O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em longa entrevista exclusiva dada ao jornal O Estado de S.Paulo (caderno ‘Aliás’, 13/1/2008), refere-se, em dois momentos, ao ex-ministro José Dirceu, entre tantos outros nomes de figuras exponenciais da política nacional e internacional dos últimos anos.
O pingue-pongue do Estadão, recheado de questionamentos que passam pela economia e eleições presidenciais nos Estados Unidos, pela posição da Europa em termos econômicos mundiais, no chamado plano global, e ainda por sua reconhecível admiração ao modelo espanhol, mostra um FHC que, do alto dos seus 76 anos, avança nos conceitos abrangentes, se gaba dos méritos dos seus governos, analisa o comportamento do presidente Lula e, de modo sutil, comunica que sua carreira política está encerrada, apenas em termos eleitorais.
Justamente nesse ponto da matéria, ele se autoproclama ‘incendiário’. Perguntado se a sua carreira política está mesmo encerrada, ele diz:
‘Em termos eleitorais, sim. Eu disse isso, houve gente que desconfiou, mas é verdade. No entanto, não vou encerrar minha participação política. São coisas diferentes. Cada um faz o seu caminho, não estou criticando ninguém. Só que todos os ex-presidentes foram candidatos a alguma coisa ao deixar o cargo. Sarney é senador, Itamar foi governador, Collor é senador. Só o PT quer que eu saia de cena (risos).’
Silêncio cúmplice
FHC atira, adula, morde e assopra, faz um lúdico ir-e-vir de pensamentos amadurecidos, enquanto lança farpas e as retira em seguida, como um bom jogador que espera a reação (que virá) dos seus adversários, na medida em que suas jogadas repercutam no cenário eleitoral que se avizinha.
Considera que ‘tudo está muito morno’, indica que é preciso esquentar o jogo: ‘Sou um ex-presidente da República, continuo falando, e agora com mais liberdade. Quando falo ao partido, é verdade, sou veemente. Talvez um pouquinho incendiário porque está tudo muito morno.’
Em considerações sobre políticos do seu partido, o PSDB, não poupa elogios ou críticas e busca explicar, acidamente, a derrota do candidato Serra, chamando de covarde a atitude dos seus correligionários que não defenderam as idéias na imprensa.
Nesse ponto, ele avalia a importância da mídia nas campanhas eleitorais brasileiras: ‘Acho que o PSDB agora entende que perdeu ao não brigar pelo que acreditava. Tem que defender, tem que acreditar! Sim, houve um silêncio cúmplice com o governo. Um acovardamento diante das idéias. Depois viram que não tinha idéia nova. Também demoraram a perceber que, na política, importante é o que a imprensa registra.’
Ultra-realista
A extensa reportagem, assinada por Laura Greenhalgh e Fred Melo Paiva, tem no seu bojo um arsenal de nomes citados e esmiuçados, que vão desde Hillary Clinton e George W. Bush, passando por Hugo Chávez, citando dirigentes de países europeus , africanos e latino-americanos e ainda mencionando prefeitos, deputados, senadores. Agrega valores à deficiência do sistema eleitoral brasileiro, proclama a necessidade urgente, segundo ele, da sua mudança.
Ao citar o ex-ministro José Dirceu, por duas vezes, o faz com uma citação deste sobre o presidente Lula:
‘O Zé Dirceu disse uma vez que, diante de duas opções, uma mais transformadora e outra menos, Lula ficará com a segunda. Por outro lado, dentro do PT sempre haverá gente pensando assim: `E nós? Sem o Lula não elegeremos governadores, não faremos a grande bancada´. O zunzunzum vem daí e será permanente.’
O ex-presidente tucano espicaça, intencionalmente, numa observação direcionada contra os militantes petistas, usando as palavras do polêmico Dirceu. Mas, em outra parte do bate-bola com o Estadão, ele volta a falar do ex-presidente do PT, quando responde à pergunta sobre a entrevista-bomba recém-concedida pelo político petista cassado à revista piauí. Vejamos os trechos:
‘– Em matéria da revista piauí, José Dirceu diz que agora trabalha para o capitalismo. O que o sr. acha disso?
‘– Eu li. Não sei de que capitalismo ele fala, mas me pareceu honesto dizer isso. Também contou que propôs de início o que Lula faria depois, a aliança com o PMDB. É verdade. E revelou amargor consigo mesmo. É uma pessoa ultra-realista.’
Capítulos de cartilhas eleitorais
Ao considerar o ex-ministro José Dirceu uma pessoa ultra-realista, FHC demonstra que a realidade brasileira se faz de opiniões que perpassam as páginas e as redações de política da grande mídia nacional.
Também a opinião pública se abastece de elementos para tecer suas tramas históricas no embate capitalismo-socialismo que, em entrevistas como a dele, no Estadão, e a do José Dirceu, na revista piauí, vão se somando aos episódios nacionais e internacionais que aqui repercutem. De toda a entrevista, ressalto a frase ‘Importante é o que a imprensa registra’ porque o ex-presidente dá a mão à palmatória e demonstra que é preciso aliar-se em conteúdo e boa intenção ao movimento midiático, defendendo idéias, como ele mesmo ressalta.
Talvez ele próprio não tenha se dado conta de que nessa matéria, ao discorrer pelo Brasil e pelo mundo com tanta desenvoltura e aparente segurança, mostrou-se, inusitadamente, também, tão ultra-realista quanto o petista José Dirceu. Cabe à mídia, a partir de agora, repercutir as duas entrevistas e tirar delas as conclusões que definirão os próximos passos nacionais. Definitivamente, FHC e JD não encerraram as carreiras políticas, apenas a participação eleitoral – porque política, ambos, continuam a fazer, através da mídia, concedendo entrevistas que devem ser lidas como capítulos de cartilhas eleitorais.
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ