A filosofia nos ensina que devemos perguntar sobre todas as coisas, das mais simples às mais complexas. O método socrático, conhecido como maiêutica, implica que o pensamento se constrói a partir de uma questão, que elaborada/pensada se constitui em uma pergunta. Conforme salienta a filósofa Marcia Tiburi, toda dúvida exercita-se pela pergunta, que se desdobra em muitas outras e para as quais não há uma única resposta. A proximidade da Copa de 2014 e Olimpíadas 2016 e o consequente direcionamento das políticas públicas para a realização dos dois megaeventos esportivos nos levam a pedir emprestada a maiêutica socrática para lançarmos perguntas sobre/para estes megaeventos.
Uma jornalista do jornal austríaco Derstandart (ver aqui) comentou comigo que não há pergunta tola em jornalismo; por mais banal e torpe que pareça, a pergunta deve ser realizada. Percebo um movimento interessante de parte da mídia brasileira que questiona e pergunta sobre as articulações políticas que se desenvolvem para garantir financiamento público para a realização da Copa de 2014 e Olimpíadas 2016. Não raro, segmentos destacados da imprensa nacional vêm divulgando corriqueiramente os arranjos realizados pelo ministro dos Esportes para garantir a liberação de verbas para a construção de estádios para a Copa de 2014 e Complexo Olímpico no Rio de Janeiro. Tanto Ricardo Teixeira (presidente da Confederação Brasileira de Futebol), quanto Carlos Arthur Nurzman (presidente do Comitê Olímpico Brasileiro), são citados veementemente por seus supostos conchavos com prefeitos e deputados federais em troca de garantias/regalias para seus eventos.
“Perguntem à Globo”
Nessa maiêutica jornalística destaco os blogs de Juca Kfouri, José Cruz e Mauro Cezar Pereira, dentre alguns poucos outros. Não menos importante, o site de Andrew Jennings, jornalista britânico que há mais de três décadas se dedica ao jornalismo investigativo das grandes entidades internacionais que dirigem o esporte (Fifa e COI). Assim, o fato de o Brasil hospedar a próxima Copa e Olimpíada de 2016 faz com que este jornalista direcione suas investigações para nosso âmbito brasileiro.
Em outra oportunidade, dissemos neste Observatório que a Globo é o primeiro poder no país. Sua influência nos diversos segmentos sociais e sobre os poderes constituídos da República faz desse meio de comunicação um dos mais poderosos instrumentos da democracia brasileira. Em recente entrevista à revista piauí, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, fala abertamente não temer as acusações contra a sua gestão visto que a proximidade com a Globo faz com que tais acusações não sejam divulgadas em horário nobre do Jornal Nacional. Em meio a uma verborragia de palavras de baixo calão, Teixeira ameaça os maiêuticos jornalistas com maldades durante a Copa de 2014.
Em seu blog, Xico Malta lança uma campanha curiosa: “Perguntem à Globo”. Nela, Malta disponibiliza Twitter e e-mail dos principais jornalistas esportivos da Rede Globo e pede para que questionemos o porquê de estes profissionais não divulgarem/comentarem/analisarem… ou pelo menos citarem, os processos, as acusações e as notícias sobre Ricardo Teixeira. Vale mencionar reportagem produzida por Andrew Jennings para a BBC, que escancara a participação de Ricardo Teixeira e seu ex-sogro João Havelange no escândalo de venda de votos na Fifa para a definição das sedes das Copas de 2018 e 2022.
Quais os legados da Copa e Olimpíadas?
Será que falta maiêutica jornalística a Galvão Bueno, Milton Leite, Alex Escobar, Sidney Garambone, Léo Batista, Tino Marcos, Cleber Machado, Ivan Moré, Mauro Naves, Bruno Laurance, Marcos Perez…?
Evidentemente que a Rede Globo, como entidade privada, necessita e preza o lucro econômico da sua atividade comercial. Entretanto, quando se trata de jornalismo, a ética da informação deve se sobrepor ao espírito do capitalismo. Ao não noticiar os acontecimentos políticos e econômicos que se sucedem para a realização da Copa de 2014 devido a contratos milionários de direito de transmissão de eventos, malgrado sua postura, a Globo exerce novamente sua função de primeiro poder no país. Desta feita, por não induzir o “povão” (desculpem o baixo calão) a perguntar a políticos que posam ao lado de Ricardo Teixeira e Carlos Arthur Nuzman: por que gastar tanto dinheiro público para a construção de equipamentos esportivos se a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 são eventos promovidos por entidades privadas internacionais e com fins lucrativos? Quais os reais legados que a Copa de 2014 e Olimpíadas de 2016 deixarão para a população brasileira? Há alguma relação entre a crise econômica da Grécia e a realização dos Jogos Olímpicos de 2004? Será que o dinheiro público a ser gasto nos dois megaeventos esportivos poderia ser usado na melhoria da educação básica, no fortalecimento do setor público de saúde e na universalização dos serviços de saneamento do país?
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[Fábio Fonseca Figueiredo é professor de Geografia e economista, Viena, Áustria]