Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Grupo Liberal no fim?

Uma boataria se espalhou pela cidade: o grupo Liberal pediu falência. A verdade não é essa e a interpretação não é exatamente a que se espalhou tão rapidamente em Belém, como o fogo na floresta amazônica. Mas há um fundo de verdade em tanta informação desencontrada.

Há duas semanas um boato detonou uma onda de especulações em Belém: o jornal O Liberal pediu falência. Logo surgiram as mais desencontradas informações e interpretações sobre o fim – iminente ou já em consumação – do império de comunicação criado por Romulo Maiorana, que chegou a ser líder inconteste em todos os segmentos da mídia paraense e nortista. Na verdade, a 4S Informática, Indústria e Comércio ajuizou uma ação executiva contra a TV Liberal, no fórum de Belém, no valor de pouco mais de 5 mil reais.

A juíza Eline Salgado Vieira, responsável pela 11ª vara cível, para a qual o processo foi distribuído, mandou citar a televisão dos Maiorana. Se a empresa pagar a dívida em três dias, contados a partir da citação, será beneficiada pela redução em 50% dos honorários advocatícios, arbitrados em 20% do valor da causa. Se não fizer a quitação integral nesse prazo, perderá o direito de nomear bens à penhora, caso perca a ação, que está apenas começando.

Em 2002, Severina Francisca da Silva requereu, na 2ª vara cível da capital, a falência das Organizações Romulo Maiorana, em função de uma dívida alegadamente não paga no valor de 7,4 milhões de reais. Por causa do valor e da constituição de advogado próprio pela autora, a juíza Maria do Céu Coutinho considerou que o feito devia tramitar em vara particular, negando-lhe a justiça gratuita. O pagamento das custas poderá ser ressarcido no final da demanda, se a autora for a vencedora, por se tratar de dívida ‘líquida e certa’, disse a juíza. No final de 2006, depois de quatro anos de paralisação, o processo foi redistribuído para a 4ª vara cível. Ainda não tem qualquer decisão.

Acordo extra-autos

No fórum há várias outras ações contra o grupo Liberal, inclusive da prefeitura de Belém, que cobra o pagamento de IPTU atrasado, nem sempre de maneira eficiente (já cometeu até erro de citação, que redundou em arquivamento de processos, sem exame de mérito). Tudo indica que essas demandas persistirão e irão se avolumar, embora ainda se chocando contra a parede de influência do grupo de comunicação (cujo indicador podia ser checado na 3ª página da edição do dia 12/9 de O Liberal, onde saiu a foto da visita de cortesia ao jornal do diretor do fórum cível, Marco Antônio Castelo Branco, que posou ao lado de Ronaldo Maiorana e do advogado da empresa, Jorge Borba, figura constante no fórum).

Essa crescente afluência de processos judiciais, especialmente os cíveis, é, dentre outros fatores, a conseqüência lógica da multiplicação dos protestos formulados contra a corporação nos cartórios da cidade. Quando era vivo, Romulo Maiorana tinha o cuidado de retirar os títulos que eventualmente eram apontados nos cartórios, fazendo um acordo com os detentores dos papéis. Além de manter os salários rigorosamente em dia, pagos quinzenalmente, e de atualizar periodicamente os seus equipamentos industriais, essa era uma das suas principais diretrizes administrativas.

Os ecos de duas dessas orientações parecem ter-se desfeito no ar. Os salários nem sempre foram pagos em dia nos últimos tempos, na tradicional periodicidade quinzenal, e o nome da empresa começou a aparecer nos registros dos cartórios e nas barras da justiça. A invencibilidade da poderosa corporação começou a ser posta em cheque e o temor que ela infundia na sociedade está se dissipando. Métodos truculentos impostos aos credores e aos anunciantes deixaram de ter efeito porque a pujança do império de comunicação começou a exibir fraturas cada vez mais visíveis. Daí a boataria sobre a falência pegar com facilidade, como os incêndios – em geral criminosos – que consomem a floresta amazônica na triste temporada deste verão. É como fogo em mato seco.

Essa truculência funcionou em três das principais contendas por afirmação de poder travadas pelo grupo Liberal contra a Celpa, o Banco da Amazônia e a Companhia Vale do Rio Doce. Coagida a assumir uma programação publicitária que não aprovara, a CVRD ensaiou uma reação inédita na história da relação dos anunciantes com as ORM: ajuizou na 10ª vara cível, em 2003, uma ação de indenização pelo dano moral e material que teria sofrido, em conseqüência de uma campanha contra si desencadeada nos veículos do grupo Liberal. Mas as partes acabaram fazendo um acordo extra-autos: a CVRD voltou ao patrocínio publicitário e as notícias desagradáveis sumiram do jornal e das emissoras de rádio e televisão dos Maiorana, que passaram a ser só festas para o lado da Vale. A última movimentação nos autos do processo ocorreu em 29 de janeiro de 2004.

Temporada de fogo

Há quase um semestre há outro contencioso na praça: os Yamada, o maior grupo econômico genuinamente local (embora de origem familiar japonesa), não aceitaram as imposições que lhe foram ditadas pelo principal executivo das ORM, Romulo Maiorana Júnior. Como punição, a Y. Yamada foi impedida de continuar a veicular seus anúncios na empresa de comunicação, líder no segmento de televisão em função da afiliação à Rede Globo. Ao invés de se submeter ao capricho para voltar à principal mídia, os Yamada simplesmente se restringiram aos outros veículos. E mandaram dizer, depois, que nada perderam desde então, muito pelo contrário. Não voltarão à mídia Maiorana por iniciativa própria.

Mas experimentaram a primeira retaliação quando O Liberal abriu manchete de página, na semana passada, para anunciar que o grupo Yamada era o campeão das reclamações dos consumidores no Procon. Dois dias depois, em espaço mais discreto, o jornal incorporou os esclarecimentos do administrador do cartão Yamada, Fábio Oliveira. Ele explicou que no período de mais de um ano, entre agosto de 2006 e setembro de 2007, as 34 lojas do grupo, que tem a maior rede de varejo do Norte do país, venderam 158,6 milhões de mercadorias para as 23,6 milhões de pessoas que atenderam no período. As 373 reclamações protocoladas contra a firma no Procon são, diante desses números, rigorosamente insignificantes. Ainda mais porque, explicou o executivo, 346 delas já haviam sido resolvidas, a maioria no prazo médio de 15 dias. O motivo das queixas era atraso na entrega – ou não entrega – das mercadorias

Em outra circunstância, o jornal dos Maiorana teria aberto a manchete para exaltar uma empresa tão poderosa como a dos Yamada, sem levar em consideração o hábito do consumidor de pouco reclamar e a desatenção da corporação comercial à cidade e aos seus funcionários. Experimentando agora do próprio veneno, de interditar o acesso aos seus veículos, achando que assim imporia pena de morte ao anunciante, que, no entanto, sobreviveu e segue normalmente sua atividade, as ORM podem voltar a novos ataques aos Yamada. Mas já sem a força de antes.

Como seu poder foi reduzido e dividido entre outros concorrentes, ou o poderoso império de antes se ajusta às suas dimensões reais de hoje, ou sofrerá novos contratempos e a onda de notícias sobre o seu enfraquecimento deixará de ser apenas mais uma boataria no ar. A opinião pública começou a perceber, na temporada de fogo deste ano, olhando para sua devastada floresta, que onde há fumaça há fogo.

******

Editor do Jornal Pessoal, Belém (PA)