Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Humorista anunciou própria morte no NYTimes

Morreu na quarta-feira passada (17/1), em Washington, o humorista político Art Buchwald, aos 81 anos [ver Wikipédia, em inglês]. O colunista, ganhador do Prêmio Pulitzer, chegou a ser publicado em mais de 500 jornais em todo o mundo e escreveu 45 livros. Buchwald tinha problemas renais e, no início do ano passado, recusou-se a fazer diálise. Acabou se internando em uma clínica para doentes terminais esperando morrer em poucas semanas. O tempo passou, seu quarto se tornou ponto de encontro de familiares e antigos amigos e ele chegou a escrever um livro sobre a experiência, Too Soon to Say Goodbye (Cedo demais para dizer adeus), publicado em novembro.

Buchwald começou sua longa carreira escrevendo crônicas sobre a vida noturna da Paris do pós-guerra. Mais tarde, em Washington, passou a satirizar a cultura e a política americanas. ‘Art era o Mark Twain de nosso tempo’, afirmou o senador Edward Kennedy. ‘Por décadas, não havia jeito melhor de começar o dia do que abrir o jornal na coluna de Art, rir bem alto e aprender a levar as questões a sério no mundo da política, mas a não se levar tão a sério assim’.

Nova York, Paris, Washington

Filho adotivo de um fabricante de cortinas, Buchwald cresceu no Queens, em Nova York. Ele nunca se formou na escola e saiu de casa aos 17 anos para se alistar na Marinha, por onde lutou na Segunda Guerra. Depois de liberado, matriculou-se na University of Southern California, onde escrevia para a revista e o jornal do campus. Apesar de não ter se formado, foi para Paris e trabalhou como correspondente da revista Variety. Em 1949, mandou a amostra de uma coluna intitulada ‘Paris After Dark’ para a redação da edição européia do New York Herald Tribune. Recheada de histórias sobre a vida noturna parisiense, a coluna lhe rendeu um emprego no jornal.

Buchwald conseguia encontrar traços do absurdo em qualquer lugar, mas parecia ter sua maior fonte de inspiração na capital americana, para onde voltou na década de 60. ‘A única coisa com que me preocupo é fazer piada com eles. Eu não tenho a mínima intenção de me preocupar sobre o que é bom para o país’, afirmou o humorista em entrevista à Reuters em 1987.

Coluna de despedida

Depois que decidiu se internar, em fevereiro do ano passado – e acreditando que morreria logo –, Buchwald escreveu uma coluna de despedida para ser divulgada apenas depois de sua morte. No texto, intitulado ‘Adeus, meus amigos’, o humorista fala sobre a decisão de rejeitar a diálise e explica a razão para ter se internado na clínica (‘parecia o jeito menos doloroso de ir, e você não tem que levar muita coisa com você’). Ele brinca ainda que, nos últimos tempos, pensava muito em comida (‘Eu sei que não comi todas as éclairs que sempre quis’) e se despede dos amigos (‘foi um grande prazer conhecer todos vocês e ser parte de suas vidas. Cada um de vocês contribuiu, de sua própria maneira, para a minha vida’).

‘Acabei de morrer’

A morte de Buchwald foi anunciada por ele próprio no sítio do New York Times. ‘Olá, sou Art Buchwald e acabei de morrer’, diz o colunista em um vídeo divulgado na semana passada, quando outros veículos de comunicação noticiavam de maneira mais convencional o ocorrido. A filmagem mostra uma entrevista concedida ao repórter Tim Weiner em julho do ano passado – e faz parte de um plano do jornal para passar a publicar em sua página na internet ‘papos de obituário’ de personalidades importantes. O projeto teria o nome de ‘A Última Palavra’. Weiner diz que há pelo menos outras 10 entrevistas prontas e editadas, e que o jornal pretende fazer mais três ou quatro por mês. Entre os entrevistados, estariam um ex-presidente americano e um cientista.

‘[A entrevista] dá às pessoas a chance de contar a história de suas vidas. Não é a voz do New York Times, é a sua vida em suas palavras’, diz o jornalista. Na conversa, Buchwald fala sobre seus textos políticos, suas opiniões sobre o mundo e a doença de que sofria. ‘Ele estava com dor, não estava saudável’, lembra Weiner sobre o dia do encontro. ‘Mas quando chegou a hora de falar, ele foi apenas ele mesmo’. Informações de Joe Strupp [Editor & Publisher, 18/1/07] e David Alexander [Reuters, 18/1/07].

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Morre o humorista político Art Buchwald

Richard Severo, The New York Times # copyright Folha de S.Paulo, 19/1/2007, tradução de Paulo Migliacci

O jornalista americano Art Buchwald, que zombou da insensatez dos ricos, famosos e poderosos por meio século e se tornou o colunista de humor mais lido de sua era, morreu na noite de quarta-feira, em Washington, aos 81 anos. A causa foi falência geral dos rins.

A coluna de Buchwald se tornou hábito cotidiano para uma ou mais gerações de leitores, especialmente para os políticos que ele costumava atazanar. Sua vida foi uma prova de humor diante do sofrimento, com capítulos em Paris, Washington e outros pontos do planeta.

Talvez nenhum ano da vida de Buchwald tenha sido mais notável do que o último. Em fevereiro de 2006, os médicos informaram que só lhe restavam algumas semanas de vida. ‘Decidi me internar, e desaparecer discretamente’, escreveu ele, três meses depois. ‘Por motivos que nem os médicos foram capazes de explicar, meus rins continuaram funcionando’.

Ele continuou a escrever sua coluna, e até publicou um livro no fim de 2006, ‘Too Soon to Say Goodbye’ (cedo demais para dizer adeus), mantendo o humor mesmo ao refletir sobre a morte, que sentia próxima.

Buchwald tinha leitores entusiásticos dos dois lados do Atlântico. Em seus primeiros anos de trabalho, se tornou o americano em Paris favorito para grande número de leitores, devido à sua coluna para a edição européia do ‘New York Herald Tribune’. Quando voltou da Europa para assumir uma nova coluna, dessa vez em Washington, conquistou popularidade ainda maior. No pico de sua popularidade, a coluna saía em mais de 500 jornais.

Um de seus maiores prazeres era criar ou estimular controvérsia, sempre com vigor, mas nunca com maldade. O mundo era louco, dizia, e seu trabalho era simplesmente um registro daquilo que via. Buchwald demonstrou tanta competência como observador que recebeu um prêmio Pulitzer em 1982.

No cenário mundial, ele via o teatro do absurdo, e fez um esforço para mergulhar nele. Visitou a Iugoslávia para perseguir cabras, foi à Turquia à procura de um banho turco, e descreveu seu espanto ao ser informado pelos turcos de que não existia nada parecido por lá.

Durante a Guerra Fria, marchou com mísseis e tanques em uma parada de 1º de Maio em Berlim Oriental. Em outra ocasião, alugou uma limusine com chofer para viajar pela Europa Oriental. Queria que as pessoas da região soubessem, aludindo a seu físico robusto, ‘que cara tem um capitalista inchado e plutocrático’.

‘O humor de sua coluna não era do tipo que provoca gargalhadas’, disse o amigo Ben Bradlee, editor do ‘Washington Post’ na época de Watergate, ‘mas ele sempre nos trazia um sorriso aos lábios’.