Numa destas coisas inexplicáveis da vida, tive a oportunidade de optar em meu futuro profissional por uma carreira que estivesse ligada ao ramo da comunicação. O que me causou, já que sou um crítico-analítico por natureza, a necessidade de observar com mais esforço este segmento que, além de enorme, em termos lucrativos, é bastante relevante também no que diz respeito ao cotidiano de inúmeros cidadãos brasileiros.
Talvez por influência do maniqueísmo católico que a grande maioria dos brasileiros ainda possui, inclusive eu, fui conduzido a observar os meios de comunicação de massa de nosso país e a nobre programação da emissora líder em audiência. Aqui cabem uns parênteses explicativos, (resolvi seguir esta linha de raciocínio porque já que quem influi mais se torna ou deveria logicamente, ser mais responsável na qualidade da transmissão dos fatos).
A quantidade de casos que têm brotado da telinha ultimamente, seja de plasma, LCD, plana, côncava, ret, display colorido ou coisas afins, é assustadora. Eu, mero aspirante-limitado a comunicólogo, estudante de ensino público pseudo-superior, formado no ensino médio no curso de formação geral (ou seja, em nada!), pergunto-me: por que não consigo mais me sensibilizar com caras, bocas e tom de voz lamentoso, músicas tristes, vozes vibrantes carregadas de uma revolta humana, com a qual os apresentadores dão essas notícias? Será que de algum modo me tornei insensível, vil e desumano? Ou talvez esteja sofrendo de um novo tipo de patologia, ainda não descoberta e que possivelmente será classificada pelos doutores como algo semelhante a uma hanseníase intelecto-social? Enfim, me parece que não conseguirei sanar minhas inquietações. Continuemos…
Como na época das indulgências
Tentei, numa breve e limitada retrospectiva noticiarista, relembrar os últimos episódios, dignos de uma produção roliudiana, veiculados na irritante programação da TV aberta brasileira (aberta pra onde, mesmo?… Para o tártaro?) O resultado que consegui foi o levantamento de alguns casos como: O caso Raquel. O caso Eloá. O caso da menina que foi encontrada amarrada e era espancada por sua tutora, diga-se de passagem, uma psicóloga. O caso Isabella. O caso João Hélio etc.
Não quero por acaso (desculpem o trocadilho) dizer que a imprensa não deva noticiar esses episódios, (seria pretensão de mais de minha parte e também não me ouviriam) afinal esse tipo de informação é sempre inportante para os cidadãos brasileiros que precisam se informar. E é exatamente o que a grande-minúscula mídia está conseguindo. Transformar o sofrimento, a revolta, as lágrimas e todos os subprodutos decorrentes desses episódios em artigos industriais de altíssimo valor mercadológico.
Não demorará muito até que apareça na internet alguma empresa de renome vendendo litros de lágrimas dos parentes envolvidos nos próximos casos, que com certeza virão. Ou, quem sabe, como na época das indulgências, irá ser revendido um pedaço da blusa que a vítima vestia no dia em que foi bru-tal-mente assassinada. Será colocado de lado, afinal não é lucrativo, o que de fato deveria importar… A reclusão daqueles que se vêem envolvidos em um episódio lamentável e doloroso, que por sua própria existência já é penalizante.
Limitar o cidadão a pagar impostos
O modo como as notícias são tratadas atualmente (porque prefiro acreditar no sentimento humanístico-educativo da mídia) é, sob a ótica histórico-pedagógico-educativa, genial! Se analisarmos atentamente é o que estamos vendo quando ligamos a TV. Uma grande aula, primeiramente de teatro e cinema. Logo em seguida (uma matéria que envolve antropologia, sociologia, direitos humanos, psicologia, historia, português, OSPB etc.) que pode ser nomeada, pra facilitar o entendimento, como ensino de humanidade. Mas, penso cá com meus botões, o que vem a ser atualmente este sentimento de humanidade?
E chego à inquietante hipótese de que talvez eu não seja de fato humano e não queira ser. Porque para mim, ser isso, significa não entender que uma das coisas que permite que casos de violência (sejam elas físicas, psicológicas ou de outra ordem) ocorram em grande número, é a existência do fosso social que divide a sociedade brasileira e vem sendo há décadas varrido para debaixo do nosso lábaro estrelado. Significa, para mim, entender que o Estado deve continuar restringindo-se a limitar o cidadão a pagar impostos, seguir suas regras e ser assistido por ele apenas de vez enquanto, com certo grau de paternalismo e solidariedade.
A ‘verdade’ do Nordeste
Se acreditasse nesta humanidade vendida e enlatada, vomitada por alguns segmentos da TV brasileira, deveria por de lado a idéia de que só ‘somos brasileiros’ quando ser isto significa aumento no índice de audiência ou método condutivo que nos faça seguir determinada ordem, discretamente ditadas por alguns dos veículos de informação.
Ser humano neste caso é sem sombra dúvida, guiar-se pela idéia do consumismo desnecessário e ostensivo. Colocar como fator mais relevante a idéia do ter ao invés do ser. Significa deixar de lado o papel obrigatório, repito obri-ga-tó-rio do Estado de nos oferecer segurança, educação e saúde de qualidade.
Ao invés de sermos obrigados a ver pseudo-mobilizações como o ‘basta, chega de violência’, que contou com a presença de atores globais calçando nikes e vestindo roupas de grife. E com tal atitude transformar um símbolo de resistência popular, que é uma passeata, em mais um evento mercadológico. Aqui assumo diretamente minha opinião… Eles não têm o direito (embora a nossa defasada Constituição garanta isto) de fazer qualquer que seja o evento de cunho social, enquanto no nordeste, por exemplo, os cidadãos são obrigados a acostumar-se com a ‘verdade’ de que estamos em uma terra não próspera.
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Estudante de Comunicação Social em Relações Públicas, Ciências Sociais e funcionário público, Camaçari, BA