Na terça-feira, 20 de maio, por volta das 17h20, o canal por assinatura Globo News, emissora da Rede Globo de Televisão, exibia o depoimento de José Aparecido Nunes Pires, direto da CPI dos Cartões Corporativos, em Brasília, quando cortou a transmissão para dar informações em primeira-mão sobre ‘um acidente aéreo’ em São Paulo, com imagens inéditas de um prédio pegando fogo, na capital paulista.
O furo de reportagem poderia ser o máximo se não fosse por um detalhe: o fogo que ardia no prédio e levantava uma negra fumaça nos céus da metrópole não era de um acidente aéreo, mas de um incêndio, sem vítimas, em uma loja de colchões.
Durante cerca de seis minutos – cujo tempo para ser levado ao ar, principalmente pela emissora em questão, é enorme – deve ter deixado muita gente de cabelos em pé e nervos em frangalhos. Principalmente funcionários, familiares e conhecidos de quem viajava naquele dia pela companhia aérea Pantanal. A emissora chegou a escrever na tela o nome da empresa de aviação, ratificando o desastre aéreo em curso, que, simplesmente, não aconteceu.
Caso Ulisses
A avidez da Globo News causou desconforto Brasil afora de forma inútil. Imagino que a ‘barriga’ tenha sido motivo para muita conversa no interior da TV. Tudo bem que o flagrante das imagens tivesse que ser registrado, mas daí ser coberto por um texto completamente desconexo, é incorrer em erro grave. O que estaria no cerne do equívoco? Com certeza a pressa de ser a primeira a dar a notícia.
A falha é grosseira e aconteceu por não se atender a um quesito básico do jornalismo: apurar e comprovar a informação com outras fontes, checando e checando até o ponto de mandar a matéria ao ar.
A Rede Record foi a emissora que seguiu a Globo News, minutos depois. O repórter também disse: ‘Tivemos a informação de um acidente com uma aeronave, mas que não foi confirmada até agora.’ Menos pior. Estava em cena todo o clima eletrizante da notícia, com proporções de adrenalina para ‘prender’ o telespectador diante do aparelho, mas o erro não foi feito. Talvez, até, em decorrência de não ter sido a primeira a entrar. Outro mérito da Record foi não deixar vazar o nome da suposta empresa aérea envolvida no problema, se é que ela o tinha.
Casos como esses acontecem de tempos em tempos. Um episódio grave foi perpetrado pela agência de notícias do Jornal do Brasil, a única a achar o corpo do senador Ulisses Guimarães em 1992, quando o político foi vítima de um acidente com um helicóptero nos mares do Rio de Janeiro. Durante vários dias, equipes de buscas tentaram encontrar o senador, que nunca mais apareceu. Na esteira da agência, o jornal mineiro Estado de Minas (assinante da agência JB) deu em manchete garrafal a façanha, em primeira página, no dia seguinte. É de arrepiar.
Cabeças vão rolar
Ainda bem que agora foram apenas uns seis minutos até refazerem o erro. Mas, sabe-se lá quantas pessoas não foram atingidas por ele. Observa-se que sair na frente nem sempre é bom. Principalmente em se correndo o risco de dar uma informação truncada, que pode gerar muita dor de cabeça para os dois lados da telinha. Certamente, a Pantanal pode entrar com um processo contra a Globo, solicitando indenização por perdas e danos de sua imagem.
Pelo que deu a entender, a primeira informação (a que a Globo News veiculou) dava conta da impressão de um morador da região, que escutando o estrondo – e por estar (traumatizado) nas cercanias do aeroporto de Congonhas, logo teria imaginado outro desastre de proporções horrendas, como o ocorrido com o avião da TAM há pouco mais de dois anos. Como é que se chegou ao avião da Pantanal, só mesmo os produtores da emissora podem falar a respeito.
Esses devem ter as orelhas puxadas. Embora erros aconteçam, era de se esperar mais atenção para conceitos tão elementares do jornalismo como apurar e checar a informação antes de mandar ‘o foguete’ ao ar. É o caso de se voltar a pensar no camarada que está em casa, do outro lado do trabalho informativo. Teria sido um susto e um pesar muito grande da população, que está horrorizada com acidentes aéreos. A população merece mais atenção. A ética, nesse caso, foi atropelada pela ânsia de vencer e ver o circo, literalmente, pegar fogo.
Mais à noite, no Jornal das Dez, a Globo News pediu desculpas pelas trapalhadas na cobertura da reportagem. E disse que vai apurar os erros. Pelo visto, cabeças vão rolar.
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Jornalista, Salvador, BA