Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Hunter Thompson e a contracultura

Hunter Stockton Thompson foi uma das mais desconcertantes crias da contracultura norte americana. Escritor e jornalista, ele criou seu próprio estilo, batizado de ‘gonzo’ (numa referência a uma personagem criada por ele, o médico samoano Dr. Gonzo, inspirado no amigo Oscar Zeta Acosta, político e ativista do movimento hispânico). Sua escrita delirante não permitia distinção clara entre autor e sujeito, fato ou ficção. O mais importante em Hunter Thompson não são suas histórias e reportagens em si, mas o modo intenso em que ele se envolvia com o que quer que estivesse investigando. Sua personalidade extravagante despertava mais interesse do que suas matérias.

Thompson foi um adolescente problemático. Perdeu o pai aos 15 anos. Foi preso em 1956 por roubo. Como parte da pena, foi convocado para a força aérea americana. Aí iniciou sua trajetória como jornalista, escrevendo para o jornal da base em que fora servir. Cumpriu seu tempo, e depois mudou-se para Nova York. Tendo fracassado na universidade, trabalhou em vários periódicos e revistas no início dos anos de 1960. Sua rebeldia e insubordinação determinariam um início de carreira difícil para ele, na época. Seu primeiro grande sucesso foi uma reportagem sobre os Hells´ Angels, a gangue marginal de motociclistas surgida no pós-guerra. Produzida para o jornal The Nation, a mais famosa publicação da esquerda americana nos anos 60, a reportagem lhe rendeu muito sucesso e um livro – Hell´s Angels – Medo e Delírio Sobre Duas Rodas (Conrad Editora, 2004), publicado em 1966, e considerado um dos clássicos do Novo Jornalismo americano.

Depois de 1966, entrou em contato com a contracultura, em São Francisco. Foi, ao mesmo tempo, adepto e crítico do movimento. Apesar de usuário de drogas e do estilo de vida alternativo, jamais perdeu a perspectiva crítica. Perspicaz, esteve atento para as fragilidades da cultura pop. Voltou-se ferozmente contra Timothy Leary (o então denominado ‘papa’ do LSD), muito popular naquela época em São Francisco. Considerava-o pessoalmente responsável por ter produzido uma legião de desajustados improdutivos, nos Estados Unidos.

Extravagante e anticonvencional

Produziu alguns artigos geniais na Rolling Stone. Desta coletânea, surgiu seu livro mais famoso: Medo e Delírio em Las Vegas: Uma Jornada Selvagem ao Coração do Sonho Americano (São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2007), publicado em 1971. Escrevendo na primeira pessoa, criou um alter-ego, Raoul Duke, que, acompanhado de seu associado Dr. Gonzo, viaja para Las Vegas para cobrir uma corrida de motociclistas e uma convenção anti-drogas. Sem esquecer de entupir o porta-malas de seu carro com todo o tipo de droga disponível na época… Os dois partem, a seguir, em louca aventura na cidade. Através de uma narrativa perturbadora e alucinada, o autor vai expondo e pondo abaixo os sonhos do modo americano de vida. De uma América prepotente e mal informada. Impiedosa e cruel.

A história foi baseada em episódio real ocorrido em 1967, quando Hunter (que então apoiava o movimento hispânico com seus artigos na Rolling Stone), e seu amigo militante Oscar Acosta viajaram a Las Vegas, em 1967, para que este pudesse falar livremente sobre o assassinato do colunista do Los Angeles Times Rubén Salazar e o preconceito anti-hispânico existente em Los Angeles.

Tornou-se recluso nos anos 70, mas continuou escrevendo para a Rolling Stone até os anos 90. Adentrou a era da internet escrevendo sobre esportes para a ESPN. Extravagante, avesso ao convencionalismo, foi ao mesmo tempo o último dos grandes periodistas do pós-guerra, e o primeiro legítimo representante de um tipo de jornalismo centrado na personalidade do periodista, bastante comum dos dias de hoje. Hunter Thompson suicidou-se em 2005 com um tiro na cabeça, aos 68 anos de idade.

******

Consultor em Urbanismo, professor e tradutor