Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Folha de S. Paulo

ENTREVISTA / DERCY GONÇALVES
Valmir Santos e Paulo Sampaio

‘Fui desmoralizada, hoje sou lição de vida’

‘Uma entrevista com Dercy Gonçalves é tão perturbadora quanto o encontro com ela no palco, na televisão, no cinema. Parece representar o arcaísmo e a modernidade da história do país e de sua gente nesse século de vida.

Prestes a completar cem anos, no próximo dia 23 de junho, Dercy recebeu a Folha em seu apartamento, em Copacabana, com sua habitual vitalidade da língua.

Fala sem cerimônia, debocha, cantarola, levanta as pernas, oferece a galinha que cozinhou, enfim, põe seus interlocutores sob o império do improviso.

Dá para ter uma idéia de como os diretores sofriam em suas mãos. Ela escorrega dos roteiros e cria seu próprio caminho.

Quando parece que tudo vai por água abaixo, principalmente quando desafiada a contornar lapsos da memória, eis que os fios da história e da conversa se restabelecem.

São fragmentos da humanidade dessa artista que derrubou tabus, abriu flancos para outras gerações -quando o ofício era levianamente confundido com prostituição- mas também reinventou os seus e seguiu adiante, homofóbica explícita.

Ela se defende com o talento nato para entreter e não ‘trumbicar’. ‘Quando entrava em cena, não queria ninguém comigo. Nunca fui de grupo cantando atrás de mim’, diz a vedete que despontou no teatro de revista, no qual desancava as coristas, e depois trilhou carreira solo produzindo a si mesma.

‘Alegria fingida’

A comediante posa assim de ‘supermulher’, mas é raro apanhá-la em sorriso. E até nisso improvisa a ‘alegria fingida’, auto-irônica, quando contracena com a lente da fotógrafa.

Não por acaso Dercy nasceu Dolores. Plantou e colheu feridas de amor, de sexo e de solidão que jamais cicatrizarão, sabe disso. E dói tanto para ‘a velha perigosa’ que a ditadura tirou do ar nos primeiros anos da rede Globo quanto para a mulher que sempre se esforçou para colocar a arte em primeiro plano, às vezes de forma dramática.

Que o diga a filha única cuja gravidez tentou interromper a socos para não atuar ‘barriguda’. Talvez socos e carinhos como os da entrevista abaixo.

Leia abaixo trechos da entrevista de quase três horas de duração concedida por Dercy Gonçalves à Folha.

FOLHA – Você está sendo muito procurada por causa de seu aniversário de cem anos?

DERCY GONÇALVES – Não.

FOLHA – Você acha que a platéia de hoje é diferente da de outros tempos, como a do teatro de revista?

DERCY – Não, a platéia de teatro é a mesma. Tudo que eu fazia eu continuo fazendo. E acham mais graça do que antes. Hoje já não sei tanto em relação à TV, porque pouco trabalhei nela.

FOLHA – Gosta de se ver na TV?

DERCY – Não tenho raiva de mim, não.

FOLHA – Mas você acompanha?

DERCY – Eu não vejo televisão.

FOLHA – Nem quando você própria aparece?

DERCY – Quando eu apareço, assisto para ver meus defeitos.

FOLHA – E você vê?

DERCY – Vejo que a forma como se representava agora não é a mesma.

FOLHA – Isso é ruim ou bom?

DERCY – Não sei. Era um método de cuidados para não ofender. Agora, não sei. Quando eu falo cu, um olha para o outro. O que é cu? É feio? Feio, mas foi alguém que botou esse apelido.

FOLHA – Já foi rica?

DERCY – Não, mas sempre tive dinheiro. Ganhei dinheiro à vontade.

FOLHA – Por que em sua carreira a cantora perdeu espaço para a atriz? Inicialmente, você queria ser cantora, não?

DERCY – Como cantora, eu não ganhava dinheiro, ganhava pouco. Era uma mão-de-obra para trabalhar nos circos, nos cabarés, nos puteiros. Eu só ‘fazia mesa’, nunca bebi.

Aí, um dia, fui assistir a uns portugueses que vieram de Coimbra para fazer um espetáculo no Teatro Municipal. Quando um deles falou no palco ‘eu estou todo cagado’ (com sotaque), o povo caiu na gargalhada.

Aí também comecei a falar palavrão: puta que pariu, caralho, e todos riam. Então, é por aqui que vou ganhar. Ganhei dinheiro com palavrão pra caramba.

Não tenho medo de falar, porque tenho certeza de que não é palavrão. Palavrão, meu filho, é condomínio, palavrão é fome, palavrão é a maldade que estão fazendo com um colírio custando 40 mil réis, palavrão é não ter cama nos hospitais.

FOLHA – O crítico de teatro Yan Michalski…

DERCY – Nem sei quem é…

FOLHA – … Ele já morreu, escreveu para o ‘Jornal do Brasil’ entre os anos 1960 e 80… Enfim, certa vez ele afirmou que via no seu trabalho de atriz uma posição ‘revoltantemente reacionária’ por causa da ‘sua recusa em contribuir para que esse público fosse levado nem sequer um passo na direção da conscientização’…

DERCY – Ele é uma besta quadrada que quer ser um historiador, um cientista. Ninguém sabe o que se passa dentro de cada um, meu bem. Você é um, e eu sou outro. Você tem sua vida e eu tenho a minha.

Na minha profissão, não tive mãe, não tive pai, não tive família, não tive ninguém. Fui aprender sozinha, o erro e o bem.

Uma vez, eu fui puta. O cara me convidou e disse que me dava 5 mil réis. Eu pensei: ‘Será que vou? Estou precisando pagar o quarto, não tenho dinheiro. Eu vou’. Fui.

Quando terminou, não senti nada. Senti nojo dele. Mas o que podia fazer? Eu vendi o corpo.

FOLHA – Você acha que é por essa experiência que você não gosta de sexo?

DERCY – Não é por essa não.

FOLHA – As feministas lutam para que a mulher também tenha prazer, não só o homem…

DERCY – Ah, meu filho, e a outra inventa: ‘Ai, ai’… Mentira! Tudo é mentira, não sente nada, cada um inventa um fingimento. Nunca senti nada por homem nenhum.

FOLHA – Ser mulher, atriz e puta, como se dizia à época, era mais difícil do que ser homem?

DERCY – Meu filho, eu não sei se fui puta, porque fui tanta coisa na vida para os difamadores. Sei que fui desmoralizada, discriminada. Não me atingiram porque eu não era e tinha a minha consciência forte e tranqüila.

FOLHA – A própria classe artística a descriminava?

DERCY – Nós éramos discriminados…

FOLHA – Você tinha acesso a todos os tipos de teatro?

DERCY – Acesso, eu tinha…

FOLHA – Porque havia a intelectualidade, essa coisa…

DERCY – Não, nunca fui intelectual. Eu sempre fui burra e analfabeta. Primeiro, me desmoralizaram. Era a desbocada, só falava palavrão, era isso, era aquilo. Hoje, sou lição de vida.

Não sei por que mudou. Para mim, tanto faz como tanto fez.

Estou vivendo bem, vivo à minha custa. Não vou pedir esmolas, vendo o que é meu, vendo o meu trabalho. Eu não trabalho para ninguém de graça. Ah, quer fazer uma homenagem? Tem de pagar. Eu ia até cobrar de vocês…

FOLHA – E o que você vê no futuro?

DERCY – Vejo a minha morte. Tenho medo da minha morte. Como não tenho doença, tenho medo de ser algo desastroso, um prédio cair em cima de mim, um carro [me atropelando].

FOLHA – Como seria sua morte ideal?

DERCY – Dormir e não acordar mais, e nem pensar que morri. A morte, para mim, é o descanso da vida. A vida é que é a luta.

FOLHA – Você tem religião?

DERCY – Eu não acredito em ninguém, nem em nada. Nem papa, nem bispo, nem santo, nem Deus. Existe, meu filho, natureza. Essa força que não tem nome, tudo isso é Deus.

Ao que deram nome de Deus, para mim é natureza.

FOLHA – Você gosta de espelhos [que revestem o teto e a parede do banheiro de seu apartamento]?

DERCY – Gosto, já coloquei em toda a casa, mas hoje não uso mais. Não quero mais nada, não tenho mais vontade de nada.

FOLHA – Quando você fazia plástica, gostava do resultado?

DERCY – Eu fiz dez. Amava, sempre fui vaidosa. Eu sempre me pintei, desde garota, preto aqui, era carvão, papel de seda vermelha. Eu era bilheteira de cinema em Madalena [Santa Maria Madalena, no RJ], o Ideal. Via Pola Negri, Teda Bara, aquelas atrizes do passado que se pintavam.

FOLHA – O bingo é um hobby seu?

DERCY – Não. Eu não tenho hobby. Nada me domina, nada me apaixona. Não tenho vício nenhum. Nunca bebi álcool na minha vida.

FOLHA – Já fumou?

DERCY – Já, de brincadeira, de sacanagem.

FOLHA – E droga?

DERCY – Não. Não conheço cocaína ou maconha.

FOLHA – Teve vontade?

DERCY – Vontade de quê? Aquilo é um vício. A minha gulodice é a comida. Eu gosto de comer feito uma vaca.

FOLHA – Mas você é muito magra.

DERCY – Eu não sou magra, não, é porque tirei metade do estômago. Comia feito uma mula.

Fui ao médico, tive um câncer no estômago [em 1991]. Fui operada no [hospital Albert] Einstein, em São Paulo. Quem pagou a minha estada lá foi o Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, então vice-presidente de operações da TV Globo].

FOLHA – A doença a assusta?

DERCY – Eu não, nem sabia o que era aquilo, porra.

FOLHA – E quando te falaram do câncer?

DERCY – Falaram que eu tinha que operar, então eu fui. Não podia deixar o câncer ficar em mim. Seria a mesma coisa se uma cobra me picasse. Estou envenenada e tenho que lutar contra esse veneno.

FOLHA – Você gosta de cozinhar?

DERCY – Gosto, e cozinho muito bem.

FOLHA – O que você mais gosta de fazer?

DERCY – Vou te dar um pedaço [levanta-se, vai à cozinha e traz pedaços de galinha ensopada; apanha um pedaço do peito, bastante condimentado, e leva à boca dos repórteres]. Não é bom?

FOLHA – Você diz que nunca se apaixonou.

DERCY – Não.

FOLHA – Nunca teve um parceiro?

DERCY – Eu tive quatro homens na minha vida, quatro homens com quem convivi.

FOLHA – Ah, você viveu com um homem então…

DERCY – É claro. Eu não vivi com mulher, porra (risos).

FOLHA – Nunca teve nada com mulher?

DERCY – Não. Eu nunca fui de sexo, nunca fui mulher sexuada, que ficasse apaixonada. Em primeiro lugar, eu não acredito em sexo. Pela natureza, nós somos feitos de uma matéria ordinária, muito vagabunda, que Ele ia jogar fora, mas decidiu aproveitar para fazer a humanidade.

É disso que é feita a humanidade. Se a humanidade é feita disso, nós não somos nada.

Com a internet, o celular, a tecnologia tomou conta do mundo, mas o ser humano caiu, se desmoralizou. A juventude não trabalhava, estudava, se educava para poder ser gente.Quando chegavam aos 20, 25 anos, as pessoas se casavam.

Agora não é mais assim.

FOLHA – Mas já foi acusada de fazer muito sexo…

DERCY – Eu já fui acusada de tudo. Eu era ‘negrinha’ [sua avó era negra], menina de rua, mas nada disso me atingiu porque eu não sabia o que era o mundo. Não tinha nem amigos. Passeava na rua e era perseguida com 7, 10 anos, porque o negro é perseguido há séculos.

Agora, por que era perseguido se nós somos feitos da mesma matéria? Como se pode fazer isso com um ser que é igual a você? Eu pensava que o mundo era Madalena. Se eu não tinha um princípio, e nem escolha eu tive, então eu fugi de casa com 14 anos porque papai batia…

A menina não tinha nada, não era ninguém. Nem na procissão eu podia ir porque não me vestia de anjo, de Maria. Então, essa religião é falsa.

FOLHA – Na época do teatro rebolado, os presidentes iam te ver?

DERCY – Não. O Getúlio Vargas ia ao teatro não por causa de mulher, mas por causa do Pedro Dias, que o representava dando golpe nos inimigos do povo. Getúlio Vargas foi quem nos deu cultura, criou o trabalhismo.

FOLHA – Você é getulista?

DERCY – Não sou getulista, não sou porra nenhuma. Eu não sou Dercy Gonçalves. Eu não sou nada.

FOLHA – Você vota ainda?

DERCY – Voto.

FOLHA – Votou em quem?

DERCY – No Lula [na primeira eleição que ele ganhou, ela havia votado em José Serra].

FOLHA – No Brasil de hoje, há chance de nascer uma artista popular como você?

DERCY – Eu sei lá sem tem, porra, não sou pesquisadora. Se o dinheiro é o que vale, eu não valho nada. Se o dinheiro é o que vale, eu tô roubada.

Porque eu luto para vender o meu DVD [‘Dercy 100’, independente], vou no bingo para dar bingo. E eu adoro jogar, é um jogo honesto, um jogo simples, um jogo para pobre. É um jogo para jovem e para velho.

FOLHA – Você vai ao bingo com que freqüência?

DERCY – Eu vou todos os dias, não tenho de dar mais satisfação a ninguém. Eles me tratam com muito respeito, eu me distraio, as horas passam, matam a minha solidão, matam a minha falta de família, a minha falta de amigo, mata muita coisa, meu filho. Prefiro o bingo a tomar uma birita em qualquer lugar.

FOLHA – A solidão assusta mais que a morte?

DERCY – É muito pior. A solidão te irrita, te deixa estressado, te dá mágoa. A solidão te mata. É a pior coisa que pode existir para a humanidade. É o abandono dos amigos, da família. Eu vou para a rua, porque na rua eu vejo um desastre e fico olhando, vejo um tiroteio e fico olhando…

Eu adoro tudo isso, me distrai.

FOLHA – Desde quando você sente solidão?

DERCY – Eu não tenho solidão.

FOLHA – Não?

DERCY – Eu mato ela.

FOLHA – Quem são seus amigos?

DERCY – Nenhum, não tenho. Não acredito em amigos. Eu tenho bons conhecidos, em amigos eu não acredito. Porque, se eu pedir dinheiro a algum e não pagar, ele corta relações comigo.

Então não é amigo.

FOLHA – … Você pode comparar ou relacionar Dercy e Grande Otelo?

DERCY – Meu filho, é muita diferença. Primeiro, Grande Otelo nunca foi ator cômico. Ele era mais dramático e trágico, pela feiúra, pelo tamanho dele. Ele fazia graça com drama. Eu não, sou criadora da graça.

FOLHA – Ele era tragicômico.

DERCY – Era, completamente. Um excelente tragicômico, fazia coisas tristes para rir. Trabalhei com ele. Coitado, ele teve um fim triste, na miséria, bebia.

Eu não preciso de álcool para me dar vida. E não estou infeliz, não, estou satisfeita com a vida, cumpri minha obrigação, fiz cem anos, é muita coisa.

FOLHA – São mais de cem, né?

DERCY – Eu tenho 102.

FOLHA – Como é essa história?

DERCY – Meu pai era um homem rústico, alfaiate, sem cultura. Registrou tudo junto, um atrás do outro. Eu era a penúltima de oito filhos.

FOLHA – Você se dava com todos?

DERCY – Eu não os conhecia direito, eu era a menor.

FOLHA – Eles têm orgulho de você ser famosa?

DERCY – Não sei, morreram todos, sofridos, sem mãe, sem pai, sem família, abandonados.

FOLHA – Mas tinham orgulho da Dercy?

DERCY – Não sei. Eu sei que me salvei. Tive a oportunidade de fugir de casa e ir ao mundo, sem cultura nenhuma, mas com muita curiosidade.

FOLHA – Você é boêmia?

DERCY – Sou, gosto da noite, da madrugada, cabaré, boate, restaurante; em botequim, qualquer lugar eu queria ficar.

FOLHA – Você fez uma peça de Nelson Rodrigues, uma adaptação de ‘Dorotéia’…

DERCY – Sei lá… Primeiro, Nelson Rodrigues não era nada de mais. Ele fazia a peça com verdades e era tratado por ‘anjo pornográfico’, ‘desbocado’. Antigamente, tudo era recriminado. A peça dele que fiz não fez sucesso, uma porcariazinha.

FOLHA – Já fez papel dramático?

DERCY – Sim, uma vez, ‘A Dama das Camélias’. Mas fiz cômico. A minha tosse [em cena] era ‘cofó, cofó, cofó’.

FOLHA – E o diretor aceitou?

DERCY – Ele não mandava. No ensaio, eu não ensaiava.

FOLHA – E o episódio de mostrar os seios na Sapucaí, em 1991?

DERCY – Eu nunca fui disso. Eu fui desfilar, mandei fazer a roupa num costureiro muito vagabundo, dei alfazema e tal. Ele fez uma roupa que, quando eu levantava o braço, o vestido caía.

Não podia levantar o braço na passarela. Arriei e fui dançando e cantando. Tinha os seios lindos naquela ocasião. Mostrei. Houve gritaria, escândalo, mas por quê? Os seios são a coisa mais linda na mulher.

FOLHA – Você ficava muito tempo em cartaz?

DERCY – Não, desde que nasci até hoje. Tem pelo menos 80 anos que eu trabalho.

FOLHA – Era um espetáculo atrás do outro, não tinha férias?

DERCY – Não, que férias, e eu lá queria férias? Queria dinheiro. Ganhei muito dinheiro com espetáculos, apesar de ter uma grande companhia, a Dolores Costa Bastos [criada e mantida com o sobrenome de casada].

FOLHA – E você começou a escrever seus próprios roteiros?

DERCY – Não, não escrevo, vou inventando na hora. Eu tenho muita facilidade em falar.

FOLHA – Nessa entrevista, você está inventando muita coisa?

DERCY – Eu não estou inventando, algumas coisas eu estou cortando no meio, termino, termino e invento e invento.

FOLHA – Atualmente, quem concebe seus shows?

DERCY – Tudo sou eu, sempre foi. Invento tudo na hora. Muita coisa é mentira.

FOLHA – Você é tímida ou extrovertida?

DERCY – Eu nunca tive timidez. Eu tenho muita prevenção. Quando eu chego a uma casa, eu quero respeito, quero ver primeiro como é que é. Uma vez, fui convidada para uma festa. Era uma suruba, e eu nem sabia o que era suruba.

Eu era mocinha, ainda estava na Casa de Caboclo, em 1932. Fiquei horrorizada.

FOLHA – Você se arrumou para esta entrevista?

DERCY – Eu não, vesti essa roupa ontem. É uma roupa bonita, branca, fui ao bingo e estou com ela desde ontem.

FOLHA – Você mesma se maquia?

DERCY – Eu mesma me maquio, me visto, me arranjo.

FOLHA – E a memória, como vai?

DERCY – Estou mal. Acabo de falar ao telefone e esqueço, acabo de fechar um negócio e esqueço.

Mas sempre tenho duas meninas que me ajudam. Eu tomo água, sal e açúcar, que é meu soro. Cheiro rapé para tirar o sono, acordar disposta. Tomo guaraná em pó no café da manhã. Esse é meu remédio para a memória.

FOLHA – Qual era seu luxo na época em que você era rica?

DERCY – Eu nunca fui rica.

FOLHA – Você tinha carro, era você quem dirigia?

DERCY – Sempre tive carro, um, dois, e sempre tive motorista. Eu não tenho competência nenhuma para dirigir. Não tenho competência para nada. Só tenho competência para ser artista. Eu represento o dia inteiro.

FOLHA – Aqui também?

DERCY – Aqui também estou representando.

FOLHA – O que a faz rir? Não vi você rindo nenhuma vez. Faz os outros rirem, mas você não ri?

DERCY – Eu acho graça em coisas… Meu bisneto [João, 5 anos]… Eu acho uma graça louca nele. Ele diz: ‘Bisa, você não pode morrer porque vai me fazer falta’. Isso me faz rir. Como é que esse menino pode pensar numa coisa dessas?

FOLHA – Você gosta de criança?

DERCY – Acho criança uma perfeição…

FOLHA – Você já fez análise?

DERCY – Fiz psicanálise durante muito tempo. Gostei, melhorei, achei que tirei vantagens. Mas é difícil. A mãe do meu marido [Danilo] morreu louca, e ele tinha medo de que eu também ficasse. Eu me apaixonei por um dos três analistas. Eu tinha ciúme da mulher dele, era atendida na casa dele. Eu dizia para minha filha: ‘Estou passando mal, chame o meu médico’.

Não sabia para que eu estava preparando aquilo, depois é que eu vi. Apaguei a luz, preparei o ambiente e deitei. Ele chegou, olhou. ‘O que é, dona Dercy? A senhora está doente? A senhora não tem nada. A senhora quer que eu venha aqui, está interessada em mim, não tá?’

A vergonha foi tão grande que fiquei boa. Eu tinha saudades dele, mas acabou o amor, acabou tudo, ele me desmascarou. Isso devia acontecer com todo mundo, modifica a visão. Nunca mais tive saudades de ninguém.

FOLHA – Que motivo a levou à psicanálise?

DERCY – Não sei. Eu calculo, mas posso calcular errado.

FOLHA – Tinha medo da loucura?

DERCY – Nunca fui louca, mas tinha medo de ficar. Via muita gente louca fazendo papelão, e não queria passar por isso. Mas a vida para mim foi premiada, porque passar o que passei, sem uma garupa, era muito difícil.

E, quando tive uma garupa boa, que era o pai da minha filha, eu não quis, porque era homem casado. Eu não o amava, era muito mais velho, e acabei entrando no teatro, uma tentação.

FOLHA – E quanto à fidelidade no casamento?

DERCY – Não existe casamento. É um erro tremendo obrigar um sujeito a se amarrar com o outro só para querer dinheiro. Você não pode amarrar ninguém, a vida tem que ser liberada.

Casei porque fiquei com complexo de não ter marido para entrar com minha filha [na igreja] na noite do casamento. Casei por negócio.

FOLHA – Você vê as comediantes das novas gerações?

DERCY – Nem assisto. Não quero ver cópias. As novelas são todas histórias inventadas. Não quero menosprezar o trabalho dos meus colegas, minha classe. Eu estou feliz porque eu sou eu.

FOLHA – Você já ouviu falar de besteirol?

DERCY – O que é isso?

FOLHA – Uma geração de comediantes que surgiu nos palcos do Rio na década de 80…

DERCY – Um babaca inventa o nome e pega…

FOLHA – Havia vaidade, ciúme de artistas em sua época?

DERCY – Eu nunca tive, porque sempre fiz tudo diferente dos outros.

FOLHA – Mas, quando você despontava, alguém invejava?

DERCY – Me xingavam, me esculhambavam, me desmoralizavam, mas eu nem sentia, porque não era. Até hoje é assim, não sei quando a pessoa me ama ou me odeia. Amar ou odiar parecem a mesma coisa.

São as atitudes, os gestos, a continuidade que levam à amizade na vida. Você não pode gostar da pessoa à primeira vista. Não é prato de comida.

FOLHA – Como recebeu a velhice?

DERCY – Eu não recebi. Eu não sou velha. Eu tenho idade, mas não tenho espírito de velho. Tenho espírito de jovem, vivo a vida alegre e feliz, gosto da rua, de Carnaval, viajar.

Claro que estou mais cansada, claro que meus órgãos caíram, derrubaram. Eu me canso, mas dez minutos depois estou boa.

FOLHA – Você hoje é empregada do SBT?

DERCY – Briguei com a Globo porque ela me tirou do programa, mas não deixou de me pagar. Fiquei fazendo o Faustão, depois queriam me colocar no Zorra [Total]. Não entro nessa merda nem morta.

FOLHA – Por quê?

DERCY – Porque o programa é uma porcaria, não é para uma estrela, é para principiante. Então não fiz. Mas a Globo para mim foi a grande estação.

FOLHA – E a relação com o Silvio Santos?

DERCY – O Silvio é um cara muito bacana. Tem aquele brinquedo [SBT] só para ele, não dá para ninguém.

Enjoou, ele bota na rua. Fez isso comigo, com o Ratinho. Mas tenho muito respeito por ele e não quero perder essa boca.

FOLHA – Como era o teatro de revista?

DERCY – Era a coisa mais linda que havia no teatro. Pouca gente freqüentava a comédia, a não ser a dos grandes, como Procópio [Ferreira], o Jaime Costa, o Cazarré, Malberi Silva, que faziam um teatro mais para subúrbio, mas eram bons também.

O teatro de revista era escrachado, considerado marginal. Vivia lotado, mais de homens. As famílias se recusavam a ir à praça Tiradentes, ao Recreio, ao Carlos Gomes, ao João Caetano. Mas, quando eu fazia o Glória, lotava o teatro, muita gente ia escondida.

Uma vez, uma espectadora levantou a voz dizendo que não podia falar tantos palavrões. Eu disse: ‘Vai pra puta que te pariu’ e desci do palco em direção a ela, que correu e foi embora.

Tô na minha casa, o que ela veio fazer aqui?

FOLHA – Por que o teatro de revista acabou?

DERCY – Foi o seguinte. O [empresário] Walter Pinto não tinha prática nenhuma de teatro.

Morreu o pai, morreu o irmão e ficou ele tomando conta, sem saber patavinas de teatro. Ele era um homem muito rico, audacioso. Cheguei a dirigir a companhia dele. Depois de um tempo, ele se aventurou a exibir atrações internacionais.

Trouxe um companhia inteira do Liberté, aquelas mulheres parisienses, e isso acabou com o teatro de revista brasileiro, que era feito por mulheres surradas, algumas velhas já, trabalhando como coristas.

Aqui no Brasil, nada tinha valor, não passava do chão. Aqui, para ser artista, você precisava ter empresária, para fazer seu nome. Ninguém te ajudava.

Não tinha televisão. Tinha uma, a Tupi, que só funcionava com porcaria. E a TV Rio, que transmitia mais futebol.

FOLHA – Como encara nunca ter recebido um prêmio importante no teatro?

DERCY – Para que eu quero essa merda? Eu não quero, até hoje. Quero dinheiro. Não me dê prêmios, que odeio. Tenho mais de 20 placas, Dercy Gonçalves, o caralho… O que vale é você ter dinheiro para se manter, sair da rua e não precisar ir para o asilo e tampouco para o hospital de graça.’

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+ cronologia

’23.jun.1907 – Registro de nascimento de Dolores Gonçalves Costa, em Santa Maria Madalena (RJ), filha do alfaiate Joaquim e da lavadeira Margarida. A atriz calcula ter nascido de fato dois anos antes

1927 – Adota o nome artístico Dercy Gonçalves com vista à carreira de cantora

1928 – Deixa a cidade natal para acompanhar a Companhia de Maria Castro. Enamora-se de um dos artistas, o cantor Eugênio Pascoal

1929 – Estréia em Leopoldina, já no Rio, em dueto com Pascoal na Companhia de Maria Castro. Formam Os Pascoalinos

1932 – Entra para elenco da Casa de Caboclo, uma espécie de sala de arena do teatro São José, no Rio

24.dez.1934 – Nasce a filha Delcimar, da relação com Ademar Martins, que lhe deu dois netos e dois bisnetos

1936/40 – Apresenta-se em circos e cabarés espetáculos no chamado ‘gênero livre’, imitando astros radiofônicos como Carmem Miranda, Orlando Silva, Manoel Monteiro, Moreira da Silva etc.

1938 – Passa sete meses internada num sanatório em Santos Dumont (MG), vítima de tuberculose

1940 – Estréia no cinema com ‘Romance Proibido’, com direção de Adhemar Gonzaga

1943 – Casa-se com o jornalista Danilo Bastos, com quem vive por 20 anos. Estréia no cinema ‘Samba em Berlim’, de Luís de Barros

1944 – Apresenta-se no cassino Icaraí, em show com Grande Otelo

1949 – Contracena com Oscarito na revista ‘Quero Ver Isso de Perto’ 20.jun.1956 – Estréia ‘A Dama das Camélias’, adaptação paródica de Hermilio Borba Filho para o drama de Alexandre Dumas Filho, com direção de Ruggero Jacobbi; a comediante entra em choque com o encenador e chega a cantarolar uma marchinha carnavalesca sobre ‘a perereca da vizinha’

1966 – Estréia o programa ‘Dercy de Verdade’, na TV Globo. A emissora o tira do ar em 1969, por ordem da censura do regime militar

1971 – Com o solo ‘A Difa… Amada’, começa a expor parte de sua biografia em espetáculos

1983 – Estréia ‘Dercy de Cabo a Rabo’

1989 – Estréia quadro no programa ‘Domingão do Faustão’, na Globo, sob o título ‘O Jogo da Velha’

1991 – Tema da escola de samba Viradouro, desfila seminua na passarela da Sapucaí. Participa da novela ‘Que Rei Sou Eu?’, de Cassiano Gabus Mendes

2003 – Apoiada em uma bengala, é destaque da Acadêmicos de Santa Cruz, com enredo sobre a história do teatro

2006 – É lançado o DVD independente ‘Dercy 100’, com depoimentos próprios, de familiares e de amigos sobre sua vida e trajetória; Lula a recebe num encontro com intelectuais no Rio

23.jun.2007 – Dercy Gonçalves fará cem anos’

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Dercy fala sobre artistas brasileiras

‘Margarida Max (c. 1890 – 1960)

‘Foi uma grande atriz’

Procópio Ferreira (1898-1979)

‘Foi o maior ator do Brasil’

Aracy Cortes (1904-85)

‘Uma mulata, um sucesso’

Cacilda Becker (1921-69)

‘Tinha um defeito danado de dicção, mas era uma estrela. Tinha um nome danado, mais do que delas [as outras atrizes] todas.’

Bibi Ferreira (1922)

‘Bibi nunca foi nada. Apareceu muito quando fez imitações, mas no teatro de revista nem aparecia. Ela não era uma atriz de revista, era uma intelectual, não tinha coragem de se expor, de escrachar. Como artista, se você faz uma puta, tem que ser uma puta.’

Tônia Carrero (1922)

‘Uma atriz que tinha seu nome, era muito bonita. Mais bonita que atriz. Eu não quero nem saber, porque falo a verdade, não vou me enganar.’

Fernanda Montenegro (1929)

‘É uma atriz sóbria, familiar, não muda o sistema dela. É monocórdica, grande dama, amiga de todo mundo. É de uma delicadeza, de uma educação que são difíceis [de encontrar].’

Nathália Timberg (1929)

‘É uma atriz correta, distinta, que nunca fez um escândalo, digna.’

Marília Pêra (1943)

‘Nunca foi nada, está começando a vida agora. Eu conheci muito a mãe dela, a avó dela [artistas de revista]. Tá indo, mas a chance não nasce, tem a data certa para ser.’’

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Derivado da opereta, teatro de revista viu declínio nos anos 1970

‘Derivado da opereta, o teatro de revista é um gênero de teatro musicado originalmente voltado à retrospectiva de fatos recentes e à crítica de costumes, apresentada na forma de quadros cômicos, de canto ou dança.

O teatro de revista ‘estourou’ no Brasil nas duas últimas décadas do século 19, quando o êxito de público recompensava montagens plenas de alegorias realizadas por profissionais de prestígio, como Artur Azevedo.

Essa modalidade teatral de origem francesa abriu espaço para ritmos como o maxixe e, posteriormente, o samba, tendo influência sobre a disseminação da música popular.

Além disso, foi laboratório para o humor malicioso brasileiro típico e deu origem ao teatro rebolado. A progressiva vulgarização do modelo é uma das causas apontadas para o declínio do estilo, nos anos 1970 -80.’

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Dercy responde às perguntas das atrizes

‘A convite da Folha, atrizes como Fernanda Montenegro e Maria Alice Vergueiro prepararam perguntas para Dercy Gonçalves, que as comenta e responde a seguir.

FOLHA – Trouxemos perguntas de atrizes para você.

DERCY GONÇALVES – Então façam.

FOLHA – Começa pela Fernanda Montenegro…

DERCY – Ah, Fernanda é muito delicada…

FOLHA – …Mas deixa eu ler a pergunta dela.

DERCY – A pergunta dela eu já sei.

FOLHA – Vamos lá: ‘Querida Dercy, você já avaliou o quanto é referencial de atriz e vida para todas nós atrizes brasileiras?’

DERCY – Ela sempre disse isso, sempre me tratou dessa forma. Ela me reverencia sempre. Eu não sou uma grande atriz.

Tenho o meu estilo que ninguém faz, e quando faz, faz com exagero. Eu tenho certeza que tenho estilo. Uma rainha, como uma rainha lava a bunda? Lava assim [faz o gesto]. Tem que lavar assim. Ué, rainha não limpa a bunda? Então, eu sou aquilo que é verdade, não sei fazer de mentirinha. Pergunta a outra.

FOLHA – É a Cleyde Yáconis: ‘Dercy, você saboreia a vida como uma criança gulosa diante de uma panela de brigadeiro. Qual é o segredo?’

DERCY – Não tem segredo nenhum, gulosa, esganada… A pergunta dela…

FOLHA – Quer que eu repita?

DERCY – Não, meu filho, eu já entendi o que ela quer dizer: que eu exagero tudo. Eu sou uma atriz exagerada… [Néya chama a atenção dizendo que ‘ela quis dizer que você tem muita vitalidade’] Eu não entendi assim.

FOLHA – A imagem é ‘criança diante da panela de brigadeiro’.

DERCY – Eu gosto mais de rabada. E eu não sei o que é fome, nunca passei fome na vida.

De fato, sou muito sem educação para comer, porque não tive mãe, não tive pai. Eu como muito feio, com esganação, como tudo querendo enfiar de uma vez na boca.

FOLHA – E o segredo dessa vitalidade artística?

DERCY – Eu não tenho vitalidade, tenho exagero. Artista é tudo metido. Elas são grã-finas, então bebem café assim, sentam assim. Quando falam ‘vai para a puta que pariu’, falam delicadamente. Eu mando tomar no cu.

FOLHA – Agora é a vez da Nydia Lícia. ‘Você prefere o público dos anos 50 ou o de hoje? Pode comparar os dois?’

DERCY – Em primeiro lugar, a minha vida no século passado era uma, e mudou completamente [neste], está me assustando. Não havia essa prostituição da mulher, não havia prostituição dos homens. Está virando tudo viado, brinco na orelha.

Isso tudo me afasta da vida. A educação é outra. A polícia é outra. A Justiça não existe, mãe mata filho, filho mata mãe.

Isso tudo me desanima de viver. Estou assim. Não sei se penso ou não penso. Não quero pensar na morte, eu gosto da vida. Eu tenho muito mais amor…

FOLHA – Você acha que a vida já foi melhor?

DERCY – Para mim.

FOLHA – Digo, as pessoas… Você diz que hoje está tudo ‘prostituído’, então já foi melhor?

DERCY – Não é melhor, ô cara. Eu fui habituada, criada nas formas do passado. Papai falava, e a gente calava a boca quando ele chegava em casa às seis horas da tarde. Para eu fugir de casa, foi um escândalo. Hoje não.

Foi escândalo para papai porque o povo ficava se incomodando porque eu era ‘negrinha’. Nós éramos pobres, mas nunca faltou comida. Vovô era português, de Coimbra; vovó era negra. Essa mistura desqualificou a gente, Não éramos nada, éramos considerados ‘gentinha’.

FOLHA – Vamos continuar com as perguntas. A seguinte é de Maria Alice Vergueiro…

DERCY – Não sei quem é. Por que você foi procurar essas mulheres fora de moda?

FOLHA – Cicarelli, você conhece?

DERCY – Quem é? Não presto atenção a essas baixarias, meu bem.

FOLHA – A Maria Alice pergunta: ‘Como é Deus para a senhora?’

DERCY – Deus não existe, é um apelido que botaram para se comunicar com ele. Tudo foi invenção do ser humano. O princípio dos séculos, ninguém sabe como foi. Eu, para mim, fui um cavalo, uma besta ou uma mula, qualquer coisa.

FOLHA – A última pergunta é de Denise Fraga.

DERCY – Eu sei quem é.

FOLHA – ‘Dercy, para quem você daria o primeiro pedaço de seu bolo de 100 anos?’

DERCY – Para a minha filha, a única pessoa na vida a quem não posso esquecer que devo favores, devo obrigações.

Ela nasceu na minha barriga, faz parte de mim.

FOLHA – Que favores você deve a ela?

DERCY – De ela ser correta, de nunca me envergonhar, de ser uma mulher distinta. E de ela não me amar.

Ela não me ama, porque não gosta da minha linguagem. Ela é religiosa , eu não sou, não acredito em porra nenhuma. Para mim todo santo é vereador.

FOLHA – A gravidez dela foi difícil?

DERCY – Foi porque eu não queria. Eu dava socos na barriga para tirar.

Passei nove meses sem mudar de roupa, aquela roupa fedorenta. Tinha ódio da gravidez, ódio da vida porque não podia trabalhar barriguda, feia. E ainda trabalhei em rádio com quatro meses de gravidez.

E minha filha, quando nasceu, tive uma responsabilidade tão grande de ver. Primeiro, uma mulher. Eu pensei: ‘Mais uma puta’ (risos). A gente era marginal, é mais uma. Ela se apaixonou por um rapaz da Tijuca com quem namorou 13 anos. E casou virgem.

FOLHA – Você dava força para ela se casar virgem, 13 depois?

DERCY – A virgindade da mulher era uma coisa preciosíssima, agora é que não vale nada. Hoje a virgindade é como lama. A mulher está desclassificada totalmente porque está dando como cadela na rua.

E vocês [homens]? Eu não sei como vocês estão bem vestidos, porque só se vestem de ladrão. Uma falta de gosto tremendo. Calça rosa com blusa verde, brinco, não são mais homens, não têm mais dignidade. De homem bem vestido eu gosto.

Aprecio muito o macho, quando é macho, mas a maioria não é.’

TELEVISÃO
Laura Mattos

De volta à Vila Sésamo

‘Trinta anos após ter saído do ar no Brasil, o cultuado programa infantil ‘Vila Sésamo’, que lançou a atriz Sônia Braga, voltará a ser produzido no país.

A nova versão brasileira da série norte-americana foi negociada durante mais de um ano entre a TV Cultura de SP e a Sesame Workshop, organização sem fins lucrativos responsável pelo programa. Há cerca de 20 dias, o contrato foi assinado. Na última quarta, detalhes da negociação e da produção foram revelados à Folha.

Foi fechado acordo de co-produção com a Sesame por três anos. A ‘Vila’ faz parte do núcleo permanente de produção infantil, que acaba de ser criado na Cultura e deve atuar em parceria com produtoras independentes e canais estrangeiros, como Discovery Kids.

Até 2008, haverá dois bonecos da ‘Vila’ manipulados no Brasil: o tradicional pássaro gigante Garibaldo e um novo, 100% nacional, a menina Bebel. A partir de 2009, a Cultura pretende trazer todos os bonecos, como o simpático Elmo, Ênio, Beto e Funga-Funga.

Também serão contratados atores para contracenar com eles, como nos anos 70, quando Sônia Braga era a professora Ana Maria, Flávio Galvão, seu namorado, e Aracy Balabanian, Flávio Migliaccio e Paulo José, entre outros, participavam do programa.

Criado há mais de 30 anos, ‘Vila Sésamo’ teve forte impacto na programação infantil mundial. Hoje o programa continua sendo veiculado em TVs de 120 países.

O Brasil foi o primeiro a realizar uma adaptação, veiculada entre 1972 e 77. Nos primeiros dois anos, a versão brasileira foi co-produzida e exibida pela Globo e Cultura. A partir de 1974, a série só foi programada pela Globo.’

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‘Vila’ volta, e ‘Castelo’ vira desenho

‘Dois representantes da Sesame Workshop, organização norte-americana responsável pela ‘Vila Sésamo’, estarão na TV Cultura entre os dias 16 e 20 de maio a fim de escolher os atores que farão a manipulação e darão voz aos bonecos da nova versão brasileira do infantil.

O programa entra no ar em outubro, mês da criança, na TV Rá Tim Bum (canal pago da Fundação Padre Anchieta, que administra a Cultura) e até o final deste ano na rede aberta.

O plano é que os episódios tenham uma hora de duração e sejam exibidos diariamente pela manhã e reprisados à tarde.

Cada capítulo será montado por esquetes dos dois bonecos nacionais, gravações com crianças em várias partes do Brasil, além de blocos da produção americana dublados.

No Brasil, a ‘Vila Sésamo’ norte-americana já faz sucesso em DVD, que chegou ao mercado há cinco anos. Desde então, 11 títulos foram lançados pela produtora e empresa de licenciamento ST2 (responsável também pelos DVDs do conhecido dinossauro roxo Barney).

As vendas somam 100 mil cópias, um bom resultado para um DVD infantil, especialmente de um título que está fora da TV brasileira há 30 anos.

No próximo mês, serão lançados seis livros da ‘Vila Sésamo’, entre eles, um didático para auxiliar o ensino da língua inglesa a crianças em idade pré-escolar, o público-alvo da série.

Discovery Kids

A co-produção para ‘Vila Sésamo’ faz parte do recém-criado núcleo infantil permanente na TV Cultura, com cerca de 100 funcionários. A emissora decidiu reservar um estúdio exclusivamente às produções voltadas às crianças, que, a partir do próximo semestre, será aberto à visitação do público.

Neste ano, esse departamento tem orçamento previsto de R$ 10 milhões, além de recursos que poderão ser captados com empresas privadas por meio de leis de incentivo fiscal.

Além disso, o núcleo poderá ser mantido com ajuda de parcerias. Uma delas está em negociação com o canal pago estrangeiro Discovery Kids, de programação infantil educativa.

Cultura e Discovery pretendem criar um programa de bonecos que contracenam com atores, como na ‘Vila Sésamo’.

‘Castelo Rá-Tim-Bum’

Outra associação do núcleo será com produtoras independentes. A rede fechou com uma delas, TV Pinguim, a produção do desenho do ‘Castelo Rá-Tim-Bum’, sucesso de crítica e audiência na década de 90, até hoje reprisado com bom ibope.

Com orçamento de R$ 5 milhões, a serem negociados com patrocinadores, a primeira temporada terá 52 episódios de 15 minutos cada um. O objetivo é que ‘Castelo’ animado tenha foco no mercado internacional, o que significa muita qualidade e roteiros mais ‘globalizados’.

A previsão de lançamento no Brasil é de 18 a 20 meses.

Outro projeto é voltar a gravar a bem-sucedida série que dramaturgia ‘O Mundo da Lua’ (anos 90), da qual participava o ator Antonio Fagundes.

Praticamente estagnada há cerca de três anos, a produção infantil da Cultura ganhou fôlego, especialmente após a criação da TV Rá Tim Bum, em dezembro de 2004. O canal enfrentou críticas por ser pago (e conseqüentemente voltado à elite), apesar de mantido pela fundação, mantida majoritariamente por verba do governo estadual. Polêmica à parte, acabou fomentando a programação da Cultura, que exibe os programas novos após a estréia na televisão fechada. Em maio, a TV Rá Tim Bum deve entrar no ar nos EUA, voltada a brasileiros que moram nos país.

Política

As informações desta reportagem foram passadas por Marcos Mendonça, presidente da Fundação Padre Anchieta. Segundo nota divulgada pela Cultura na quinta, ele não será candidato à reeleição no dia 7, quando o conselho da fundação define seu novo presidente.

Segundo Mendonça, sua saída não inviabiliza os projetos, uma vez que foram aprovados em assembléia do conselho da fundação. Além disso, afirmou, as produções, inclusive ‘Vila Sésamo’ e o desenho do ‘Castelo’, estão asseguradas por contratos. Paulo Markun, apresentador do ‘Roda Viva’ e cotado para suceder Mendonça, não quis conceder entrevista.’

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As Novidades

‘1 Criação de um núcleo infantil com orçamento de R$ 10 milhões em 2007 e previsão de produção de 400 horas de programação no ano

2 Produção de nova versão brasileira da série norte-americana ‘Vila Sésamo’

3 Produção de desenho animado adaptado da série ‘Castelo Rá-Tim-Bum’

4 Desenvolvimento de programa de bonecos e atores em parceria com o canal pago Discovery Kids

5 Estréia nos EUA da TV Rá Tim Bum, o canal infantil pago da Cultura

6 Volta da teledramaturgia infantil, com a volta de ‘Mundo da Lua’, que fez sucesso nos anos 90 com Antonio Fagundes e outros

7 Entrada no ‘Cocoricó’ de novos bonecos, entre eles um garoto negro; Júlio vai à cidade para abordar a vida de crianças urbanas; série é vendida a outros países. Fonte: presidência da Cultura’

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Versão dos anos 70 tinha 800 crianças

‘A idéia de criar uma versão brasileira da ‘Vila Sésamo’ foi de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então todo-poderoso da Globo, segundo o ‘Dicionário da TV Globo’. Como na época a emissora não tinha estúdios para a gravação, selou uma parceria com a TV Cultura.

O infantil foi produzido e veiculado pelos dois canais de 1972 a 1974. Depois disso, ficou no ar apenas na Globo, até 1977.

Um dos motivos do fim do programa foi o elevado custo de produção. Em sua reta final, além do elenco central (Sônia Braga, Armando Bogus, Aracy Balabanian e outros), contava com uma equipe de 350 profissionais e teve participação de 800 crianças.

O responsável pela negociação desta segunda versão brasileira, Marcos Amazonas (diretor de relações internacionais da TV Cultura), trabalhou na antiga. Começou aos 17, como assistente de produção. Quando o infantil saiu do ar, era vice-diretor da divisão de educação da Globo. Ele conta que há mais de um ano, quando entrou em contato pela primeira vez com a Sesame Workshop, a organização pediu US$ 3 milhões para desenvolver uma adaptação brasileira.

A idéia inicial, que não agradava à Cultura, era realizar uma co-produção com a TV Futura, canal educativo da Fundação Roberto Marinho.

Amazonas passou a enviar à Sesame as produções infantis da Cultura, especialmente o ‘Cocoricó’, também de bonecos, a fim de convencê-los a fechar acordo de co-produção. A Sesame, diz, acabou concordando em realizar uma parceria sem o pagamento de um aporte inicial. Após a assinatura do contrato, Amazonas e outros seis profissionais da Cultura foram à Sesame Workshop, nos EUA, onde se reuniram com produtores, pedagogos e roteiristas do programa.’

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‘Cocoricó’ é exportado, e emissora faz acordo para vender produtos do Pingu

‘Depois de virar fenômeno com crianças brasileiras, o ‘Cocoricó’, da Cultura, começa a sua carreira internacional.

O infantil de bonecos já foi vendido para TVs na Venezuela, Argentina, Angola e é agora negociado com o México.

Neste ano, o programa, ambientado em uma fazenda, ganha novos personagens, entre eles o garotinho negro João, que abordará as diferenças.

Além disso, João vem da cidade e, em seguida, levará para lá o protagonista, Júlio, e seus amigos do campo. A intenção é que o ‘Cocoricó’ elabore uma safra de episódios mais próximos à vida de crianças urbanas.

O licenciamento da marca gera cada vez mais recursos à emissora. Além de brinquedos, há materiais escolares, roupas, produtos alimentícios, para festas, higiene, livros e revistas (parceria com a editora Globo).

Gelada

A Cultura também fechou recentemente contrato de licenciamento de produtos da marca Pingu, um gracioso pingüim que vive como uma criança de família de classe média.

A série de animação em massinha de mesmo nome é originária da Suíça. Criada em 1986, é veiculada atualmente em 155 países para um bilhão de telespectadores. No Brasil, chegou a levar a emissora ao improvável segundo lugar no Ibope.

Até o Dia da Criança, a Cultura Marcas pretende lançar um Pingu de pelúcia, livros e produtos para festas.

No segundo semestre, chegam ao país novos episódios de 11 minutos cada um (os atuais duram apenas cinco).

‘Vila’

No caso da ‘Vila Sésamo’, o licenciamento para o Brasil está nas mãos da Redibra desde a primeira versão nacional, há mais 30 anos. O contrato assinado entre a Cultura e a Sesame Workshop, de acordo com a emissora, prevê que a Fundação Padre Anchieta receba uma porcentagem do faturamento com o licenciamento no país se a exibição da série na TV alavancar a venda dos produtos.

O site da Redibra informa que a marca ‘Vila Sésamo’ fatura mundialmente US$ 800 milhões por ano com uma linha de mais de cinco mil itens.’

Lucas Neves

Cresce procura por lutas na TV paga

‘‘Parece que já tem um sangramento na cabeça […]’, observa o locutor do UFC (Ultimate Fighting Championship).

‘Belas cotoveladas, estilo Tito Ortiz’, reage o comentarista.

Pano rápido.

‘Ele desmaiou no Octagon… fim de luta’, conclui o locutor.

Não estranhe: a TV está sintonizada no Premiere Combate, canal ‘pay-per-view’ (oferecido por Net e Sky) com programação 100% dedicada a lutas. Carro-chefe da grade, o UFC é, ao lado do K-1 Hero’s, uma das principais competições internacionais de vale-tudo (ou ‘mixed martial arts’, artes marciais mistas, como preferem praticantes e técnicos; não confundir com a troca de sopapos burlesca do antigo telecatch).

Na esteira do bom desempenho de brasileiros nesses torneios (o país tem campeões em ambos), as assinaturas mensais do Combate crescem em ritmo constante desde a sua criação, em 2002. Naquele ano, segundo o canal, 3.531 assistiam à programação. Em 2007, a base de assinantes chegou aos 15 mil; o projeto é chegar a 20 mil até dezembro.

Dado que a combinação de boxe, jiu-jitsu, muay thai (boxe tailandês) e wrestling (luta livre) se traduz, na tela, em uma sucessão de chutes, socos, pisões, chaves-de-braço e joelhadas, não parece estranho que, cá e lá, sugira-se que a ascensão da modalidade reflete o acirramento da violência na sociedade. O diretor dos canais Premium da Globosat, Elton Simões, rechaça esse paralelo. ‘[O crescimento] não tem a ver com nenhum fenômeno sociológico. Tem a ver com o prestígio das artes marciais.’

Segundo Simões, o Combate aborda as lutas sob um ‘ponto de vista educacional’. ‘Os lutadores falam para as crianças não lutarem na rua […] noticiamos o envolvimento deles com projetos sociais de recuperação do jovem. Trabalhamos com ênfase no comportamento, não na violência’, diz.

O melhor do ser humano

No site de relacionamentos Orkut, a reportagem indagou internautas filiados a comunidades de vale-tudo sobre a comum associação do esporte à violência além-ringue. O sentimento geral é de que isso ocorre por desinformação e preconceito, já que as lutas se caracterizam pela ‘supremacia da técnica’ e põem à prova ‘o melhor do ser humano, sua resistência, força, agilidade, precisão e muita consciência’. ‘Violência são assaltos, invasões à favela, guerra de facções…’, diz Ana Carolina Assumpção, do Rio.

Assim também pensa o advogado paranaense Sandro Bandeira, 32, que assina o canal há um ano e costuma assistir às transmissões ao lado do pai, de 63 anos. ‘[As lutas] são conversa mole perto da violência que de fato existe. Vide o tiroteio na universidade americana [em Blacksburg, Virgínia, onde morreram 33 pessoas na segunda-feira].’

Bandeira, que se diz atraído pela faceta de espetáculo (‘fogos, luzes, efeitos especiais…’) e pela imprevisibilidade dos duelos, compara os ringues a um ‘coliseu moderno, com regras’. ‘Como na Antigüidade, há heróis, lutadores que começam perdendo e viram o jogo. Presumo também que muitos esqueçam de tudo enquanto assistem aos eventos e mentalizem seus sucessos e fracassos nos atores do espetáculo’, filosofa Bandeira, que treina jiu-jitsu.

Para a professora carioca Elaine Nascimento, 29, que compra pacotes específicos de alguns torneios (outra opção do ‘pay-per-view’) e vê as lutas com o noivo, ‘quem curte quer saber até que ponto vai a potência do atleta, já que não podemos viver isso’. Fã de Rodrigo ‘Minotauro’ Nogueira e Wanderlei Silva, o casal recorre ao site de vídeos YouTube para assistir a ‘clássicos’ do passado. E se o companheiro, o analista financeiro e lutador amador de jiu-jitsu Mariano Rosa, decidisse tentar a sorte do outro lado da tela? ‘Ficaria felicíssima, acho lindo’, diz Elaine.

Em Porto Alegre, a microempresária Letícia Bittencourt, 30, pode se gabar de seguir a programação do Combate 24 horas por dia: ela tem duas assinaturas -uma em casa e outra na loja de tatuagens que administra. ‘Sou fissurada em luta’, explica. Antes de reclamar do excesso de reprises, ela compara sua atividade ao que vê como mudança de perspectiva sobre o vale-tudo. ‘Como na tatuagem, os rótulos estão mudando. Os lutadores agora são vistos como profissionais.’’

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Comentarista das lutas criou vários bordões

‘No posto de comentarista de algumas lutas transmitidas pelo Premiere Combate, Jorge Guimarães, o Joinha, cunhou bordões como ‘bateu tiro de meta’ (quando um lutador chuta a cara do outro) e expressões como ‘pura homeopatia (os anabolizados). Ele também apresenta o ‘Passando a Guarda’, às sextas.’

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Psicanalista vê efeito catártico no ato de assistir aos duelos de vale-tudo

‘Assistir a transmissões de campeonatos de vale-tudo pode ter efeito catártico, terapêutico. Essa é a análise do psicanalista e professor do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Jurandir Freire Costa.

Segundo ele, é possível que o interesse crescente pelos torneios seja uma resposta ao fato de ‘as pessoas não estarem mais suportando o excesso de violência real’. ‘No ringue, aprisiona-se a violência em um espaço sobre o qual se tem controle. As pessoas a iniciam e param quando querem, não deixam que ‘infecte’ a vida pública, contamine as relações humanas’, diz, comparando a função ‘curativa’ da descarga de agressividade à da pornografia.

É esse ambiente ‘protegido’, de acordo com o psicanalista, que propicia a catarse. ‘Quando existe um espaço distante da vida real para o qual se pode canalizar o ímpeto agressivo que todo ser humano tem, melhor. Ter esses sentimentos negativos não é o problema; o problema é deixar de ter vergonha ou culpa por isso. O importante é não perder o ideal virtuoso.’

Costa afirma que ‘evitaria estabelecer ligação direta entre os duelos de vale-tudo exibidos na televisão e o excesso de violência de hoje’ pelo fato de a luta representar ‘a encenação de uma violência que não se pode reproduzir no mundo real, na vida civilizada, com amigos e família’. ‘Em se tratando de [estímulo para a] violência real, o dia-a-dia já é suficiente. A trava [o pudor da violência] já foi desligada’, opina.

O psicanalista critica, entretanto, a mercantilização da violência, comercializada a R$ 40 (custo da assinatura) mensais. ‘Trata-se de um alívio em forma de produto’.’

Eduardo Ohata

Vale-tudo se consagrou com a família Gracie

‘O vale-tudo, ou MMA (abreviação em inglês para o termo artes marciais mistas), seu nome politicamente correto, tornou-se fenômeno internacional graças ao clã dos brasileiros Gracie.

Liderados pelo pai, Hélio, a família promovia no Brasil duelos entre lutadores de diversos esportes de luta, como uma forma de divulgar sua modalidade de jiu-jitsu.

Foi na década de 90 que lançaram nos EUA o Ultimate Fighting Championship, um torneio disputado em uma só noite, dentro de uma jaula em forma de octógono, na qual um lutador precisava derrotar diversos rivais na mesma noite para ser campeão do evento.

Após ser vetado por um grande número de comissões atléticas nos EUA, o UFC adotou mais regras.

Os atletas hoje lutam apenas uma vez por evento, as lutas têm limite de tempo e são divididas em assaltos. Golpes sujos ou exageradamente perigosos foram banidos -no início, certa vez, até golpe baixo valeu.

Na onda do UFC, surgiram versões em outros países, como o milionário Pride, no Japão, o Mecca no Brasil, e o Cage Rage, na Europa, entre outros. No Brasil, apenas o UFC e os nacionais são exibidos ao vivo.

Os comentaristas dos eventos mostrados no Brasil são ‘do ramo’, atletas, professores ou empresários.

Porém justamente por conta da proximidade, algumas vezes comentaristas deixam de lado a isenção, total ou parcialmente, e viram abertamente torcedores.’

Bia Abramo

Nair Bello sabia rir de si mesma

‘ABUSADA, DESBOCADA e extremamente engraçada, Nair Bello era aquele tipo (raro) de comediante capaz de rir de si mesma. Paulistana de sotaque italianado, ela não hesitava em exagerar ao limite da caricatura quando estava em cena.

Nair tinha e sabia provocar o riso fácil, prazenteiro. Suas personagens, em regra mulheres de meia-idade sem papas na língua e capazes de disparar motes irônicos com extrema agilidade, tinham a marca do humor sem peias e sem-vergonha.

Ao seu lado, até a ‘grande dama’ Hebe Camargo, de quem era amicíssima, ficava mais leve e recuperava algo de uma graça mais descompromissada. A atriz, rápida no improviso, fazia suas cenas divertindo-se enormemente, ao que parece: muitas vezes, era-lhe quase impossível conter as risadas. Sem seus desaforos e suas observações ácidas, a TV fica um pouco menos divertida.

Nair era sempre escalada por Carlos Lombardi, que a deixava à vontade para fazer o que bem entendesse em suas novelas -muitas vezes, como a mãe comicamente dominadora de bonitões sem camisa, papel que fazia à perfeição. Com exceção das novelas de Lombardi, a comediante era subaproveitada no programa ‘Zorra Total’.

Como ela, outros comediantes talentosos -Agildo Ribeiro, Paulo Silvino, Jorge Dória- marcam passo no programa.

É pena que esse humor parente da chanchada e esquetes radiofônicos esteja confinado a um programa com caráter tão popularesco. Baseado em tipos fixos, esse humor é o da repetição e da caricatura, mas isso não significa prescindir de um excelente trabalho de roteiro. É preciso ter muita idéia boa para manter um tipo vivo. Os humorísticos comandados por Jô Soares e Max Nunes, nos anos 70 e 80, faziam isso bem, com mais criatividade nas situações e diálogos, além de uma direção, ao que parece, mais rigorosa. No ‘Zorra Total’, parece vigir uma regra de ‘quanto mais bobo, melhor’.

Até tu, Gilberto Braga? Quando até o noveleiro-que-leu-Balzac é obrigado a alavancar a audiência inventando uma cena de agressão física entre mulheres -agora é a vez de Maria Fernanda Cândido, cuja personagem Fabiana vai levar uma surra de Ana Luísa (Renée de Vielmond) -, é que há algo de podre no reino das novelas. Não especificamente em ‘Paraíso Tropical’, mas em todas.’

VENEZUELA
Folha de S. Paulo

Milhares Pedem Concessão Para Rctv

‘Milhares de pessoas protestaram em Caracas contra decisão de Hugo Chávez de não renovar a concessão à rede de televisão RCTV, acusando o presidente de restringir a liberdade de expressão. Na mesma região, centenas de partidários de Chávez apoiavam a decisão.’

ALBA ZALUAR NA FSP
Folha de S. Paulo

Alba Zaluar vai estrear amanhã como colunista

‘A antropóloga Alba Maria Zaluar, uma das principais pesquisadoras de violência urbana do país, estréia amanhã como colunista da Folha na pág. A2.

Assume como titular da coluna às segundas-feiras no lugar do economista João Sayad, que foi para a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo.

Zaluar publicou vários livros, entre os quais se destacam ‘Integração Perversa – Pobreza e Tráfico de Drogas’ (Editora FGV, 2004) e ‘Um Século de Favela’ (FGV, 2002).

Escreveu ainda ‘A Máquina e a Revolta’ (Brasiliense, 2002), livro que condensa os estudos que conduziu na Cidade de Deus, zona oeste do Rio.

Integrante da equipe de pesquisadores de Zaluar na década de 80, Paulo Lins escreveu ‘Cidade de Deus’, origem do filme de mesmo nome. Nem o livro nem o longa-metragem agradam à antropóloga, nos quais aponta uma série de ‘impropriedades’.

Zaluar é coordenadora do Núcleo de Pesquisa das Violências (Nupevi) do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, da qual é professora titular de antropologia desde 1995. Graduou-se em ciências sociais em 1965 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, na qual concluiu o mestrado em antropologia social. Doutorou-se em antropologia pela USP em 1984 e obteve o título de livre-docente pela Unicamp em 1991.

Por meio do Núcleo de Pesquisa das Violências, criado em 1997, ela desenvolve projeto em escolas públicas do Rio que ajuda crianças a mediar conflitos por meio da conversa.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Folha Online

Veja

Agência Carta Maior

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