Minas, mais que montanhosa, é um estado abissal: tem segredos e mistérios na política e na cultura que parece que nem Deus descobre ou desvenda. Um desses segredos e mistérios levou o colunista do jornal O Globo, Arthur Dapiéve, a afirmar que o Brasil está ficando mais burro. Um dos motivos do emburrecimento, segundo o colunista, é a extinção do programa FrenteVerso da mineira Rádio Inconfidência.
Cá entre nós, a palavra inconfidência, a priori, tem uma conotação pejorativa. “Inconfidentes” era a expressão que nomeou, no século XVIII, os mineiros que ousaram se rebelar contra a Coroa Portuguesa.
No caso do programa FrenteVerso não teve rebelião alguma e o motivo do seu fim ainda não foi explicado de verdade.
A história do FrenteVerso começa em 2009 quando, no governo Aécio Neves, o presidente da Rádio Inconfidência, José Eduardo Gonçalves, convidou Marco Lacerda para criar e apresentar um programa semanal de entrevistas na rádio. (Marco é um homem de comunicação que não precisa de referências, cartas de apresentação ou releases para exaltar sua criatividade, correção e profissionalismo. Já trabalhou e pode trabalhar em jornais e revistas de circulação nacional. É também romancista e foi indicado ao prêmio Jabuti).
No tempo do convite, Marco estava viajando pela América Latina na criação e produção de um programa que seria veiculado na Internet. Bom mineiro que é, aceitou o desafio, apesar da precariedade do orçamento e dos recursos técnicos colocados à disposição dele.
No ar, o programa FrenteVerso, com forma e conteúdo criados por Marco, ganhou repercussão nacional. Todo domingo, às 21hs, mineiros, brasileiros e muita gente no exterior participou das entrevistas inteligentes e bem humoradas que o jornalista fez com centenas de personalidades da nossa vida cultural e política.
Em seus dois anos de existência, o programa foi um verdadeiro e aclamado sucesso de público e crítica.
Mudanças políticas
Infelizmente ou felizmente, do jeito que mudam os tempos, a política também muda. Antônio Anastasia sucedeu a Aécio Neves e Valério Fabris assumiu a presidência da Rádio Inconfidência.
O FrenteVerso continuou sua carreira de sucesso por mais um tempo. Até que, um belo dia,Valério Fabris, do alto de sua autoridade presidencial, comunica a Marco que o programa só continuaria se ele concordasse em reduzir algumas despesas de produção. Afinal de contas, conta o presidente, chegou a hora de contenção de gastos. No caso, o gasto estava orçado em R$2.500 mensais e era o salário do produtor.
É importante lembrar que isso aconteceu em plena administração Antônio Anastasia, político responsável pelo choque de gestão que deu bons resultados no governo Aécio e prossegue em sua administração.
Marco não aceitou a dispensa de sua principal e única assessora. Afinal de contas, uma só andorinha não faz verão e nem um só profissional faz um programa de rádio. A repercussão e a reação ao fim do FrenteVerso foi além do que se pode imaginar. Marco recebeu milhares de mensagens de solidariedade de todo o Brasil e também do exterior.
Jornais e revistas criticaram o inusitado e triste fim de um grande programa. O músico Celso Adolfo escreveu uma carta aberta ao governador, questionando o encerramento do programa. Ao que parece, a carta não encontrou seu destinatário e, por isso, não foi respondida, mesmo sendo o governador Anastasia um democrata que sabe da importância para Minas de programas inteligentes como o FrenteVerso.
Ao que tudo indica, o verdadeiro motivo do fim do programa será mais um segredo misterioso das Minas Gerais.
Perguntas sem respostas
Avesso e alheio a segredos e mistérios, pergunto: R$ 2.500 é uma quantia tão expressiva para uma emissora do porte da Rádio Inconfidência? O programa incomodou alguém importante e por isso foi decretado seu fim? Será que alguma das personalidades entrevistadas não era de bom grado em Minas?
Ou quem sabe o sucesso de Marco e seu programa despertou a ira adormecida e matreira de vaidades melindrosas?
Por que a Rádio Inconfidência, para não acabar simplesmente com o programa, não buscou o patrocínio ou apoio de um pequeno ou médio anunciante, por ocasião do choque de gestão promovido pelo jornalista Valério Fabris?
Aguardo resposta para estas perguntas tão singelas. Caso contrário, pode parecer que, aqui em Minas, ninguém sabe o que se esconde nos corações humanos. Nem mesmo o Sombra sabe.
***
[Carlos Alberto Ratton é escritor e dramaturgo]