Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Hélio Campos Mello

‘O jornal The New York Times, em sua edição de domingo 9, publicou reportagem de seu correspondente no Brasil, Larry Rohter, que causou profunda indignação no País. Sob o título ‘Hábito de beber de líder brasileiro vira preocupação nacional’, a matéria foi elaborada usando informações inconsistentes e traçou um perfil humilhante do presidente da República. As manifestações de repúdio foram imediatas e vieram de todos os lados. Até o senador Artur Virgílio, líder do PSDB e ferrenho opositor do governo, ocupou a tribuna e considerou a reportagem uma ‘grosseria’ e ‘ofensiva à dignidade do País’. O vice-presidente José de Alencar considerou-a uma ‘infâmia’ e o ministro José Dirceu disse que respeita a liberdade de imprensa, mas considera a matéria ofensiva ao País.

A indignação foi irrestrita, e o governo num primeiro momento considerou a hipótese de entrar na Justiça e exigir retratação. Antes o tivesse feito. Os ânimos se acirraram e o presidente acabou tomando a drástica e desastrada decisão de não renovar o visto do jornalista. O último caso similar aconteceu em 1970, em plena ditadura, quando François Pelou, da Agência France Press, foi expatriado por ter divulgado uma relação de presos políticos pedidos em troca da libertação de um embaixador sequestrado. A decisão de Lula causou mais barulho e revolta do que a reportagem do The New York Times e acabou redirecionando a enxurrada de críticas contra o governo.

Na quinta-feira 13, dois dias depois de tomar a malfadada decisão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu pela manhã, no Palácio do Planalto, os líderes da base do governo no Congresso. Articulado pelo senador petista Aloizio Mercadante, o grupo de parlamentares tinha a difícil missão de convencer Lula a recuar depois da repercussão negativa no Brasil e no Exterior. Segundo um dos presentes, o líder do PSB, senador João Capiberibe (AP), o que eles conseguiram foi que o presidente admitisse recuar da decisão só se o jornal se retratasse. Capiberibe também disse que saiu convencido de que a atitude tinha sido certa. ‘A matéria se refere até ao pai do presidente, diz que ele era alcoólatra’, afirmou o senador. Nesse mesmo dia, o presidente recebeu ISTOÉ e falou sobre as dificuldades da economia, a eleição em São Paulo e desabafou sobre o caso do The New York Times. Leia a seguir a entrevista do presidente.

ISTOÉ – A expulsão do jornalista americano pôs querosene numa fogueira que já estava em extinção, além de fazer lembrar dos tempos em que o senhor era perseguido pela ditadura. O sr. não piorou as coisas? Não abriu um precedente preocupante?

Luiz Inácio Lula da Silva – Primeiro que não tem precedente nem tem nada que atinja a liberdade de imprensa. O jornal pode tirar este cidadão e mandar 350 jornalistas pra cá para fazerem 350 matérias criticando o governo que não tem problema. Não estamos expulsando do Brasil este cidadão, que eu nem conheço.

É um direito do Estado conceder ou não o visto. É engraçado: os EUA não concedem visto ao deputado Fernando Gabeira, que sequestrou o embaixador em 1968. O embaixador já morreu de velho e ainda hoje o Gabeira não consegue entrar lá. Primeiro, eu não tomei nenhuma atitude precipitada. Fiquei sabendo da matéria no sábado. Li, reli, reli mais uma vez e fiquei tentando saber o fundamento. Por que um cidadão faria uma matéria daquela? Ele poderia dizer que o governo é incompetente, que o governo não está conseguindo fazer nada. Poderia dizer que eu bebo. Que gosto de tomar uísque, de tomar uma cerveja, de fumar um charuto. É a pura verdade.

ISTOÉ – Então onde é que pegou?

Lula – Primeiro, eu não sou o Lula, sou o presidente da República. Que é uma instituição. Segundo, esse cidadão nunca esteve comigo, nunca viu o meu cotidiano. Não poderia passar para fora que o Brasil é governado por um alcoólatra. Eu duvido que qualquer companheiro tenha me visto bêbado alguma vez. Faço este desafio para a imprensa nacional. Ele poderia ter dito tudo o que quisesse: o presidente Lula vai nos coquetéis e bebe, vai nos almoços e toma um uísque. Poderia até me acompanhar marcando a quantidade que eu tomo. Tomou dois, tomou um, tomou um copo de vinho. Poderia até fazer um cálculo para o IBGE. Mas não. Baseado em notícias de um tal de Mainardi, que eu não sei aonde fica, baseado numa figura como o Cláudio Humberto e baseado no Brizola – que deve ter muita experiência de alcoolismo mesmo -, ele afirma que o Brasil corre risco porque o presidente Lula é um bêbado e o povo está preocupado com isso. Esse é o problema. Nenhum político neste país já bebeu com o povo como eu bebi. E você lembra. Eu tomava meu aperitivo, e às vezes era na porta de fábrica. Nunca escondi de ninguém, nunca fingi, nunca impedi que tirassem uma fotografia minha. Agora, veja a situação. Quando eu chegar na África do Sul, em Angola, quando eu for falar com o sheik da Arábia Saudita, ele vai dizer: ‘Pô, será que esse cara está bêbado? Ele é um alcoólatra.’ Fiquei indefeso. O Brasil não é governado por um alcoólatra. Qual era o único instrumento que eu tinha? Bom, esse cidadão não tem direito de estar aqui, é uma concessão do Estado brasileiro permitir que ele fique aqui. Essa pessoa é uma persona non grata no Brasil. Está vencendo o contrato dele e não vamos renovar. O NYT que mande outro para cá. Fiz isto com a maior consciência, sabendo, inclusive, dos antecedentes deste cara.

ISTOÉ – O que aconteceu para o jornal publicar essa reportagem?

Lula – Eu aprendi desde pequeno, acho que por razões da minha família, a me respeitar, sabe? Aprendi a ter auto-estima. Se eu não me defender, ninguém vai me defender. Este foi o gesto da minha indignação. O cidadão não fez uma crítica política, uma crítica ao governo, ele atacou, da forma mais difamatória possível, a instituição Presidência da República. Não foi uma coisa qualquer que ele fez.

ISTOÉ – Não há como o senhor recuar?

Lula – Estou tranquilo com o que fiz, posso perder no Judiciário. A única possibilidade de eu mudar de posição – e você sabe que eu sou uma figura generosa – era se o NYT tivesse reconhecido a besteira que fez. Pelo contrário. O embaixador brasileiro foi lá e a porta-voz reiterou a matéria.

ISTOÉ – O governo está sendo acusado de paralisia. No caso Waldomiro, na MP do Bingo….

Lula – O governo não poderia fazer mais do que fez.

ISTOÉ – Não poderia ter tirado o caso Waldomiro de dentro do Palácio?

Lula – Eu fiquei sabendo do caso às 10h45. Ao meio-dia, o Waldomiro estava exonerado e a Polícia Federal já tinha aberto o inquérito. Este é o papel do Executivo. Mais do que isso, o que eu poderia fazer? Não tenho o direito de investigar, de prender e de punir. Tomei a decisão administrativa que era pertinente ao presidente da República. Temos de ter em conta que estamos num embate político e toda a oposição fica sempre na expectativa de que você cometa um deslize qualquer. Isto é normal. Nesses casos, precisamos ter paciência. Não podemos sequer chorar, porque já fizemos muito isso com os outros. Faz parte do jogo, não tem por que reclamar.

ISTOÉ – O que inviabiliza uma aproximação do PT com o PSDB?

Lula – O PSDB nasce com força junto a setores intelectuais em que o PT também tem certa influência. Há uma disputa quase natural dos dois partidos sobre qual deles tem hegemonia nesses setores. Isso dificulta uma aliança política. O PT, por exemplo, disputou com Mário Covas duas vezes e não teve nenhuma vacilação em apoiá-lo no segundo turno. Entendíamos que era a melhor solução para São Paulo. Já o PSDB não tem essa mesma facilidade em relação ao PT. Devemos ter paciência. Mas acredito que, quando começarmos a discutir reforma política, o País caminhe para ter menos e maiores partidos, com representação mais consolidada na sociedade. Vários setores confluirão para determinadas organizações políticas.

ISTOÉ – Mas uma convergência entre o PSDB e o PT daria ao senhor menos trabalho para governar.

Lula – Não é bem assim. Na época em que o Sarney era presidente, foram 23 governadores, 306 constituintes e, ainda assim, ele teve muita dificuldade. Nem sempre todo mundo no mesmo partido é sinônimo de facilidade. Se você tiver uma maioria consolidada no Congresso, há mais articulação. Vamos ser francos: até agora não tivemos problemas. O que as pessoas querem é ser contatadas, respeitadas e participar do processo desde o início. Foi assim que conseguimos aprovar as reformas da Previdência, Tributária e a regulamentação do setor energético brasileiro. Na verdade, não tivermos dificuldade para aprovar as coisas.

ISTOÉ – Mas o salário mínimo, por exemplo, está com problemas.

Lula – Na história deste país sempre tivemos problemas com a votação do mínimo. Ele sempre será menor do que as pessoas merecem e precisam. O Estado, como indutor da economia, está ficando empobrecido. Quando nós falamos do mínimo, é importante ter em mente que na iniciativa privada tem cada vez menos gente ganhando salário mínimo. Hoje, cerca de seis milhões de pessoas recebem o mínimo e nas chamadas categorias organizadas, ganha-se acima deste piso.

ISTOÉ – A eleição para a Prefeitura de São Paulo está se tornando plebiscitária. Com a candidatura de José Serra (PSDB) e a prefeita Marta não tendo um vice do PMDB, qual é a sua estratégia?

Lula – Todos têm a clareza da importância da eleição em São Paulo. Eu ainda não sei quais e quantos serão os candidatos. Mas estou certo de que dificilmente a Marta perderá as eleições.

ISTOÉ – O senhor acha que ela deve mudar o candidato a vice?

Lula – Não sei o que os companheiros do PT de São Paulo estão pensando, mas uma aliança com o PMDB é importante. Não apenas do ponto de vista da disputa eleitoral, da televisão, da eleição de uma grande maioria de vereadores. O PT de São Paulo tem maturidade para isso, é um partido muito estruturado. Vamos ver se é confirmada a indicação do ministro José Serra. (A candidatura foi confirmada no final da tarde) Dependendo do número de candidatos, acredito que o PT terá que fazer uma inflexão.

ISTOÉ – O sr. acredita que a prefeita está disposta a isto?

Lula – A Marta é muito inteligente. Vai analisar o quadro político. Eu conversei com o PMDB e o partido tem interesse em fazer aliança com o PT, mas quer discutir a composição da chapa, entre outras coisas. Se quisermos fazer uma coisa pra valer, o José Genoino (presidente do PT) e o Michel Temer (presidente do PMDB e candidato) têm que conversar com a prefeita. Como Marta tem muitas possibilidades de ganhar as eleições pelo trabalho que ela está fazendo – e não é só porque ela é uma mulher inteligente, bonita e que gosta de aparecer na tevê -, dificilmente terá um candidato em condições de derrotá-la.

ISTOÉ – Como o senhor está vendo este imbróglio da reeleição das mesas da Câmara e do Senado?

Lula – Eu disse aos presidentes da Câmara, João Paulo (PT-SP), e ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que não é bom que o Executivo tenha qualquer intromissão nessa primeira etapa da discussão. Depois que isto for decidido, aí sim mostraremos nossa disposição política de articular. O João Paulo é excepcional. Poucas vezes a Câmara teve um presidente com tal facilidade de interação com os deputados. O Sarney demonstrou muita solidez, uma postura de alguém que já foi presidente da República, sabe o que é sentar na cadeira e tem agido com toda prudência política para evitar qualquer transtorno. Os dois me dão tranquilidade. Agora, esse é um problema que eles terão que resolver.

ISTOÉ – No início, o senhor adotou a ortodoxia econômica e a responsabilidade fiscal. Agora, não seria a hora de corrigir a rota?

Lula – No primeiro ano, exercemos a única opção que tínhamos. E o fizemos com muita seriedade e celeridade. Enfrentamos problemas internos no nosso partido, entre os aliados, mas tínhamos consciência de que era preciso fazer o que foi feito.

ISTOÉ – Mas estes problemas foram previstos?

Lula – Antes de tomar uma decisão, sempre discuto os problemas que terei depois dela. Nós chegamos a dizer que, no momento de consolidação da imagem do Brasil no Exterior, da credibilidade da política externa, da qualidade do controle da dívida pública, teríamos uma dosagem razoável no investimento em política social. Foram R$ 3,7 bilhões contra R$ 2 bilhões nos anos anteriores. E entramos em 2004 com a consciência tranquila de que a economia estava se preparando para crescer. Todos nós estaremos vivos nestes próximos meses para ver que a economia crescerá de forma sustentável, sem sobressaltos. Fizemos as coisas mais lentas do que deveríamos e gostaríamos. Era a forma necessária para que não fôssemos pegos de surpresa por algum vendaval. Tivemos o problema da taxa de juros no começo do ano. Mas não foi apenas a ausência de sinais da redução de juros em janeiro e fevereiro que contrariou o otimismo da sociedade, sobretudo dos empresários. Depois, tivemos o episódio Waldomiro, que causou um certo tumulto na política interna e dentro do governo. O que conversávamos sempre, sobretudo eu, Zé Dirceu (ministro da Casa Civil) e (Antônio) Palocci (Fazenda), era no sentido de separar a economia do problema político. Temos que fazer com que a economia continue andando de forma sólida, ainda que lenta, para não termos um retrocesso. Os dados já começam a mostrar que agimos corretamente. O crescimento industrial está melhorando. Não vou nem falar do agronegócio, que se expande de forma extraordinária. O mesmo ocorre com as nossas exportações, as vendas de equipamentos agrícolas. Criamos a política industrial, o emprego formal está crescendo – não na medida em que eu gostaria -, mas está crescendo. Temos um saldo positivo no primeiro semestre de 347 mil novos empregos com carteira assinada.

ISTOÉ – As exportações e os bancos vão bem, mas o mercado interno sofre. Quando isto muda?

Lula – Este é o nosso grande desafio. O crescimento do mercado interno pressupõe mais crescimento nas indústrias, nas economias de bens de consumo popular. É preciso mais crédito e, sobretudo, a juros mais baratos. Estamos tomando várias medidas para colocar mais dinheiro em circulação. O Brasil teve momentos em que o Estado tinha capacidade de investimento, dinheiro. Na medida em que não se tem a capacidade de fazer a indução necessária, a iniciativa privada se retrai, se retrai a entrada de investimento externo. Constatamos o óbvio: há anos o Estado brasileiro perdeu a capacidade de indução, que começou com o Collor.

ISTOÉ – Qual a saída?

Lula – Mandamos para o Congresso o PPP (Parcerias Público-Privadas) e a lei que desbloqueia a possibilidade de investimento do sistema financeiro na construção civil, criando condições que facilitam a vida do vendedor e do comprador. O PPP permitirá a possibilidade de pactuar com a iniciativa privada a idéia da construção de determinadas obras que o Estado não tem dinheiro para construir. Estou convencido de que, quando o projeto for aprovado, faremos ótimas parcerias. Estamos criando as condições para que as mudanças estruturais permitam que a iniciativa privada faça estes investimentos diante da fragilidade do Estado. Feito isto, a economia estará preparada para crescer mais do que os 3,5% que temos convicção de que crescerá neste ano.

ISTOÉ – Fazer comparações com o antecessor, como se viu no programa de tevê do PT, não seria levantar a bola do adversário?

Lula – Não. Quando alguém escreve um artigo dizendo que o governo está paralisado, sou obrigado a mostrar a comparação porque é o único instrumento que tenho para provar que não é verdade. Só para você ter idéia: os R$ 2,9 bilhões de investimentos em saneamento básico que anunciei hoje é mais do que foi feito em sete anos pelo governo passado. Não existe nenhuma paralisia. Pegamos este país com as estradas totalmente destroçadas. A última grande restauração foi no governo Sarney, que recuperou cinco mil quilômetros. A partir de junho, começaremos a restaurar 7,8 mil quilômetros. O dinheiro já está liberado. O País está em movimento. Somemos alguns gastos com políticas sociais do governo

FHC. No ano em que ele gastou mais, foram R$ 2,7 bilhões. Neste ano, estamos gastando R$ 5,4 bilhões. Saímos de uma média per capita familiar de R$ 22 para

R$ 73. As pessoas estão recebendo praticamente o triplo. Vamos chegar em dezembro com seis milhões de famílias atendidas e no final do mandato com 11 milhões. As coisas estão acontecendo, não com a rapidez que eu desejo, mas estão acontecendo. E não mediremos esforços para implantar as políticas sociais. Veja a questão da reforma agrária. O meu desafio, e assumimos o compromisso de atendermos 430 mil famílias, é fazer um novo tipo de reforma agrária. Dar a cada assentamento as condições de produtividade que precisam para que justifique o investimento público feito.

ISTOÉ – Mas as invasões continuam.

Lula – Isso é outra coisa. Houve uma invasão no Incra, por exemplo, a respeito da qual o MST declarou não ter responsabilidade. É uma dissidência deles. As ocupações acontecem porque as pessoas querem se fazer enxergar, querem dizer: ‘Eu existo, lembrem de mim.’ Temos que tratar com carinho. A reforma agrária é uma necessidade. Mas tão necessário quanto fazermos a reforma agrária é garantirmos o sucesso da política agrícola para a agricultura familiar. O desafio é fazermos as coisas diferentes do que se vinha fazendo.’



Sônia Filgueiras e Weiller Diniz

‘Tiro no pé’, copyright IstoÉ, 14/05/04

‘Desde que pisou no Palácio do Planalto, o presidente Lula nunca havia experimentado uma unanimidade nacional. Conseguiu na terça-feira 11. Todo o País, inclusive a oposição mais sedenta, se solidarizou com o presidente numa saraivada de adjetivos contra a reportagem do jornal The New York Times, que afirmava ser uma preocupação nacional o suposto gosto de Lula por bebidas alcoólicas. Mas, em questão de horas, Lula passou de vítima a algoz, ao recorrer a um capítulo da Lei dos Estrangeiros – criado na ditadura militar – para expulsar o autor do texto, Larry Rohter. Irritadíssimo e sentindo-se ofendido, Lula teve o apoio dos ministros Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação) e Celso Amorim (Relações Exteriores) e do porta-voz da Presidência, André Singer. Foi a primeira vez que um governo democrático utilizou a enrugada lei para banir do País uma pessoa tida como ‘inconveniente’. O mundo condenou duramente o governo brasileiro e as possíveis ameaças à liberdade de imprensa. Lula teve ainda de amargar a decisão do Superior Tribunal de Justiça de manter Rohter no Brasil, na quinta-feira 13, ao dar um salvo-conduto para o repórter.

O exagero da medida alvoroçou o País, paralisou o Congresso e levou ao stress os aliados do governo. Tudo começou no sábado 8, quando chegou às bancas a edição dominical do jornal americano com a reportagem assinada por Larry Rohter insinuando que Lula exagerava na ingestão de bebidas. O presidente nem tinha lido a reportagem. Somente na segunda-feira 10 tomou conhecimento de uma nota-resposta feita à sua revelia pelo porta-voz, André Singer, e aprovada pelo ministro Luiz Gushiken no dia anterior. Chamou a seu gabinete o assessor de imprensa, Ricardo Kotscho, Singer e Gushiken para reclamar da divulgação da nota sem que ele fosse consultado. Singer lhe mostrou o texto numa leitura dramatizada. O presidente ficou irritadíssimo e acabou achando a nota suave demais. Exigiu respostas mais enérgicas. Na terça-feira 11, Lula teve nova reunião com Gushiken, Singer e Kotscho para discutir o assunto. Mas, dessa vez, o encontro foi reforçado pelos ministros José Dirceu (Casa Civil) e Celso Amorim (Relações Exteriores), pelo advogado-geral da União, Álvaro Ribeiro e pelo secretário particular, Gilberto Carvalho, além do ministro da Justiça interino, Luis Paulo Teles Barreto. Antes, o presidente já havia disparado telefonemas a todos os presentes pedindo sugestões de providências contra a reportagem, baseada em fontes duvidosas para afirmar o suposto pendor alcoólico presidencial. Foi o chanceler Amorim quem serviu o maior cardápio de opções, entre elas a expulsão. A área jurídica do governo discordou, preferindo orientar o presidente a mover um processo judicial. ‘Eu não posso esperar. Quero mandar esse cara para fora do País. Quero cassar o visto’, sentenciou Lula, enfurecido. ‘É um tiro no pé. Ele é casado com uma brasileira e pode ter um visto permanente’, ponderou o ministro Teles Barreto. ‘A decisão está tomada’, reagiu Lula, batendo na mesa. Também foram contrários à expulsão o jornalista Ricardo Kotscho e Gilberto Carvalho, mas José Dirceu (banido do País na ditadura), Celso Amorim, Singer e Gushiken insuflaram a expulsão.

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em viagem à Suíça, foi apenas comunicado da decisão e não gostou. ‘Depois avaliamos’, respondeu Bastos ao ser informado dos fatos por seu interino. ‘Já apanhei muito, tenho o couro grosso como o de tatu. Mas não admito mexer com minha honra e a da minha família’, esbravejou o presidente, revelando um dos pontos mais incômodos da reportagem – a referência a supostos problemas de seu pai. ‘O sr. da Silva nasceu em uma família pobre em um dos Estados mais pobres do País e passou anos como líder de sindicato, um ambiente conhecido pelo uso de álcool. Seu pai Aristides, que ele pouco conheceu e que morreu em 1978, era um alcoólatra que abusava de seus filhos’, escreveu o jornalista. ‘Se eu recuar, perco o respeito por mim mesmo. Não me importo que falem de minhas gafes, mas com minha família não posso recuar’, desabafou Lula aos líderes do Senado que tentaram, em vão, convencê-lo a retroceder na expulsão do jornalista na manhã de quinta-feira.

Do grupo que ficou contra a expulsão, Márcio Thomaz Bastos foi o que mais se chamuscou por suas opiniões e conduta. Contrário à aplicação de uma lei da ditadura que caiu em desuso, Bastos fez tudo o que pôde para impedir a decisão presidencial. Ao ser informado por seu interino sobre a tomada de posição de Lula, na terça-feira à noite, chegou a tentar impedir a publicação da nota oficial que tornaria pública a expulsão. A pressão do Planalto foi maior. No dia seguinte, em dois telefonemas, o ministro insistiu em um recuo, sem êxito. Na quinta-feira, partiu para uma nova tentativa: ‘Presidente, se houver uma retratação, o senhor poderia reconsiderar?’, perguntou o ministro, de posse de uma carta na qual Larry Rohter ensaiava um pedido de desculpas. A resposta foi seca: ‘Não vou reconsiderar, mas, de qualquer maneira, mande a carta que vou avaliar’, encerrou o presidente. O ministro encaminhou o texto por fax, reforçado por uma defesa na qual o considerava suficiente para uma reconsideração. Lula achou-o insuficiente e exigiu uma retratação clara ou desculpas públicas. Além de discordar, o presidente se irritou com Bastos. ‘O Márcio defendeu mais o jornal que a mim’, queixou-se no encontro com os líderes. ‘O Márcio quase me pede para condecorar o cara’, recriminou. Na quinta-feira à noite, o Ministério da Justiça ainda esperava uma segunda carta de Rohter com pedidos explícitos de desculpas.

O que mais indignou o presidente foram as informações repassadas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) de que Rohter é o autor da expressão ‘Novo eixo do mal’, uma suposta trindade presidencial composta por Lula, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, e o cubano, Fidel Castro. O governo está convencido de que o jornalista americano agiu de má-fé para prejudicar o Brasil. ‘Ele disse ao mundo: não negociem com o presidente brasileiro porque ele é um bêbado’, avaliou um ministro. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP), vai mais além: ‘Estou convencido de que ele é vinculado ao Departamento de Estado americano.’ Instituições internacionais especialistas em mídia também suspeitam de Rohter. O professor Jack Lule, da Universidade da Pensilvânia, vê uma estranha coerência no trabalho do repórter, seja no Brasil, seja na América Central ou do Sul, de seguir sempre a política externa do Departamento de Estado. Segundo Jack Lule, ‘o temor do mundo de que a cobertura de correspondentes americanos seja vinculada à política externa dos EUA se materializa nas suas matérias’.

O fato é que Márcio Thomaz Bastos, advogado experiente, já antevia que a Justiça garantiria a permanência de Rohter no Brasil. Na decisão do ministro do STJ, Peçanha Martins, que deu o salvo-conduto ao jornalista, o governo teve de encarar uma aula de direito constitucional. ‘No Estado democrático de direito, não se pode submeter a liberdade às razões de conveniência ou oportunidade da administração’, criticou Martins, deixando claro que, na sua opinião, Lula misturou o público com o privado ao utilizar instrumentos do governo para se defender de acusações pessoais. O Planalto discorda. Avalia que a Presidência, como instituição, foi atingida. O saldo dos erros foi um tremendo mal-estar entre o presidente e seu ministro da Justiça, que já anda pensando em pedir o boné. Só não o fará agora porque sabe que sua saída agravaria ainda mais a crise. Mas, na primeira oportunidade – possivelmente na reforma do Judiciário -, Bastos pode deixar o governo, apesar de sua amizade com o presidente.

A crise provocou um prejuízo colateral: acabou ofuscando preciosas notícias positivas registradas durante a semana. A economia finalmente começa a responder ao processo de redução dos juros e entra firme em um ritmo de recuperação. A produção industrial subiu 2,1% em março em comparação com fevereiro. Em relação a março de 2003, o aumento foi de 11%. A greve da Polícia Federal, paralisação que mais angustiava o governo, acabou. O estrago causado pelo caso Waldomiro parece ter se esgotado: a mais recente pesquisa CNT/Census mostra que o processo de queda da popularidade do presidente foi interrompido. Até o pacote de combate ao desemprego, preparado com zelo pelo governo e anunciado na quinta-feira 13, passou praticamente despercebido. Entre outras medidas, o Planalto anunciou mudanças no programa Primeiro Emprego, mais R$ 2,9 bilhões para obras municipais de saneamento e o recrutamento extra de 30 mil soldados nas Forças Armadas. Com isso, em vez de fortalecido, o governo entra debilitado em uma semana sabidamente delicada. A instabilidade no mercado internacional provocada pela expectativa de aumento dos juros americanos lançou uma sombra sobre a disposição do Comitê de Política Monetária do Banco Central, que se reúne na próxima semana, em prosseguir com a gradual redução das taxas de juros. Já no Congresso, anuncia-se uma verdadeira guerra em torno do novo valor do salário mínimo. O deputado oposicionista Rodrigo Maia (PFL-RJ), relator da medida provisória do mínimo, resolveu fixá-lo em R$ 275. O governo não abre mão dos R$ 260. O assunto, que racha até a bancada petista, vai ser discutido no plenário da Câmara. No meio do maremoto, Lula atravessa o mundo esta semana para fechar negócios na China, mas terá de manter os olhos bem abertos no Brasil. (COM Eduardo Hollanda e Fernando F. Kadaoka)’



Aziz Filho

‘Arrogância e preguiça’, copyright IstoÉ, 14/05/04

‘O barulho internacional em torno da polêmica decisão do presidente Lula de cancelar o visto do correspondente Larry Rohter praticamente inverteu a corrente uníssona de indignação contra a reportagem intitulada ‘Hábito de beber de líder brasileiro vira preocupação nacional’, publicada no The New York Times. Os erros primários cometidos pelo repórter agridem todos os manuais de ética e de técnicas de redação. A começar pela desconsideração de dois princípios sagrados do jornalismo no mundo todo: a veracidade das informações e a credibilidade das fontes. Larry cometeu descuidos surpreendentes para um correspondente de um jornal da estatura do NYT, o maior dos Estados Unidos. Agravado pelo fato de que não é iniciante em Brasil, onde está há cinco anos. Tem 54 anos e é casado com uma brasileira há 20, com quem tem dois filhos.

As agressões começam no título, que traduz o espírito de um texto com muito mais suposições do que fatos. Não há um único depoimento sustentando que o País estaria preocupado com o suposto vício do presidente. Larry afirma que Lula se distancia do público nos momentos de crise para, em seguida, confabular consigo mesmo: ‘Essa atitude tem levantado especulação sobre se o seu aparente desengajamento e passividade podem de alguma forma estar relacionados a seu apetite por álcool.’ Um estudante de comunicação dificilmente produziria algo menos consistente.

O jornalista demonstra desprezo pela verdade em vários momentos de seu rosário de ilações. O primeiro, quando tenta convencer o leitor de que a suposta bebedeira de Lula ‘tem se infiltrado na consciência pública e se tornado alvo de piadas.’ O leitor se espanta ainda mais com a frase: ‘Com um misto de compaixão e simpatia, os brasileiros têm assistido a seus esforços (de Lula) para não fumar em público, a seus flertes com atrizes em eventos públicos e à sua batalha contínua para evitar comidas gordurosas.’ Seria patético se não fosse, antes, um texto ruim mesmo.

Outro princípio básico do jornalismo que se pretende decente e que o trabalho de Larry ignorou é o da credibilidade. Toda notícia deve se basear em fontes confiáveis de informação. Nenhuma pessoa afirma ter visto o presidente se embriagando. A primeira fonte na qual Larry bebeu – para combinar com sua semântica etílica – foi o ex-governador Leonel Brizola, que disse ter aconselhado Lula, em 1998, a evitar bebidas destiladas. O americano deveria saber, já que é correspondente no maior país da América do Sul, que Brizola é hoje o algoz mais impiedoso de Lula, contra o qual dirige todo tipo de impropérios. O texto diz que Brizola é um simples ‘crítico do governo’, termo no mínimo tímido para definir a gana do ex-governador contra o sapo barbudo.

Na segunda fonte à qual recorreu, Larry usou um recurso maldoso do jornalismo: a omissão. Ele cita piadinhas do colunista Cláudio Humberto, escondendo se tratar do ex-porta-voz de Fernando Collor, que travou uma luta de morte com Lula em 1989. São piadas de gosto duvidoso, como a de que o avião presidencial deveria se chamar ‘Pirassununga 51’ em comparação com o ‘Força Aérea Um’, e estão longe de embasar uma reportagem com teor tão explosivo. A última fonte citada foi o também colunista Diogo Mainardi. Apresentado pelo próprio Larry como ‘crítico mordaz’, a coluna da qual o americano extrai suas informações valiosas é exclusivamente opinativa.

A preguiça talvez tenha sido a maior responsável pela má qualidade da reportagem do NYT. Larry acusou o presidente da República de ser alcoólatra sem se dar ao trabalho de ouvir qualquer pessoa com legitimidade para sustentar a afirmação. Limitou-se a montar um quebra-cabeças com recortes de jornais, peças de uma mente criativa e demonstrações de preconceito explícito, outro pecado mortal no jornalismo. Larry diz que Lula liderava ‘sindicatos de trabalhadores, um ambiente famoso pelo alto consumo de álcool’. Insinua que o vício do presidente pode ter sido herdado do pai, ‘um alcoólatra que maltratava suas crianças’. Sugere que todas as gafes ou indiscrições de Lula são atribuídas pelos brasileiros ao seu hábito de beber.

Embaralhar informações históricas é outra prática pouco tolerada na imprensa. Ao forçar uma comparação de Lula com Jânio Quadros, dá a entender que o álcool contribuiu para a renúncia do ex-presidente. O fato, segundo ele, ‘iniciou um período de instabilidade política que levou a um golpe de Estado’. O leitor desprevenido fica com a impressão de que o gosto de Jânio pela bebida influenciou mais a turbulência dos anos 60 do que fenômenos como a atuação da CIA e o apoio dos Estados Unidos aos golpistas que derrubaram João Goulart.

A briga entre Lula e o NYT mostrou que Larry snão é o único a desconhecer a história. Ao tentar expulsar um jornalista do País, o presidente e os assessores que não tentaram demovê-lo da idéia provavelmente não levaram em conta que o último correspondente mandado de volta para casa foi em 1970. Foi quando a ditadura militar expatriou François Pelou, da agência France Press, por divulgar um manifesto e a relação dos 70 presos políticos exigidos em troca da libertação do embaixador suíço Geovanni Enrico Bucher. Entrar nessa história não foi um bom negócio para o presidente Lula. De um dia para o outro, ele passou de herói a vilão e conseguiu transformar em mártir o autor de uma reportagem simplesmente ruim.’



Osmar Freitas Jr.

‘O abstêmio’, copyright IstoÉ, 14/05/04

‘Acusar um presidente da República de ser alcoólatra é ato grave. A rotulação assume dimensões ainda mais devastadoras do que se fosse colada a um cidadão sem mandato. O chefe de Estado, afinal, toma decisões que afetam as vidas de milhões de pessoas. A simples suspeita do vício já é suficiente para abalar políticas nacionais – e internacionais. A despeito destas ponderações, setores da imprensa e especialistas em alcoolismo nos Estados Unidos vêm insistindo em classificar o presidente como bêbado. George W. Bush, consta, não toma nenhuma gota de álcool desde o dia 28 de junho de 1986. Mesmo assim, começando há dois anos, e culminando no último mês de abril, vêm se desenvolvendo em publicações e sites da internet no país uma grande polêmica sobre a sobriedade do ocupante da Casa Branca. A suspeita que se levanta é a de que W. Bush seria um ‘dry drunk’- termo técnico usado por terapeutas de combate ao alcoolismo, e que literalmente significa ‘bêbado seco’. Trata do estado mental de certos alcoólatras regenerados, que continuam exibindo comportamento errático e características do alcoólatra. A tese, aplicada ao líder da maior potência do mundo, tem componentes bastante convincentes e assustadores.

Em setembro de 2002, o comentarista político Alan Bisbort levantou a suspeita da bebedeira virtual de Bush na publicação American Politics Journal, na matéria ‘Dry drunk – is Bush making a cry for help?’ (Bêbado seco – estará Bush pedindo ajuda?). No artigo, Bisbort lembra que, segundo as estimativas mais conservadoras, existem dez milhões de alcoólatras nos Estados Unidos, e apenas poucas famílias não sofreram de algum modo com o drama deste vício. E ele vai buscar nas cartilhas da Associação dos Alcoólatras Anônimos a definição para o que acredita ser o estado psíquico do presidente. Liga atitudes e decisões do líder às patologias de seus anos de bebedeira.

O autor, ressalte-se, não é especialista no assunto e suas hipóteses se enquadram mais na categoria de texto político de oposição do que em um tratado científico. Aqueles que defendem a sobriedade do presidente Bush apontam que existem diferenças entre um alcoólatra e quem abusa da bebida. Os primeiros são totalmente dependentes e consumidores habituais do álcool. Os últimos apenas bebem demasiadamente. Com a palavra sobre o assunto, o suspeito, George W. Bush: ‘Se não fosse por Deus, eu não estaria aqui no Salão Oval. Estaria num bar’, frase dita a um grupo de líderes religiosos em visita à Casa Branca.

Mas a idéia do bêbado seco despertou o interesse de profissionais da área de tratamento de alcoolismo. ‘Normalmente, eu não usaria este termo (dry drunk). Mas no caso de George W. Bush, acho a frase de Bisbort muito apropriada’, disse Katherine van Wormer, professora do curso de assistência social da Universidade do Noroeste de Iowa e co-autora do livro Addiction treatment: a strenghts perspective (Tratamento do vício: uma perspectiva de resistência). Katherine aponta as características do chamado ‘bêbado seco’: 1) autopromoção exagerada e pomposidade; 2) comportamentos que evocam grandiosidade; 3) visões e julgamentos muito rígidos; 4) impaciência; 5) comportamento infantil; 6) análises irracionais; 7) projeções; e 8) reações exageradas. Feita a lista, a professora a relaciona com as atitudes conhecidas do presidente Bush. ‘Claramente George W. Bush tem todas essas características, menos a de autopromoção’, diz, pois afinal o homem é líder da maior potência do mundo. ‘Não se pode negar que Bush tem uma importância enorme como chefe de Estado. Mas o presidente é prepotente, especialmente quando atua na área de política externa. Quando essa prepotência é exagerada, o mundo todo é afetado. E ele tem claramente esses episódios paranóicos’, afirma Katherine.

É possível encontrar episódios de paranóia em Bush, especialmente em um de seus mais importantes discursos, quando em 2002 afirmou: ‘Nós devemos estar preparados para deter os Estados selvagens e seus clientes terroristas, antes que eles sejam capazes de ameaçar ou usar armas de destruição em massa contra os Estados Unidos ou nossos aliados e amigos.’ Naquele momento o presidente acreditava que o Iraque tinha armas de destruição em massa, a despeito das informações dos serviços de inteligência não terem comprovação. ‘A característica de projeção também fica evidente aqui. É a projeção do fato de que estamos prontos a atacar uma outra nação, mesmo que ela não esteja tão inclinada a nos atacar’, diz a professora. Projeção seria quando a vontade de alguém é projetada em uma outra pessoa. Ou seja, no caso de George W. Bush, ele é que tem vontade de atacar e projeta esse desejo nas nações inimigas. Dessa projeção vem a paranóia, característica deste governo, que prega ações preventivas contra inimigos que ainda não atacaram.

O homem de visão e julgamento ultra-rígidos também está presente em todos os discursos de Bush, segundo a professora da universidade de Iowa. ‘Bush está pronto a enfrentar o mundo, com um sentido quase bíblico. Considere estas palavras: ‘Olha, meu trabalho não é ficar nas nuanças. Eu acho que a clareza moral é importante… Isto é a luta do mal contra o bem.’ O maquiavelismo contido na frase é um dos indicativos dessa visão rígida’, diz Katherine. A tendência de polarizar situações não consta da lista acima, mas, como sugere a especialista, trata-se de ‘um clássico padrão do pensamento de alcoólatras’. É a perspectiva do viciado: ‘Ou está conosco ou está contra nós’, frase famosa do discurso do Estado da União em 2001. ‘Esta visão do ‘ou tudo ou nada’ é típica dos recém- recuperados do alcoolismo, e leva a um padrão de comportamento destrutivo’, diz a professora.

Padrões de pensamentos obsessivos também são marcas dessas pessoas. ‘Isso acontece por razões orgânicas resultantes de irregularidades químicas no cérebro. A mensagem numa parte do cérebro fica presa ali. Isso leva a uma enlouquecedora repetição de pensamentos. O presidente Bush parece exageradamente focado em se vingar de Saddam Hussein (lembre-se do ‘Ele tentou matar meu pai’). E esta obsessão levou o país e o mundo à guerra’, diz Katherine. A característica de comportamentos que evocam grandiosidade pôde ser notada em várias ocasiões em que o presidente se expôs imperialmente nas relações externas. Sua ida à Assembléia Geral da ONU para ameaçar ação de guerra ao Iraque, mesmo sem autorização daquele organismo, é bom demonstrativo. No item da lista do bêbado seco, a impaciência é apontada como outro indicativo da condição. ‘Bush está longe de ser um homem paciente’, diz Katherine. Ela cita o discurso feito em West Point, em 2003, como exemplo disso. ‘Se nós esperarmos que as ameaças se materializem, teremos aguardado por demais’, disse. ‘Significativamente, Bush só esperou a palavra da ONU e a aprovação do Congresso com extrema relutância’, diz a professora. Lembre-se também que os inspetores de armas da ONU, que investigavam o arsenal de Saddam, pediram mais tempo para completar seu trabalho, e não foram ouvidos pelo presidente americano.

Exageros – O comportamento infantil é sinônimo de simpatia para George W. Bush. Até hoje ele não perdeu a mania de apelidar pessoas e só chamá-las pela alcunha. O subsecretário de Defesa, Paul Wolfowitz – um dos maiores falcões de guerra do Pentágono -, foi rebatizado de ‘Lobinho’ (wolf é lobo em inglês).’Sua compulsão em terminar as batalhas do pai (no caso do Iraque, por exemplo) também demonstra infantilismo’, diz a especialista Katherine. E finalmente: reações exageradas, que também constam da lista do perfil do bêbado seco, estão presentes em incontáveis ações do presidente – desde a dimensão dada ao arsenal do Iraque até os conceitos contidos no chamado ‘ato patriótico’ (o conjunto de leis impostas domesticamente depois dos atentados de 11 de setembro nos Estados Unidos). Considere-se também a proposta de viagem tripulada a Marte, e a aterrissagem num porta-aviões – envergando uniforme de piloto – para declarar o fim da guerra no Iraque, que continua cada vez mais selvagem.

‘Em suma: George W. Bush manifesta todos os padrões clássicos daquilo que os alcoólatras em recuperação chamam de dry drunk. Seu comportamento é consistente com o quase imperceptível, mas significativo dano cerebral ocasionado por anos de pesadas bebedeiras e possível consumo de cocaína.’, finaliza a professora Katherine. Os porta-vozes da Casa Branca não quiseram comentar a questão, para não dignificar a hipótese.’