Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Financiamento sem contrapartidas

Um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), para aquisição de nova tecnologia de transmissão digital, foi aprovado recentemente sem qualquer exigência de contrapartida. A emissora disporá de dinheiro dos cofres públicos a juros baixíssimos sem contrapartidas.

O empréstimo de R$ 9,2 milhões, aprovado no final de abril pelo BNDES, à Rede de Televisão SBT – com base no Programa de Apoio à Implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre (ProTVD) – é destinado à migração das transmissões do sinal analógico para o digital. De acordo com comunicado do banco, os recursos cobrem 86% das necessidades da emissora para modernizar seus transmissores. O BNDES, porém, não exige contrapartidas, a não ser o pagamento das parcelas contratadas.

A assessoria de imprensa do banco esclareceu, em entrevista ao e-Fórum, que as condições exigidas às emissoras são somente garantias bancárias. ‘No caso do empréstimo ao SBT, a emissora vai utilizar a verba para melhorar o equipamento de transmissão analógica. Subentende-se que esse aprimoramento seja uma etapa da transição para o sistema digital. Não existe nenhum tipo de exigência em relação à programação ou conteúdo televisivo, nem é objetivo deste programa’, diz a assessoria.

Os princípios

Para o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), a iniciativa do banco é bem-vinda, porém o problema está nas condições sob as quais o BNDES concede o financiamento. Sendo o BNDES um banco público, deveria estabelecer, a qualquer emissora que se beneficie de seu financiamento, critérios induzindo o respeito à Constituição, priorizando as funções educativas, artísticas, culturais e informativas de sua programação, visando a reverter à sociedade o benefício dado à entidade privada.

‘Estamos vendo a reprodução de uma política que privilegia o patrimonialismo pernicioso, instalado desde o surgimento das comunicações eletrônicas no Brasil’, constata Berenice Mendes, cineasta, membro da coordenação executiva do Fórum. ‘O setor da radiodifusão se diz privado, não admite regulação e não atende às regras constitucionais’, acrescenta, lembrando que o uso de dinheiro dos cofres públicos serviria, assim, para aumentar o patrimônio privado das emissoras, que não precisa se comprometer em nada mais para dar retorno à sociedade. ‘Elas quase sempre visam somente ao lucro, sem se preocupar com o que é melhor para a população.’

O artigo 221, Capítulo V, da Constituição Federal define os princípios que as emissoras de rádio e TV devem seguir. São eles: a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; a promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; a regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Novo episódio, velho problema

Em 2002, as emissoras do setor privado de televisão passavam por uma situação de instabilidade financeira e foram até o governo federal solicitar financiamento por meio de linhas de crédito especiais. Um programa, apelidado de Promídia (em referência ao programa de socorro financeiro aos bancos privados, executado durante o governo FHC, o PROER), estava sendo cogitado para vir em socorro dessas emissoras. ‘Isso só não ocorreu porque houve intensa reação da sociedade’, lembra a cineasta.

Na época, o FNDC lançou o documento ‘Crise da Mídia: um assunto da sociedade‘ defendendo a aprovação de empréstimos dos cofres públicos somente sob critérios transparentes, negociação pública e contrapartidas sociais. Do texto elaborado pelo Fórum, destacam-se pontos fundamentais:

** Se a origem do dinheiro é pública, parece justo que haja maior transparência quanto a seu destino.

** Se o BNDES é um banco público, seria justa a criação de espaços de interlocução nos quais a sociedade possa participar das decisões sobre os investimentos de real interesse do conjunto da sociedade.

Entre as mais de vinte entidades que assinaram o documento estava a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom). A professora Ada Cristina Machado da Silveira, coordenadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas e Estratégias da Comunicação da Intercom, defende que deveria haver controle sobre esses empréstimos, através, por exemplo, do estabelecimento de cronogramas, franjas horárias, formatos, gêneros e padrões de conteúdo a serem estimulados e veiculados pelas empresas financiadas. ‘E estabelecer multas com valores financeiros altos, acréscimo de juros ou renegociação do financiamento ou protelação do alcance de parcelas, caso as cláusulas não forem obedecidas’, indica.

O ProTVD

Luiz Chacra Gerace, presidente do Sindicato Interestadual dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual (STIC) – entidade que também assinou a Carta Aberta, em 2003 –, afirma que a questão não é ser contra o empréstimo, o investimento. Segundo ele, o problema é anterior. ‘A instalação da televisão, que é uma concessão pública, resultou, no Brasil, nesse modelo concentracionista de monopólios. A televisão acabou com o sistema de cinema popular, enquanto as TVs de outros países fazem co-produções’, compara Gerace.

Para o dirigente sindical, deveria haver garantias de absorção da produção independente. ‘O SBT só repassa enlatados, pouca programação, e de baixa qualidade. Não tem critério algum na sua linha de shows. Se propõe a atingir as classes C e D, como se as classes C e D tivessem que ter eternamente esse subproduto residual. O controle disso teria que ser feito pela sociedade organizada, através de movimentos como o FNDC, organismos como o Conselho de Comunicação Social’, reflete. Gerace avalia, entretanto, que o ProTVD Conteúdo representa avanços. ‘O cinema brasileiro nunca teve isenção na importação de equipamentos, sempre tivemos que importar película.’

O Programa de Apoio à Implementação do Sistema Brasileiro de TV Digital Terrestre –ProTVD –, lançado em fevereiro, divide-se em três linhas: ProTVD Fornecedor, que financiará fabricantes de transmissores e de receptores; ProTVD Radiodifusão, destinado ao financiamento do setor de radiodifusão televisiva para construção de infra-estrutura digital e de estúdio – pelo qual o SBT receberá o empréstimo; e o ProTVD Conteúdo, voltado para a produção de conteúdo exclusivamente nacional. Para acessar o programa, clique aqui.

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Da Redação FNDC