“Carioca dirige bêbado.” Quem lê a frase acredita que ela foi extraída de alguma piada inventada por paulistas. Mas se trata da manchete do Jornal do Brasil de 5 de setembro de 2006. Um truque sensacionalista, um achincalhe que misturou, no mesmo saco de gatos, todos os motoristas ajuizados do Rio de Janeiro com aqueles que dirigem alcoolizados. Ao tentar chamar a atenção, o jornal foi grosseiro com os cidadãos cariocas.
O subtítulo e a chamada da matéria também são aterrorizantes. O primeiro é formado pela seguinte frase:
Na chamada, lê-se:
Ou seja, a cidade vira um pandemônio a partir das oito da noite de uma sexta-feira ou de um sábado. De cada 100 veículos, apenas quatro são dirigidos por pessoas que não tomaram uma gota de álcool. Depois de meia-noite, então, o carioca sadio nem deve sair de casa. Não bastasse torcer para não ser vítima de criminosos, corre o risco de ser atropelado ou envolver-se em acidente, uma vez que qualquer motorista, “mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer” (parafraseando Caetano e Gil em Haiti), na madrugada do fim de semana, está bêbado.
Erro grave
No entanto, dentro do jornal, a reportagem “Boemia carioca é risco de vida” traz um equilíbrio e serenidade que não condizem com o teor apavorante da chamada de capa. As estatísticas da primeira página são contextualizadas e melhor compreendidas no seguinte trecho:
Ou seja: a amostragem na qual 100% dos participantes do teste educativo foram reprovados não reflete a diversidade dos notívagos do Rio aos fins de semana. Afinal, as pessoas que dirigem após a meia-noite, às sextas e sábados, não estão apenas em “bares, restaurantes e boates”. Também visitam amigos, namoram e vão ao cinema ou ao teatro. Sem necessariamente embalar uma cerveja ou qualquer outra bebida alcoólica.
Logo, a manchete do JB é, no mínimo, uma brincadeira de mau gosto e, no máximo, um erro grave de interpretação. Foi construída a partir de um sofisma baseado em premissa correta. Superdimensionar uma informação para produzir um alerta pode ser até compreensível, mas não se pode brincar com a verdade. O preço de se deturpar um dado para uma campanha educativa é uma eventual utilização posterior do mesmo artifício para justificar outras atitudes de finalidade duvidosa. Portanto, alertar e informar, sempre. Mas com precisão e correção. E com respeito aos motoristas do Rio de Janeiro que são cientes de suas responsabilidades e zelosos de sua cidadania.
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Jornalista e mestre em Informática