Ao contrário de algumas expectativas mais pessimistas, o Dia de Ação Global do Fórum Social Mundial (FSM) – sábado, 26 de janeiro de 2008 – alcançou uma ótima cobertura na grande mídia corporativa brasileira. Em artigo publicado no site do Sindicato dos Jornalistas na véspera do evento, este repórter escrevia: ‘Quanto à repercussão na mídia, certamente o Dia de Ação Global irá enfrentar terríveis dificuldades nos meios de comunicação corporativos, sempre hostis às atividades centralizadas do FSM, seja em Porto Alegre, em Mumbai ou lá no Quênia.’
E agora, a surpresa: nada menos, nada mais que três milhões e 210 mil citações aparecem na internet quando se busca o FSM 2008. E esse dado é apenas para as páginas em português. Lá se encontram as matérias da Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo, O Globo, Jornal do Brasil, Extra (RJ), Diário do Pará, O Liberal, Correio Braziliense, Folha de Pernambuco, agências Estado, JB, Agência Brasil, portal Último Segundo, e texto do Jornal Nacional da TV Globo, até curiosidades, como matéria em português do jornal russo Pravda, de Moscou.
Mas, afinal: o que terá acontecido nas redações de jornalões, rádios e televisões ? O que se sabe, após alguns contatos: a realização dos fóruns, o dos ricos e poderosos em Davos, e o dos que lutam por mudanças – o FSM – está vinculada entre leitores, ouvintes e telespectadores. Então, falar em Davos na mídia é lembrar do Fórum Social Mundial, criado em Porto Alegre, em 2001, como um contraponto popular ao restrito evento lá na Suíça. Não foram uma ou duas, mas várias pessoas nas ruas e outros locais públicos perguntavam aos jornalistas daqui de Porto Alegre: ‘Já começou o Fórum de Davos. E o Fórum Social Mundial 2008, onde será? E quando?’
Faltou mobilização
Vamos tentar explicar: quando o FSM no Quênia terminou, no final de janeiro de 2007, ficou decidido pelo comitê internacional do evento que em 2008 haveria um dia mundial de ação e mobilização, marcado para o dia 26 de janeiro, mesmo dia de encerramento do Fórum Econômico lá em Davos.
Um grande jornal, o Estadão paulista, chegou a publicar um editorial no ano passado sobre o Fórum do Quênia prevendo a ‘agonia’ do FSM. A exemplo de outros meios de comunicação, o vetusto jornalão de São Paulo só destacou o que chamou de aspectos ‘folclóricos’ do evento na África Oriental. E concluía: ‘Os participantes não se revelaram capazes sequer de se entender sobre o próximo encontro. Em 2008. O evento simplesmente não será realizado.’
Certamente, faltou maior mobilização dos dirigentes do FSM para destacar nos meios de comunicação corporativos – e através deles, a todos os interessados – a realização do Dia de Ação Global. Daí derivou o desconhecimento, fora dos círculos de militantes mais mobilizados, do evento deste ano de 2008.
‘Fábrica’ de notícias
Enquanto a maioria dos meios de comunicação corporativos dos outros Estados pautou suas matérias sobre o FSM 2008 com uma certa neutralidade ideológica, como que para satisfazer a curiosidade de seu público leitor sobre o evento, a imprensa do Rio Grande do Sul apresentou um comportamento diferenciado. O tradicional Correio do Povo editou uma matéria de apresentação, longa e ilustrada com gráfico do mundo, na sexta-feira, véspera do evento.
Nas edições de sábado, 26, e de domingo, 27 de janeiro, o FSM 2008 também ganhou destaque. A manifestação coordenada pela CUT-RS, abrindo uma tribuna popular para reivindicar a volta do FSM a Porto Alegre no ano de 2010, mereceu, inclusive, um texto com uma foto colorida na capa da edição de domingo. O jornal O Sul apresentou várias pequenas menções nas colunas de alguns jornalistas locais e poucas notícias curtas. Já o Jornal do Comércio, ignorou o evento.
E coube ao jornal Zero Hora o tom menor e mesquinho, bizarro até, com uma notícia na edição nº 15.491 de sábado, 26 de janeiro, com o título insólito: ‘Brigada Militar suspeita de invasões em dia de protesto do Fórum Social’. O jornalão da RBS é conhecido por suas posições de repúdio total aos movimentos sociais. Nesta linha editorial, parece que vale tudo, inclusive ‘fabricar’ esta notícia absolutamente inverídica e baseada em fontes mais do que comprometidas. Leiam só este trecho: ‘A Brigada Militar monitora os passos do MST no Estado, em razão de suspeitas de preparação de invasões a propriedades, plantações e laboratórios de multinacionais como Monsanto, Syngenta e Aracruz Celulose. (…) Conforme nota publicada ontem no site da revista Veja, as invasões não estão confirmadas, mas foram detectadas pelo serviço de inteligência de uma das empresas’, diz Zero Hora.
O berço do Fórum
Nenhuma dessas invasões previstas por ZH aconteceu. O evento pacífico, com uma centena de militantes de organizações sindicais, estudantis e políticas, saiu do Palácio Piratini, abriu a tribuna na Esquina Popular e seguiu até o Largo Glênio Peres, em frente à Prefeitura de Porto Alegre, despertando a curiosidade dos populares.
Durante a passeata, o jornalista alemão Gerhard Dilger comentou com o jornalista gaúcho José Weis, da Comissão de Ética do Sindicato do RS: ‘Acho que o FSM só voltará a Porto Alegre quando o PT assumir de novo a Prefeitura.’ É possível. Mas um fato é concreto: a capital de todos os gaúchos recebeu, a partir do FSM 2001, um destaque internacional. E agora é lembrada, no mundo todo, como o berço do Fórum Social Mundial. No imaginário popular, o FSM, para o bem ou para o mal, está vinculado ao fórum de Davos. E para onde quer que se viaje, basta mencionar Porto Alegre para ouvir a pergunta curiosa dos estrangeiros: ‘E o Fórum Social, como vai?’
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Jornalista, integrante da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul