Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

História de uma pequena farsa

A oligarquia Sarney promoveu uma farsa, com a divulgação de uma falsa pesquisa de intenção de voto para governador, com o objetivo manifesto de iludir e confundir a opinião pública, bem como de prejudicar as candidaturas de seus adversários. Esta é a síntese do que será explicado no decorrer deste artigo.

1. Da farsa

Tudo começou na primeira semana de fevereiro de 2010, quando os blogs de Walter Rodrigues (04/02) e Marco d´Eça (05/02), e talvez outros mais, divulgaram uma falsa pesquisa eleitoral acerca das eleições para o governo do Maranhão, cuja autoria foi atribuída ao Instituto Sensus.

O momento era muito propício, pois o Instituto havia acabado de divulgar a pesquisa CNT/Sensus sobre a avaliação do governo federal e a sucessão presidencial (01/02), uma pesquisa já consolidada (está na 100a edição) e de ampla cobertura na mídia nacional. Assim, contando com a boa fé dos (e)leitores, a armação noticiou que, juntamente com a pesquisa nacional, o citado Instituto também havia feito uma pesquisa sobre a sucessão no Maranhão. O objetivo era claro: anunciar o ‘favoritismo’ de Roseana Sarney, bem como fragilizar as candidaturas adversárias.

Dos blogs, convenientemente patrocinados pelo governo do estado, a falsa pesquisa se espalhou pela internet, sendo ainda reproduzida pela mídia impressa, nos jornais O Estado do Maranhão (da família Sarney) e O Imparcial (edições de domingo, 07/02).

2. Da suspeita da farsa

Na condição de quem pesquisa e acompanha o processo político-eleitoral do Maranhão há mais de quinze anos, tão logo vi a pesquisa, procurei mais informações sobre a mesma nos sites do Instituto Sensus, da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), e, principalmente, do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão e do TSE.

Pois, conforme determina a legislação eleitoral, ‘a partir de 1o de janeiro de 2010, as entidades e empresas que realizarem pesquisas de opinião pública relativas às eleições ou aos candidatos, para conhecimento público, são obrigadas, para cada pesquisa’ a fazer o registro no tribunal eleitoral competente, contendo informações sobre: contratante, valor da pesquisa, metodologia, período de realização e questionário aplicado, dentre outros dados; cabendo às secretarias judiciárias, ‘no prazo de 24 horas’ contadas do registro, divulgar no sítio do tribunal eleitoral na internet (Resolução TSE no 23.190, de 16/12/2009, artigos 1o e 9o, grifo nosso).

A mesma resolução preceitua que ‘na divulgação dos resultados de pesquisas, atuais ou não, serão obrigatoriamente informados: o período de realização da coleta de dados; a margem de erro; o número de entrevistas; o nome da entidade ou empresa que a realizou, e, se for o caso, de quem a contratou; o número do processo de registro da pesquisa’ (Art. 10, grifo nosso). Ora, a intenção de dar publicidade às pesquisas é garantir a lisura e a transparência das mesmas, que poderão ser conferidas e questionadas por qualquer cidadão, bem como por candidatos e partidos.

O resultado da busca foi o seguinte:

** O site do Instituto Sensus (www.sensus.com.br) não mencionava qualquer pesquisa sobre sucessão no Maranhão, registrando apenas a pesquisa CNT/Sensus, o mesmo ocorrendo no site da CNT (www.cnt.org.br).

** A pesquisa nacional CNT/Sensus foi registrada no TSE com o protocolo no 1570/2010, citado impropriamente no blog de Marco d´Eça como sendo a pesquisa do Maranhão.

No site do TSE, seção de Pesquisas Eleitorais (que inclui o TRE-MA), só encontrava-se registrada a pesquisa nacional CNT/Sensus, para o cargo de presidente, disponibilizando o questionário aplicado (sem qualquer pergunta sobre as sucessões estaduais).

Do fracasso em encontrar informações sobre a pesquisa, nasceu a suspeita de que a mesma ou não teria sido registrada ou seria falsa. Em ambos os casos, ocorrem infração ou crime eleitoral, ainda segundo a Resolução no 23.190 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE):

Art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 10 desta resolução sujeita os responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinqüenta e três mil duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil quatrocentos e dez reais) (Lei no 9.504/97, art. 33, § 3°).

Art. 18. A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime, punível com detenção de 6 meses a 1 ano e multa no valor de R$ 53.205,00 (cinqüenta e três mil duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil quatrocentos e dez reais) (Lei no 9.504/97, art. 33, § 4°).

Estabelecida a suspeita, encaminhei por e-mail uma nota de preocupação (na sexta-feira, 05/02), expondo as razões pelas quais julgava que a pesquisa encontrava-se, no mínimo, sob suspeição. Solicitava ainda, à luz da ética política e da legislação, e na condição de pesquisador e cidadão, que os responsáveis esclarecessem quais as fontes que consultaram ou ouviram. Afinal, eu poderia estar enganado. Esta nota de preocupação foi publicada na edição de domingo do Jornal Pequeno (07/02), bem como em alguns blogs. Possivelmente, outras pessoas tiveram dúvidas semelhantes, manifestando-as, entretanto, de maneira reservada.

3. Da denúncia da farsa

A transformação da suspeita em certeza veio quando os citados blogueiros retiraram a pesquisa de suas páginas da internet, sem esclarecer, contudo, quais as suas fontes, ou seja, sem indicar qual o registro da pesquisa na Justiça Eleitoral e onde os dados da mesma estavam disponíveis para consulta pública, visando assegurar a transparência do processo eleitoral.

Num, a matéria foi retirada por ‘provavelmente’ conter ‘erros’ (em 05/02), mas o blogueiro Walter Rodrigues registrou ‘que os percentuais ali divulgados foram realmente apurados pelo instituto Sensus’, prometendo esclarecimentos posteriores que não foram dados. No outro blog, houve a admissão do problema, com a informação adicional de que apenas repetira informações de Walter Rodrigues. Após dar esclarecimentos no campo legal, inclusive sobre as multas (mas não sobre o crime), o blogueiro Marco d´Eça informou que teve orientação jurídica do Sistema Mirante no sentido da retirada da pesquisa, por conta do ‘rigor da justiça eleitoral’ (08/02).

Para consolidar a certeza, passei a ser alvo de ataques injustificados do blogueiro Walter Rodrigues, em sua prática usual de tentar desmerecer o interlocutor, no caso, desqualificando minha produção intelectual. Ora, pra quê os ataques se eu estava apenas, na condição de cidadão, questionando a origem e a veracidade da pesquisa? Bastava responder aos questionamentos, comprovar a legalidade da pesquisa e indicar que eu estava equivocado. Mas não é possível confessar o inconfessável! Ou, no popular, a mentira tem pernas curtas!

Este episódio, esta farsa, não pode ser entendido de maneira isolada, mas sim num contexto mais amplo. Pois, segundo indiquei no artigo ‘A bomba suja: crise, corrupção e violência no Maranhão contemporâneo’, a violência física e simbólica constitui um elemento estrutural de manutenção do poder oligárquico. Ao analisar a crise política dos últimos anos, indaguei o seguinte sobre os meios de comunicação:

‘E a mídia? O que se publicou nos jornais e na internet durante a `guerra de blogs e e-mails´ travada entre o Condomínio [de Jackson Lago] e o grupo Mirante? Cyberguerra, aliás, que lembrou bastante a `guerra de telegramas´ da Greve de 1951, cujo ápice foi inventar um (inexistente) `Exército de Libertação´ com 12 mil homens armados! Qual o `jornalismo´ praticado por aqueles cuja única função foi fabricar e espalhar factóides a serviço de um grupo ou de outro, tentando pautar o debate sem nenhum lastro ético-político?’ [do livro A terceira margem do rio, p. 122].

Assim, de um lado a violência física (por exemplo, no tumulto provocado pelos ‘cães de guerra’ no lançamento do livro Honoráveis Bandidos) e, de outro, a violência simbólica (em mais um factóide, a farsa da pesquisa eleitoral) constituem faces da mesma moeda oligárquica, postas em ação por seus agentes espalhados nos mais diversos setores. Que o episódio sirva de alerta à cidadania, muito mais virá…

Por isso, venho a público, perante a sociedade brasileira, denunciar mais esta farsa da oligarquia, ao divulgar uma falsa pesquisa (ou não registrada), violando a legislação e cometendo infração ou crime eleitoral, com o objetivo de promoção indevida de sua candidata e desqualificação dos adversários.

Espero, confiante, que o Ministério Público Eleitoral possa apurar devidamente as denúncias aqui formuladas por este cidadão comum!

E, por fim, relembro o escritor argentino Jorge Luis Borges na História Universal da Infâmia, em que traçou a biografia de estelionatários, fraudadores, pistoleiros, piratas, falsificadores, impostores, traidores – destes personagens infames, o poeta e contista Borges costumava dizer que sempre erravam a verdade!

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Historiador, professor do Departamento de História Universidade Federal do Maranhão