanto sites na rede falavam de uma ‘melhora visível’ e a Record mostrava as mesmas imagens com a expressão ‘um aspecto melhor’, o JG começou falando em ‘o ditador’ que fala ‘palavras incompreensíveis’ e, no final, ‘não fica claro se fala’ de sua saúde ou de Cuba quando promete que ‘não é uma luta perdida’ (quando ficou bem claro para a Record; esse ponto também é irônico: os bispos são mais liberais?) … Além de sempre falarem em ‘câncer’, causa apenas sugerida como hipótese…


Malas e dossiês


Não somos obrigados a gostar de Fidel Castro, mas temos de lembrar que ele não é nenhum bobo. Ele é capaz de dizer, por exemplo, na entrevista que deu a Fernando Morais para a Veja, em 1977:




‘Uma política conseqüente de direitos humanos teria de colocar em primeiro lugar o fim da corrida armamentista, o estabelecimento de um clima de paz no mundo, a resolução dos problemas de milhões e milhões de pessoas que vivem no subdesenvolvimento’ (A arte da Entrevista, org. Altman).


E, sobre as questões de direitos humanos que levam os EUA a continuar com o bloqueio total a Cuba, condenado pelo papa como imoral e pela ONU 26 vezes:




‘A cada mês ocorriam dezenas de desembarques clandestinos de armas (da CIA) em Cuba (mas) desde nossa luta nas montanhas contra a ditadura de Fulgêncio Batista inculcamos em nossos combatentes uma consciência de ódio à tortura’.


Em geral resisto ao tipo de comentário ‘a mídia quer derrubar o Lula’. Mas depois dessa ‘campanha’ pelo 2º turno, malas que duraram meses, dossiês de primeira página, ‘montanhas’ vistas de baixo… Hoje, para melhorar, Lula diz no Jornal Nacional que ‘vamos ter de contratar mais professores, mais engenheiros, mais pessoas para cuidar o meio ambiente…’ e a jornalista o introduz com ‘presidente fala em mais gastos’. Ah, a gente não quer só política.

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Mestre em Filosofia,
Porto Alegre, RS;
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