Para atestar definitivamente que o Diário do Pará conseguiu a façanha de superar em vendas a O Liberal, resta agora o Instituto Verificador de Circulação (IVC) fazer uma auditagem no jornal do deputado federal Jader Barbalho. As pesquisas realizadas pelo Ibope, a última delas em dezembro do ano passado, mostraram que a circulação paga do Diário já é maior do que a do jornal dos Maiorana. Mas a fonte de maior credibilidade nessa matéria é mesmo o IVC.
Até o início do ano passado, O Liberal era a única empresa jornalística do Pará auditada pelo instituto, organização com mais de meio século de existência, criada por veículos da mídia e agências de publicidade do sul do país. Mas quando o IVC constatou que a circulação do jornal líder de mercado fora inchada artificialmente, sendo, na melhor das hipóteses, 50% menor do que a declarada pelo editor, O Liberal se desfiliou do instituto. Foi exatamente na véspera da chegada de uma equipe do IVC, que faria a primeira auditagem de 2006.
Foi um caso inédito na história da entidade. Em litígios anteriores, a empresa auditada sempre tentava se defender do relatório do instituto, como no mais célebre desses casos, com a Folha de S.Paulo (que acabou se filiando novamente ao IVC). Uma fuga, pura e simples, sem qualquer contestação, só O Liberal a praticou.
Desde então o Diário do Pará anuncia – embora apenas indiretamente – que será o novo filiado do IVC. É a iniciativa que está faltando para que a derrota do jornal da família Maiorana deixe de suscitar qualquer dúvida, já que a metodologia do Ibope (que mede índice de leitura, sem comprovar a venda de exemplares) admite dúvidas, interpretações divergentes e questionamentos. Se ainda não pôde apresentar números do IVC, provavelmente o Diário ainda não está em condições de se submeter à rigorosa auditagem que o instituto realiza.
No entanto, os relatórios elaborados pelo IVC ainda sob contrato com a Delta Publicidade são categóricos: O Liberal perdeu a liderança no segmento de jornal impresso. Apesar disso, a empresa continua a proclamar que edita o jornal mais lido, não apenas do Pará, mas de todo Norte e Nordeste do Brasil. É a persistência num erro pelo qual a família Maiorana já pagou caro: o líder, de fato, é A Tarde, de Salvador (tão líder que na época o vazamento do relatório do IVC, mostrando a farsa de O Liberal, foi atribuído ao jornal baiano).
Matérias críticas
A insistência em desafiar os fatos poderá provocar novas e pesadas cobranças. O grupo Liberal decidiu enfrentar o maior anunciante particular do Pará, o grupo Yamada, por divergências comerciais. Os Yamada teriam sido surpreendidos pela decisão do principal executivo da corporação de comunicação, Romulo Maiorana Júnior, de suspender a veiculação de anúncios da empresa, a maior do setor de varejo e cada vez mais forte no segmento de supermercado, enquanto Y. Yamada não destinar ao grupo Liberal uma verba de publicidade superior à do concorrente ou não cumprir a tabela de preços, sem desconto, conforme diferentes versões dadas ao episódio.
O grupo Liberal usa o amplo domínio que exerce na área de televisão, graças à sua condição de emissora afiliada à Rede Globo de Televisão, para fechar pacotes, que incluem o jornal e a rádio, ignorando a perda de posição de O Liberal. Depois de muito tempo de submissão às diretrizes do grupo Liberal, alguns anunciantes começaram a reagir. O exemplo mais enfático é o atual, do grupo Yamada. Há duas semanas os anúncios da empresa não aparecem nos veículos das Organizações Romulo Maiorana.
O problema, porém, não é apenas com o setor privado. O grupo Liberal resolveu adotar o mesmo procedimento em relação ao governo estadual, o maior de todos os seus anunciantes: exigiu que sua parte na verba da propaganda oficial continue a ser a maior e que o estado cumpra a tabela cheia, sem reduções. A princípio, seria a forma de compensar a suspensão, em janeiro, do pagamento mensal que o estado fez à TV Liberal, ao longo de mais de 9 anos de administração tucana, num total de mais de 35 milhões de reais (valor histórico, sem atualização).
Por muitos motivos, porém, tornou-se impossível ao novo governo honrar os termos do ‘convênio’, assinado em 1997, na metade do primeiro mandato de Almir Gabriel. A parcela de janeiro atingiu R$ 465 mil, mais do que o dobro da primeira mensalidade, que foi de R$ 200 mil. O valor é maior do que a folha de pessoal da Funtelpa. O ônus simplesmente inviabilizava o projeto de transformar a TV Cultura numa verdadeira televisão pública e de diversificar a política de comunicação imaginada pelo governo petista.
Foram formuladas tentativas de composição, que podiam compensar a perda do grupo Liberal e evitar um confronto, mas parece que não estão dando certo diante da posição da empresa. O noticiário de O Liberal abriga com crescente freqüência matérias críticas à administração estadual, embora, na maioria dos casos, oriundas de agências de notícias ou de outras publicações. Esse tratamento poderia transmitir a impaciência do grupo Liberal, que não se satisfez com a manutenção do uso do jatinho da ORM Air nem com os pingados anúncios oficiais. Quer mais – e logo.
Interesses contrariados
O governo cederá a essa pressão? A resposta será dada através do contencioso Funtelpa/TV Liberal. A comissão de inquérito instaurada pela Fundação de Telecomunicações do Pará concluiu, na semana passada, depois de 90 dias de trabalho, pela ilegalidade e lesividade do contrato, disfarçado de convênio, que herdou do PSDB. Por isso, a relação terá que ser anulada e nenhum pagamento será feito. A comissão também recomendou que a Funtelpa busque o ressarcimento do dinheiro pelas medidas cabíveis, administrativas e judiciais. Dentre elas, habilitar-se na ação popular ajuizada em 1997, invertendo, porém, sua posição, de ré para autora. E cobrar a devolução dos recursos desde o início do ‘convênio’.
A opção mais fácil e mais fulminante não foi adotada, que seria a revogação do termo aditivo assinado em 31 de dezembro de 2006, prorrogando por mais um ano a vigência do contrato. Mas se as recomendações da comissão forem aplicadas e desde que as complicações implícitas não a anulem, o governo assumirá o risco de receber do outro lado uma declaração de guerra. Os próximos passos definirão qual das hipóteses possíveis será a seguida.
A Funtelpa, com base no inquérito, deverá continuar a ceder, por mais seis ou oito meses (na prática, até o final da prorrogação do ‘convênio’), suas 78 torres para a retransmissão do sinal da TV Liberal, que é, na essência, a programação da TV Globo. A Liberal nada pagará por essa cessão, mas teria que abrir algumas ‘janelas’ para a TV Cultura exibir seus próprios programas e, progressivamente, acabar por usar todo tempo.
Se a TV Liberal estiver em condições de prosseguir e acelerar o projeto de formação de sua rede própria de estações retransmissoras, que anda em passo de cágado, terá que considerar positivo nada pagar pela continuidade da cessão da rede da Funtelpa até o final do ano. Mas se repetir em relação ao governo a postura adotada com os Yamada, logo o noticiário jornalístico dos seus veículos será posto inteiramente a serviço dos seus interesses contrariados. E a água virará vinho. Ou vice-versa.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)