Nos três principais jornais brasileiros, o tema de manchetes de terça-feira (18/12) é a decisão do Supremo Tribunal Federal de mandar a Câmara dos Deputados cassar imediatamente os mandatos de parlamentares condenados na Ação Penal 470.
O noticiário e as opiniões escolhidas pelos editores indicam que está em curso uma crise institucional que poderá ter dois resultados: o Congresso Nacional se rebela e provoca um impasse de proporções imprevisíveis, ou aceita a decisão judicial e se submete a outro poder da República, assumindo um papel secundário no conjunto das instituições que são a base do regime.
A esse tema principal se agregam declarações de alguns dos condenados, que ensaiam uma série de protestos públicos que podem levar militantes a conturbar o ambiente das grandes cidades do país em véspera de Natal. Um período de instabilidade política pode brotar desse movimento, pela transferência, para as ruas, de incompatibilidades que recrudescem há tempos nas redes sociais digitais.
Esse é um risco que se depreende facilmente da leitura das edições dos jornais de terça-feira (18), mas é muito provável que nada disso venha a acontecer. Entre outras razões, pelo fato de que há muito tempo aquilo que sai na imprensa não guarda relação de causa e efeito com o que ocorre nas ruas.
É difícil questionar que, havendo perturbações da ordem pública, a imprensa teria tanta responsabilidade quanto os organizadores de protestos, pelo papel que vem cumprindo na disputa política que se configurou por trás da recente decisão do STF. No entanto, o mais provável é que nada aconteça de extraordinário, ou nada mais retumbante do que as manifestações sindicais que eventualmente tomam algumas ruas e praças. No contexto social, que inclui mas não se esgota no campo político, os fatos relatados com grande ênfase pelos jornais não parecem ter grandes efeitos.
Parte da ideia segundo a qual a imprensa tradicional vem perdendo relevância deriva da constatação de que há uma vida pública cotidiana, que reflete os desejos, temores e preocupações dos cidadãos, e uma vida institucional, que parece se desenrolar em outra esfera.
Embora os campos sociais sejam intercorrentes, a imprensa claramente se deslocou quase completamente para o ambiente institucional, onde o discurso vale mais que a realidade.
Absurdos na TV
Nas edições da mesma terça-feira, outro assunto que move os jornais é o processo de fragmentação do grupo Clarín, na Argentina, pelo qual se realiza na prática a exigência legal, ignorada no Brasil, que determina a desconcentração dos meios de comunicação.
Também há notícias sobre a volta da equipe do Corinthians, que conquistou o bicampeonato mundial de clubes no Japão, e sobre os funerais de crianças mortas por um atirador em uma escola na cidade americana de Newtown.
O caso do Clarín, que mereceu grande engajamento da imprensa nacional, contra a ação do governo argentino, termina laconicamente, com o cumprimento da lei. Sobre o triunfo corintiano, a unanimidade dos méritos pela conquista transforma o noticiário em uma festa contínua. Quanto à tragédia na escola americana, a imprensa nacional discutiu apenas superficialmente a questão da liberdade para a posse de armas, que já foi tema de referendo no Brasil há apenas sete anos.
Também não há referência ao quadro levado ao ar no programa Domingão do Faustão, da Rede Globo, no domingo, 16/12 (ver aqui). A propósito de analisar o perfil do assassino de Newtown, a psicóloga Elizabeth Monteiro misturou psicopatas com autistas e produziu um verdadeiro “samba do afrodescendente em situação de desordem mental”. Algumas coisas que ela disse: “Pelo que eu li, ele (o assassino) era um asperger. Asperger é um tipo de autismo e às vezes é considerado uma pessoa inteligente”, explicou.
A entrevista, feita no tom de vaudeville que caracteriza o programa, provocou uma onda de protestos na internet, por parte de familiares e associações de profissionais que lidam com o autismo.
A psicóloga deu dicas a pais e mães sobre como identificar certas disfunções mentais, misturando irresponsavelmente psicopatas com autistas e aspergers, o que pode agravar o preconceito contra portadores de certas dificuldades sociais, que já são comumente vítimas de bullying.
Essa era uma oportunidade para os jornais darem voz aos descontentes e colocarem em debate as responsabilidades de programas televisivos que misturam teatro de revista com pretensões jornalísticas.
Mas a imprensa prefere ignorar o assunto, numa espécie de autismo.